sexta-feira, 7 de abril de 2017

HETERÔNIMOS DE FERNANDO PESSOA E ELE-MESMO: EXERCÍCIOS COM GABARITO


 1)    Relacione os fragmentos a seguir de acordo com as características dos heterônimos de Fernando Pessoa:

a)

Creio no mundo como num malmequer
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...

O mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...

Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...

b)

Tudo que cessa é morte, e a morte é nossa
Se é para nós que cessa. Aquele arbusto
                Fenece, e vai com ele
                Parte da minha vida.
Em tudo quanto olhei fiquei em parte.
Com tudo quanto vi, se passa, passo,
                Nem distingue a memória
                Do que vi do que fui.

A cada qual, como a statura, é dada
                A justiça: uns faz altos
                O fado, outros felizes.
Nada é prêmio: sucede o que acontece.
                Nada, Lídia, devemos
                Ao fado, senão tê-lo.
    
fado: destino
fenecer: morrer naturalmente

c)


Eia! eia! eia!  
Eia eletricidade, nervos doentes da Matéria!  
Eia telegrafia-sem-fios, simpatia metálica do Inconsciente!  
Eia túneis, eia canais, Panamá, Kiel, Suez!  
Eia todo o passado dentro do presente!  
Eia todo o futuro já dentro de nós! eia!  
Eia! eia! eia!  
Frutos de ferro e útil da árvore-fábrica cosmopolita!  
Eia! eia! eia! eia-hô-ô-ô!  
Nem sei que existo para dentro. Giro, rodeio, engenho-me.  
Engatam-me em todos os comboios.  
Içam-me em todos os cais.  
Giro dentro das hélices de todos os navios.  
Eia! eia-hô! eia!  
Eia! sou o calor mecânico e a eletricidade!                


d)

O essencial é saber ver,
Saber ver sem estar a pensar,
Saber ver quando se vê,
E nem pensar quando se vê
Nem ver quando se pensa.

Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!)
Isso exige um estudo profundo,
Uma aprendizagem de desaprender.


e)

Amemo-nos tranquilamente, pensando que
                                                   [podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
      
      Ouvindo correr o rio e vendo-o.


2   O poema abaixo é a parte IX de “ O guardador de rebanhos”, de Alberto Caeiro.
Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.
Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.
Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto,
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,

Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei a verdade e sou feliz.


 a) O eu lírico do texto se diz um “guardador de rebanhos”. No entanto, ele não arrebanha bois nem ovelhas. O que arrebanha?

b) Destaque um ou mais versos do texto que ilustrem a atitude de substituir o racionalismo pelo sensacionismo cultivada pelo eu lírico.

c) Como se vê no poema lido, a produção de Alberto Caeiro tende à simplicidade de ideias. Observe agora o poema no plano da expressão, isto é, a estrofação, a métrica dos versos, o vocabulário, o ritmo, a sonoridade em geral, etc. Forma e conteúdo estão em harmonia ou não? Justifique.

3) (UEL) A questão refere-se a uma estrofe, transcrita abaixo, do poema de Fernando Pessoa.

MAR PORTUGUÊS

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

Fonte: PESSOA, F. Mensagem. In: Mensagem e outros poemas afins seguidos de Fernando Pessoa e idéia de Portugal. Mem Martins: Europa-América [19-].

Com base no texto e nos conhecimentos sobre o tema, a frase Tudo vale a pena quando a alma não é pequena remete a:
A)Se o objetivo é a grandeza da pátria, não importam os sacrifícios impostos a todos.
B) Quando o resultado leva à paz, os meios justificam a finalidade almejada.
C) Todas as pessoas têm valores próprios, por isso a guerra é defendida pelos governantes.
D) O sacrifício é compensador mesmo que fiquemos insensíveis diante do bem comum.
E) Tudo vale a pena quando temos o que almejamos e isso não implique enfrentamento de perigos.

 Leia o poema Autopsicografia, de Fernando Pessoa e responda às questões 4 e 5.

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração
.

calha: cano de zinco ou de cobre em que se escoam águas pluviais.
comboio: trem; grupo de carros com o mesmo destino.

4) O poema apresenta como tema a criação artística, desenvolvendo-o em três planos ou em três níveis, demarcados pelas estrofes. De que trata cada uma das estrofes?

5) Levando em conta que o poeta é um fingidor, levante hipóteses: Por que ,de acordo com a 1ª estrofe , o poeta “ chega a fingir que é dor / A dor que deveras sente”? 

         


                                                                  GABARITO

1) A) Alberto Caeiro: a poesia da sensação.  Considerado por Fernando Pessoa o seu mestre, assim como o de Ricardo Reis e Álvaro de Campos. 
         
  
    B) Ricardo Reis: o sopro clássico.
    
    C) Álvaro de Campos: a energia futurista.

    D) Alberto Caeiro

2) A) Arrebanha sensações.
   
    B) Entre outros, "E os meus pensamentos são todos sensações", "Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la".

   C) Sim, a forma do poema tende à simplicidade (é quase um poema em prosa), harmonizando-se com a simplicidade das ideias.

3) LETRA  A

4) A 1ª estrofe trata do poeta e da criação literária; a 2ª, do leitor e de sua relação com o texto literário; e a 3ª, do jogo entre razão e emoção, existente no fenômeno literário.


5) Resposta pessoal. Sugestões: 1) No jogo literário, experiência e imaginação se fundem, constituindo uma nova realidade, a do texto. 2) A emoção contida no texto nem sempre corresponde à emoção real; esta pode servir de base para a "emoção fingida", que se torna real no poema.
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