O carneirinho do presépio
O menino observa as pessoas que saem e
volta-se para o presépio. Examina-o com interesse. Na missa ouviu que o reino
dos céus é das crianças.
Tempestade mental. Se é das crianças o
céu e viver no céu é ser feliz, então a felicidade é das crianças.
Olha o presépio. O boi. O carneirinho. Os
astrônomos que foram chamados reis — os reis magos. A estrela. Tudo bonito.
Tudo. Enamora-se. Bem que queria um desses. O carneirinho. Só o carneirinho. O
Menino Jesus, esse não. Tem que ficar no presépio. Presépio sem Menino Jesus
não é presépio. O carneirinho, esse sim. Há outros no presépio.
Não tivera Natal em casa. Nunca. Não conhece
Papai Noel. “Será que Papai Noel me conhece? Sabe de minha existência?
Na sua frente, o carneirinho cresce,
apequena, atrai. Por que o padre falou que o céu é das crianças?
Não ganhou brinquedo e quer o
carneirinho. Será pecado? O que é pecado? Para que pecado? Se é verdade que
Deus ama a gente, por que ele deixou a cobra dar a maçã para Eva e Eva para
Adão para depois todo mundo ter pecado?
Ele quer o carneirinho. Todos já se
foram. Ninguém vê. O Cristo, crucificado, parece dormir de cansaço e de dor na
cruz, na parede, lá atrás do altar. Parece não se importar com nada ali na
igreja. Coitadinho de Cristo. Sofreu muito. Mas por que, se ele é Deus? Ou ele
é apenas o Filho de Deus? Se é filho não é pai e se Deus é pai não é filho?!
Coitadinho de Cristo! O padre falou
que Cristo sofreu para o perdão dos pecados. Não sei não. Acho que Cristo não
sofreu por mim não. Papai Noel não me conhece. Será que Cristo me conhece?
Esfrega as mãos, nervoso. A decisão. Ergue o
braço, mas o gesto fica suspenso no ar com a chegada do vigário que vem fechar
a igreja. Para disfarçar a intenção, limpa com o dedinho o espelho que forma o
lago nas proximidades da gruta de Belém. Por que presépio em forma de gruta?
Cristo nasceu não foi num ranchinho, na estrebaria, casa de animais?
— O Sinhore vai fechá a igreja? —
Pergunta ao padre que fecha a primeira porta.
— Estou fechando — Responde o padre,
em seu sotaque de estrangeiro, não com aquele carinho com que falou na missa da
meia-noite.
— O presepe tá bunito, né? — insiste
o menino, tentando coragem para pedir o carneirinho.
— Você acha? — o padre fala
indiferente e o menino entende que o vigário não está interessado naquele
diálogo, quase monólogo.
— Acho — termina o menino,
desconcertado, infeliz. Percebe que de nada adiantará insistir. Não vai ganhar
o presente.
Absorto nos sonhos, fica a olhar o
presépio sem nada ver.
“Como eu queria um carneirinho desse!”
E o vigário o acorda para a realidade:
— Vamos embora, dormir?
— Vamo.
Volta-se e ainda dirige um último
olhar para o carneirinho do presépio, um ente querido que talvez jamais voltará
a ver. O padre fecha a última porta e se vai.
O menino,
agora com medo, corre debaixo da madrugada em direção ao aconchego que o espera
debaixo da ponte, onde se juntará aos pais e aos cinco irmãos menores. Dormem.
Não veem a fome, não sentem nenhum desejo. Enquanto dormem, os sentidos nada
reclamam. Ele sonha com o presente de Natal que não ganhou: o carneirinho do
presépio.
José
Faria Nunes
01.
O texto “O carneirinho do presépio” é um conto. O conto pertence ao grupo dos
gêneros narrativos ficcionais. Os textos narrativos apresentam alguns elementos
em comum, como fatos, personagens, tempo, espaço, narrador. No conto lido:
a)
Quais são as personagens envolvidas na história?
O menino e o padre.
b) Onde acontece os fatos narrados?
Na igreja.
c)
No conto, os fatos são narrados em sequência temporal e mantêm entre si relação
de causa e efeito. Por exemplo: O menino decide pegar o carneirinho do
presépio, mas quando ergue o braço para pegá-lo, o padre entra. O menino,
então, disfarça, limpando com o dedo o espelho que forma o lago no presépio. Cite
outros fatos do texto dispostos em sequência temporal e ligados a uma relação
de causa e efeito.
O menino observa as pessoas que saem e
volta-se para o presépio, enamora-se e deseja uma das peças. Escolhe um
carneirinho que não faria falta. / O padre o convida para ir embora e ele
aceita. Volta-se e olha o carneirinho do presépio pela última vez.
d)
Em que época acontecem os fatos narrados? Em que lugar?
No Natal, depois da missa da meia-noite,
numa igreja onde está montado um presépio.
02.
No conto em estudo, os fatos narrados são vividos pelo menino e pelo padre.
a)
Levante hipóteses: Por que essas personagens não têm nome?
O menino representa qualquer garoto pobre
que não recebe presente de Natal, e o padre representa qualquer padre,
indiferente ao sonho de um menino de ganhar um presente de Natal.
b)
As personagens podem ser caracterizadas física e psicologicamente. Como é o
menino? E o padre?
O menino é pequeno, pobre, tem família,
pais e cinco irmãos menores; é morador de rua e dorme com a família debaixo da
ponte. O padre é estrangeiro, pois tem sotaque e é indiferente.
03.
Releia os três primeiros parágrafos do texto e responda: Em que trecho a
narrativa começa a criar expectativa para o leitor?
No momento em que o menino se enamora do
carneirinho e o quer para si.
04.
O menino quer o carneirinho do presépio e pensa sobre o que ouviu na missa.
a)
Por que ele não quer o Menino Jesus?
Porque ele é único e faria falta no
presépio.
b)
Que tipo de discurso o narrador emprega para apresentar o pensamento do menino?
O discurso indireto livre.
c)
Qual é o momento de maior tensão no texto?
O momento em que, decidido, o menino
ergue o braço para pegar o carneirinho e o vigário chega para fechar a igreja.
05.
O conto em estudo narra uma história que pode ser real e vivida por muitas
crianças que desejam algo, mas não o tem. Na sua opinião, o menino do conto
teria cometido um crime se furtasse o carneirinho do presépio? Justifique sua
resposta.
BONS
ESTUDOS!
Fonte: Português linguagens: volume 2 / William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães. --- 7. ed. reform. --- São Paulo: Saraiva, 2010.
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