segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Uma vela para Dario, de Dalton Trevisan (exercícios com gabarito)

 

Uma vela para Dario    

                                                                          Dalton Trevisan

            Dario vem apressado, guarda-chuva no braço esquerdo. Assim que dobra a esquina, diminui o passo até parar, encosta-se a uma parede. Por ela escorrega, senta-se na calçada, ainda úmida de chuva. Descansa na pedra o cachimbo.

            Dois ou três passantes à sua volta indagam se não está bem. Dario abre a boca, move os lábios, não se ouve resposta. O senhor gordo, de branco, diz que deve sofrer de ataque.

            Ele reclina-se mais um pouco, estendido na calçada, e o cachimbo apagou. O rapaz de bigode pede aos outros se afastem e o deixem respirar. Abre-lhe o paletó, o colarinho, a gravata e a cinta. Quando lhe tiram os sapatos, Dario rouqueja feio, bolhas de espuma surgem no canto da boca.

            Cada pessoa que chega ergue-se na ponta dos pés, não o pode ver. Os moradores da rua conversam de uma porta a outra, as crianças de pijama acodem à janela. O senhor gordo repete que Dario sentou-se na calçada, soprando a fumaça do cachimbo, encostava o guarda-chuva na parede. Mas não se vê guarda-chuva ou cachimbo a seu lado.

            A velhinha de cabeça grisalha grita que ele está morrendo. Um grupo o arrasta para o táxi da esquina. Já no carro a metade do corpo, protesta o motorista: quem pagará a corrida? Concordam chamar a ambulância. Dario conduzido de volta e recostado à parede não tem os sapatos nem o alfinete de pérola na gravata.

            Alguém informa da farmácia na outra rua. Não carregam Dario além da esquina; a farmácia no fim do quarteirão e, além do mais, muito peso. É largado na porta de uma peixaria. Enxame de moscas lhe cobrem o rosto, sem que façam um gesto para espantá-las.

            Ocupado o café próximo pelas pessoas que apreciam o incidente e, agora, comendo e bebendo, gozam as delícias da noite. Dario em sossego e torto no degrau da peixaria, sem o relógio de pulso.

            Um terceiro sugere lhe examinem os papéis, retirados com vários objetos de seus bolsos e alinhados sobre a camisa branca. Ficam sabendo do nome, idade, sinal de nascença. O endereço na carteira é de outra cidade.

            Registra-se correria de uns duzentos curiosos que, a essa hora, ocupam toda a rua e as calçadas: é a polícia. O carro negro investe a multidão. Várias pessoas tropeçam no corpo de Dario, pisoteado dezessete vezes.

            O guarda aproxima-se do cadáver, não pode identificá-lo os bolsos vazios. Resta na mão esquerda a aliança de ouro, que ele próprio quando vivo só destacava molhando no sabonete. A polícia decide chamar o rabecão.

            A última boca repete Ele morreu, ele morreu. A gente começa a se dispersar. Dario levou duas horas para morrer, ninguém acreditava estivesse no fim. Agora, aos que alcançam vê-lo, todo o ar de um defunto.

            Um senhor piedoso dobra o paletó de Dario para lhe apoiar a cabeça. Cruza as mãos no peito. Não consegue fechar olho nem boca, onde a espuma sumiu. Apenas um homem morto e a multidão se espalha, as mesas do café ficam vazias. Na janela alguns moradores com almofadas para descansar os cotovelos.

            Um menino de cor e descalço vem com uma vela, que acende ao lado do cadáver. Parece morto há muitos anos, quase o retrato de um morto desbotado pela chuva.

            Fecham-se uma a uma as janelas. Três horas depois, lá está Dario à espera do rabecão. A cabeça agora na pedra, sem o paletó. E o dedo sem a aliança. O toco de vela apaga-se às primeiras gotas da chuva, que volta a cair.

ATIVIDADES DE LEITURA

1. De que trata o texto de Dalton Trevisan? O que o título do texto sugere?

O texto narra a história de Dario, um homem, um desconhecido, que morre sem socorro na calçada de uma cidade. A indiferença das pessoas à situação de Dario é uma forma de condenar a violência que marca as relações. Poucos transeuntes se comovem com o drama de Dario, como o menino que lhe oferece uma vela, quando ele já está morto.

2. Recupere alguns elementos dessa narrativa:

2.1. Onde ocorrem os fatos narrados?

Numa cidade indefinida, talvez numa cidade grande.

2.2. Quando ocorrem?

Não há indicação precisa de tempo.

2.3. Quem é Dario? Descreva esse personagem.

Dario, o protagonista da narrativa, é um desconhecido, que pode ser um homem mais velho: levava um cachimbo, usava chapéu, paletó.

2.4. Quem são os demais personagens da narrativa?

São todos personagens desconhecidos e anônimos: “o senhor gordo, de branco”; “o rapaz de bigode”; “a velhinha de cabeça grisalha”; “um terceiro”; “um senhor piedoso” etc.

2.5. Como agem esses personagens que assistem ao drama de Dario?

Alguns poucos personagens se solidarizam, tentam ajudar e se comovem. A maioria, no entanto, assiste fria e cruelmente à morte de Dario: há os indiferentes, que olham a cena com curiosidade; outros se aproveitam da situação e furtam objetos de Dario; outros lhe negam socorro, como o motorista do táxi, e ainda há aqueles que o pisoteiam, apressados e indiferentes ao seu drama.

3. Quando tem início o conflito da narrativa?

Logo no início do conto. Podemos dizer que o conto tem início com o elemento complicador. Um homem vem andando pela rua, sente-se mal e cai na calçada. Esse conflito, ou problema, mobiliza todos os fatos da narrativa. A partir dele cria-se a tensão narrativa. Há apenas uma pequena descrição de Dario (“Vinha apressado, guarda-chuva no braço esquerdo”), antes que o leitor mergulhe na trama pela introdução do conflito.

4. Qual é o foco narrativo do conto lido?

O conto é narrado em primeira pessoa. Um narrador observador conta, de forma bastante objetiva, a história de Dario.


BONS ESTUDOS!

Conto "Apelo", de Dalton Trevisan (Exercícios)

 


 (O Conto)

Texto para as questões de 1 a 7. 

 

APELO 

Amanhã faz um mês que a Senhora está longe de casa. Primeiros dias, para dizer a verdade, não senti falta, bom chegar tarde, esquecido na conversa de esquina. Não foi ausência por uma semana: o batom ainda no lenço, o prato na mesa por engano, a imagem de relance no espelho.

 Com os dias, Senhora, o leite primeira vez coalhou. A notícia de sua perda veio aos poucos: a pilha de jornais ali no chão, ninguém os guardou debaixo da escada. Toda a casa era um corredor deserto, e até o canário ficou mudo. Para não dar parte de fraco, ah, Senhora, fui beber com os amigos. Uma hora da noite e eles se iam e eu ficava só, sem o perdão de sua presença a todas as aflições do dia, como a última luz na varanda.

 E comecei a sentir falta das pequenas brigas por causa do tempero na salada − o meu jeito de querer bem. Acaso é saudade, Senhora? Às suas violetas, na janela, não lhes poupei água e elas murcham. Não tenho botão na camisa, calço a meia furada. Que fim levou o saca-rolhas? Nenhum de nós sabe, sem a Senhora, conversar com os outros: bocas raivosas mastigando. Venha para casa, Senhora, por favor.

                                             (Dalton Trevisan) 

 

 1. Apesar do texto “Apelo” ser um conto, ele possui características que o aproximam de outro gênero textual.


1.1 Que gênero é esse:

 

a) uma crônica       

b) uma carta          

c) um poema   d) um artigo de opinião

 

1.2  Qual o efeito produzido pela escolha desse título?


Ao construir seu conto em forma de carta, o autor confere ao texto um caráter mais intimista e realista, pois o personagem dirige-se diretamente à esposa, expondo seus sentimentos.


2. O homem diz não ter sentido a falta da mulher imediatamente. O que mudou isso?

 

Com o passar dos dias, a ausência da esposa foi ficando em evidência, por causa do trabalho acumulado, que antes ela desempenhava, e pelo vazio que permeava a casa.

 3. Observe que o texto de Dalton Trevisan está organizado em três parágrafos. Indique a ideia central de cada parágrafo.


Parágrafo 1: O aparente descaso em relação à ausência da Senhora.

Parágrafo 2: A saudade, que não é verbalizada, mas aparece no reconhecimento das tarefas que se acumulam e que, antes, eram realizadas pela esposa.

Parágrafo 3: A saudade reconhecida de forma indireta e o apelo do homem para que a Senhora volte para casa.


4. Releia o trecho abaixo:


"Nenhum de nós sabe, sem a Senhora, conversar com os outros: bocas raivosas mastigando"


4.1  A quem possivelmente se refere o pronome "nós"?


Provavelmente, o "nós" refere-se aos membros da família formada pelo narrador personagem e a Senhora.


4.2 A partir do trecho destacado, qual o papel da Senhora na relação entre os membros dessa família?


É possível inferir, através desse trecho, que a Senhora exerce a função de estabelecer um elo entre os membros dessa família, que, diante da sua ausência, sequer conseguem estabelecer diálogo durante as refeições.


5. Assinale a opção que contém a frase que justifica o título do texto. 

 

a) “Com os dias, Senhora, o leite primeira vez coalhou.” 

b) “Toda a casa era um corredor deserto...” 

c) “Acaso é saudade, Senhora?” 

d) “Que fim levou o saca-rolhas?” 

e) “Venha para casa, Senhora, por favor.”

 

6. Assinale a opção que justifica a afirmativa “Primeiros dias, para dizer a verdade, não senti falta”.

a) A quebra da rotina traz a sensação de liberdade.

b) A relação amorosa estabelece limites para a liberdade de cada um.

c) A sensação de liberdade faz falta a algumas pessoas. 

d) O estranhamento causado pela ausência do ser amado é acentuado pela rotina.

e) O novo tem um apelo encantatório, que afasta o sentimento da ausência.

 

 

7. carinho do homem pela mulher agora ausente manifestava-se por meio da(s)

 a) falta de botão na camisa. 

 b) bebida partilhada com os amigos. 

 c) conversa demorada na esquina. 

 d) presença aconchegante ao fim da jornada.

 e) discussões sem importância às refeições.

 

 

BONS ESTUDOS!