Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa de um cardíaco.
Já o verme - este operário das ruínas -
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
(Augusto dos Anjos)
epigênesis: teoria da formação dos seres por gerações graduais.
frialdade: frieza.
hipocondríaco: aquele que se preocupa excessivamente com a própria saúde; aquele que se sente deprimido ou com tristeza profunda.
rutilância: brilho intenso.
1. A linguagem do poema surpreende e modifica uma tradição poética brasileira, em grande parte construída com base em sentimentalismo, delicadezas, sonhos e fantasias.
a) Destaque do texto vocábulos empregados poeticamente por Augusto dos Anjos e tradicionalmente considerados antipoéticos.
Carbono, amoníaco, epigênesis, hipocondríaco, verme, etc.
b) De que área do conhecimento humano provêm esses vocábulos?
Provêm da ciência, particularmente da Química.
2. O poema pode ser dividido em duas partes: a primeira trata do próprio eu lírico; a segunda, da morte.
a) Como o eu lírico encara a vida e a si mesmo nas duas primeiras estrofes?
Vê a vida e a si mesmo de forma pessimista, pois entende que o homem é matéria, química, e considera que tudo caminha para a destruição.
b) Que enfoque é dado à morte nas duas últimas estrofes?
A morte é considerada o destino final e fatal de toda forma de vida. Cabe ressaltar também a crueza do tratamento dado à morte, representada pela imagem do verme a comer "sangue podre".
3. O título é uma espécie de síntese das ideias do poema. Justifique-o.
Embora o título contenha a palavra psicologia, o poema detém-se a tratar da matéria das substâncias químicas que formam o eu, evitando maior introspecção. Apesar disso, é possível constatar o negativismo interior do eu lírico, que se considera "vencido" em virtude da fragilidade física do ser humano e da força implacável da morte.
Sim, porque a condição humana retratada pelo poema (constituição e fragilidade física do ser humano, fatalidade da morte) não é exclusiva do eu lírico, mas universal.
5. Identifique no texto ao menos uma característica naturalista e outra simbolista.
A característica naturalista do poema está no cientificismo; a característica simbolista encontra-se na visão decadentista do eu lírico sobre a vida.
Fonte:
Cereja, William Roberto
Português linguagens: volume 3 / William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães. - 7. ed. reform. - São Paulo: Saraiva, 2010.