segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Camões e o Renascimento: exercícios com gabarito


1. (Enem/MEC) Oxímoro (ou paradoxo) é uma construção textual que agrupa significados que se excluem mutuamente. Para Garfield, a frase de saudação de Jon (tirinha abaixo) expressa o maior de todos os oxímoros.
                                                 Folha de S. Paulo. 31 de julho de 2000.
Nas alternativas abaixo, estão transcritos versos retirados do poema “O operário em construção”. Pode-se afirmar que ocorre um oxímoro em:

(A) "Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão."


(B) "... a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão."

(C) "Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava."

(D) "... o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário."

(E) "Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão."
MORAES, Vinícius de. Antologia Poética. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
Antes de responder às questões de 2 a 4, leia a cantiga e observe a sua musicalidade e a graça de seus trocadilhos.
Cantiga
A este mote alheio:
Menina dos olhos verdes,
Por que me não vedes?


Voltas
Eles verdes são,
e têm por usança
na cor, esperança
e nas obras, não.
Vossa condição
não é d'olhos verdes,
porque me não vedes.

Isenções a molhos
que eles dizem terdes,
não são d'olhos verdes,
nem de verdes olhos.
Sirvo de giolhos,
e vós não me credes
porque me não vedes.

Haviam de ser,
porque possa vê-los,
que uns olhos tão belos
não se hão-de esconder;
mas fazeis-me crer
que já não são verdes,
porque me não vedes.

Verdes não o são
no que alcanço deles;
verdes são aqueles
que esperança dão.
Se na condição
está serem verdes,
porque me não vedes? 
                                                                
CAMÕES, Luís Vaz de. Rimas. Texto estabelecido, revisto e prefaciado por Álvaro J. da Costa Pimpão. Coimbra : Atlântida, 1973. P. 17-18.

2. Faça a escanção dos versos do mote e dos dois primeiros das voltas. Classifique-os quanto à métrica.

Me / ni / na / dos / o / lhos / ver / des, - redondilha maior (heptassílabo); por / que / me / não /ve / des? – redondilha menor (pentassílabo); E / les / ver / des / são, / e / têm / por / u / san / ça, - redondilhas menores (pentassílabos).
3. Nos versos “Vossa condição / não é d’olhos verdes” há um trocadilho, pois a palavra “verdes” pode ser lida com dois significados diferentes. Explique o trocadilho.
A palavra verdes pode ser entendida como adjetivo, explicitando a cor, e como o verbo ver, no infinitivo flexionado, 2ª pessoa do plural: Vossa condição não é de verdes os olhos. Pelo segundo sentido, a menina não vê os olhos apaixonados do eu lírico, como ele explica no último verso: “por que me não vedes?”
4. Tradicionalmente, as cores possuem significados simbólicos. Por exemplo, a cor preta pode representar tristeza e luto; a amarela, desespero, medo; a azul, em certos contextos, representa o sonho, a felicidade; noutros, a tristeza.
a) O valor simbólico da cor verde nos versos de Camões é o mesmo que o de hoje? Qual é o valor simbólico? Sim; esperança.
b) Que versos explicitam esse sentido simbólico?
     “na cor, esperança”; “verdes são aqueles / que esperança dão.”
Leia o poema para responder às questões 5 e 6.

                       Olhos verdes




Eles verdes são:
E têm por usança,
na cor esperança,
E nas obras não.
                        Camões, Rimas


São uns olhos verdes, verdes,
Uns olhos de verde-mar,
Quando o tempo vai bonança;
Uns olhos cor de esperança,
Uns olhos por que morri;
Que ai de mim!
Nem já sei qual fiquei sendo
Depois que os vi!

Como duas esmeraldas,
Iguais na forma e na cor,
Têm luz mais branda e mais forte,
Diz uma — vida, outra — morte;
Uma — loucura, outra — amor.
Mas ai de mim!
Nem já sei qual fiquei sendo
Depois que os vi!

São verdes da cor do prado,
Exprimem qualquer paixão,
Tão facilmente se inflamam,
Tão meigamente derramam
Fogo e luz do coração
Mas ai de mim!
Nem já sei qual fiquei sendo
depois que os vi!

São uns olhos verdes, verdes,
Que podem também brilhar;
Não são de um verde embaçado,
Mas verdes da cor do prado,
Mas verdes da cor do mar.
Mas ai de mim!
Nem já sei qual fiquei sendo
Depois que os vi!

Como se lê num espelho,
Pude ler nos olhos seus!
Os olhos mostram a alma,
Que as ondas postas em calma
Também refletem os céus;
Mas ai de mim!
Nem já sei qual fiquei sendo
Depois que os vi!

Dizei vós, ó meus amigos,
Se vos perguntam por mim,
Que eu vivo só da lembrança
De uns olhos cor de esperança,
De uns olhos verdes que vi!
Que ai de mim!
Nem já sei qual fiquei sendo
Depois que os vi!

Dizei vós: Triste do bardo!
Deixou-se de amor finar!
Viu uns olhos verdes, verdes,
uns olhos da cor do mar:
Eram verdes sem esp’rança,
Davam amor sem amar!
Dizei-o vós, meus amigos,
Que ai de mim!
Não pertenço mais à vida
Depois que os vi!
5. Gonçalves Dias indicou o intertexto de seu poema, colocando uma estrofe de Camões como epígrafe.
a) O poeta romântico seguiu o renascentista na escolha da métrica? Explique e comprove sua resposta, fazendo a escansão do primeiro verso.
Não seguiu. Camões utilizou versos redondilhos menores (5 sílabas); Gonçalves Dias, redondilhas maiores (7 sílabas): “São / uns / o / lhos / ver / des, / ver / des”.
b) Em ambos os poemas, a figura da amada é representada, metonimicamente, por seus olhos verdes. Que efeito de sentido produz a duplicação do adjetivo verde no primeiro verso do poema de Gonçalves Dias?
A duplicação produz um efeito de intensificação da cor (verdes, verdes = muito verdes, verdíssimos).
Obs:
 intertexto: texto preexistente a outro texto, ao qual este se reporta e recorre em sua elaboração.
6. No poema de Camões, o eu lírico se queixa da contradição entre a simbologia da cor dos olhos e o comportamento da menina (“na cor, esperança / e nas obras, não”). Identifique, no poema de Gonçalves Dias, um exemplo de contradição dos olhos, na interpretação do eu lírico. Explique o exemplo.
O(A) aluno(a) pode apontar a segunda estrofe, em que o eu lírico compara os olhos a duas esmeraldas que, embora idênticas, produzem efeitos e significados contraditórios: luz mais branda/mais forte; vida/morte; loucura/amor. Pode também apontar a última estrofe, em que, como no poema de Camões, a ausência de esperança contradiz a simbologia da cor verde. Os olhos provocavam o amor (“davam amor”), mas não amavam (“sem amar”).

Leia o soneto de Camões para responder às questões 7 e 8.
Soneto
Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento Etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente,
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.

Luís Vaz de Camões, in "Sonetos" 
7. Esse texto é um exemplo da concepção neoplatônica do amor na obra lírica de Camões.
a) A utilização de dois advérbios antitéticos estabelece uma oposição essencial para o entendimento do poema. Localize esses advérbios e explique a oposição que eles estabelecem.
Advérbios: e . Estabelecem a oposição entre a vida terrena (cá) e a vida após a morte, no Céu (lá).
b) A qual elemento dessa oposição corresponde o lugar da felicidade e da realização do Amor, idealizado como o Bem supremo?
Corresponde ao, isto é, ao Céu, onde a amada agora vive, eternamente.
c) Destaque da primeira estrofe dois adjetivos que traduzem uma visão negativa em relação ao outro elemento da oposição. Explique.
Descontente e triste. O primeiro traduz os sentimentos da amada em relação à vida terrena; o segundo, o sentimento do amante, vivo, mas impedido de realizar o amor.
8. Para Platão, o ser humano é um ser decaído, mas que anseia por retornar ao mundo ideal e perfeito que ele um dia conheceu. Os neoplatônicos identificam esse mundo ideal ao Céu cristão. Releia as duas últimas estrofes do soneto e explique como o sujeito lírico exprime esse anseio por atingir a plena realização da felicidade e do amor.
Ele pede à amada que interceda diante de Deus para que também morra e suas almas possam realizar, no Céu, o amor que foi impossível na Terra.
9.( Fuvest-SP)
 "Já vai andando a récua dos homens de Arganil, acompanham-nos até fora da via as infelizes, que vão clamando, qual em cabelo, Ó doce e amado esposo, e outra protestando, Ó filho, a quem eu tinha só para refrigério e doce amparo desta cansada já velhice minha, não se acabavam as lamentações, tanto que os montes de mais perto respondiam, quase movidos de alta piedade (…)"
                                                   (José Saramago, Memorial do Convento)
Em muitas passagens do trecho transcrito, o narrador cita textualmente palavras de um episódio de Os Lusíadas, visando criticar o mesmo aspecto da vida de Portugal que Camões, nesse episódio, já criticava. O episódio camoniano e o aspecto criticado são, respectivamente,
a) O Velho do Restelo; a posição subalterna da mulher na sociedade tradicional portuguesa.
b) Aljubarrota; a sangria populacional provocada pelos empreendimentos coloniais portugueses.
c) Aljubarrota; o abandono dos idosos decorrente dos empreendimentos bélicos, marítimos e suntuários.
d) O Velho do Restelo; o sofrimento popular decorrente dos empreendimentos dos nobres.
e) Inês de Castro; o sofrimento feminino causado pelas perseguições da Inquisição.

Comentário: As mulheres se desesperam ao ver maridos e filhos sendo levados para a construção do convento. A partir da expressão “Ó filho”, Saramago reproduz, literalmente, os versos de Camões.

FONTE:
Novas palavras 2º ano / Emília Amaral...[et al.]. – 3. ed. – São Paulo: FTD, 2016. – (Coleção novas palavras)
Outros autores: Mauro Ferreira do Patrocínio, Ricardo Silva Leite, Severino Antônio Moreira Barbosa