sábado, 22 de julho de 2017

Mãos dadas - Carlos Drummond de Andrade ( Exercícios resolvidos)

Mãos Dadas
                    Carlos Drummond de Andrade

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos,
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
Não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
Não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente. 


1. Do ponto de vista formal, que elementos do texto de Drummond exemplificam a liberação do academicismo, deflagrada em 1922 e amadurecida em 30?

Os versos livres, as estrofes heterogêneas e o tom prosaico da linguagem constituem exemplos de liberação do academicismo, presentes no poema. 

2. Que versos da primeira estrofe indicam a recusa do eu lírico em compactuar com o "oficialismo literário", ou seja, a alienação em relação ao momento presente e à realidade histórico- social do país?

Trata-se dos dois versos de abertura do poema. 

3. Transcreva uma expressão do trecho selecionado na resposta anterior que exemplifique a visão negativa do poeta sobre o "passadismo literário", justificando sua escolha. 

A expressão é "mundo caduco", como se percebe pelo caráter pejorativo do adjetivo com o qual o poeta caracteriza o passadismo. 


4. Na segunda estrofe, o eu lírico expressa uma nova recusa. A que movimento literário ela se refere? Explique e exemplifique.

A recusa do eu lírico refere-se ao escapismo do estilo romântico, como se percebe por expressões presentes nos quatro versos iniciais da segunda estrofe: " cantar uma mulher", " dizer suspiros ao anoitecer", " distribuir entorpecentes e cartas de suicida" etc. 

5. Considerando a dimensão social presente no poema, e consequentemente seu caráter antiburguês, reflita: quem seriam os companheiros do poeta? Por que razão ''estão taciturnos'' e, por outro lado, por que ''nutrem grandes esperanças''?

Os "companheiros" do poeta são os oprimidos do sistema capitalista, como os operários. Se a exploração em que vivem os deixa taciturnos, por outro lado o poema acena com a possibilidade de uma revolução, como se percebe no último verso da primeira estrofe. 

Fonte: 


AMARAL, Emília. FERREIRA, Mauro. LEITE, Ricardo. ANTÔNIO, Severino. Novas palavras. 2ª ed. São Paulo: FTD, 2005.  

Poema Versos Íntimos - Augusto dos Anjos (Atividade)

Versos Íntimos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável 
Enterro de tua última quimera. 
Somente a Ingratidão - esta pantera- 
Foi tua companheira inseparável! 
Acostuma-te à lama que te espera! 
O homem, que, nesta terra miserável, 
Mora, entre feras, sente inevitável 
Necessidade de também ser fera. 
Toma um fósforo. Acende teu cigarro! 
O beijo, amigo, é a véspera do escarro, 
A mão que afaga é a mesma que apedreja. 
Se a alguém causa inda pena a tua chaga, 
Apedreja essa mão vil que te afaga, 
Escarra nessa boca que te beija! 
                                                                            Augusto dos Anjos 


1. Do ponto de vista formal, o texto se caracteriza como um soneto clássico. Justifique esta afirmação, considerando o esquema métrico e o esquema rímico nele presentes.
Os versos são decassílabos e as rimas são regulares ( ABBA; BAAB; CCD; DDC). 

2. O conselho ou ordem da terceira estrofe introduz no poema, de forma inesperada, um tom prosaico, de conversa cotidiana. O verso surpreende o leitor de forma irônica e provocativa, fazendo lembrar o Realismo psicológico de Machado de Assis. Releia as duas estrofes finais e, a partir delas, explique o sentido da utilização desses recursos no referido verso. 
Por meio da surpresa, da ironia e da provocação, o sujeito lírico procura quebrar a expectativa do leitor, como se o aconselhasse a se preparar para ler a afirmação cruel sobre o ser humano que vem a seguir. 

3. Observe que, no poema, homem, vida social, amizade, solidariedade, afeto (beijo, mão que afaga) transformam-se em ingratidão, terra miserável, fera, desafeto ( escarro, mão que apedreja). Nessa perspectiva, tente interpretar sua estrofe final.

a-Que ações o sujeito lírico recomenda ao leitor?
 O sujeito lírico recomenda apedrejar a mão vil de quem se recebeu um afago, escarrar na boca de quem se recebeu um beijo.


b-Numa leitura mais profunda, poderíamos pensar que o sujeito lírico estaria nos advertindo, precavendo-nos contra aquilo que parece nos ordenar, aconselhar a fazer. Que recurso estilístico presente em todo o texto permite esse interpretação? Por quê?

O recurso estilístico é a ironia, que permite essa interpretação justamente porque consiste em afirmar o contrário do que se pensa. 

4. O que há de irônico no título Versos íntimos, comparando-o com o conteúdo do poema?
O referido título é irônico, por sugerir um texto subjetivo, romântico, sentimental, o que a leitura efetiva do poema desmente, ao mostrar que se trata de um texto agressivo, desolador, que se aproxima do grotesco. 

Fonte: 
AMARAL, Emília. FERREIRA, Mauro. LEITE, Ricardo. ANTÔNIO, Severino. Novas palavras. 2ª ed. São Paulo: FTD, 2005.