segunda-feira, 5 de junho de 2023

Literatura sobre o Brasil: Questões de vestibular

1. (UFMG) Leia estes trechos:

Trecho 1

    Colombo sabe perfeitamente que as ilhas já têm nome, de uma certa forma, nomes naturais (mas em outra acepção do termo); as palavras dos outros, entretanto, não lhe interessam muito, e ele quer rebatizar os lugares em função do lugar que ocupam em sua descoberta, dar-lhes nomes justos a nomeação, além disso, equivale a tomar posse.

TODOROV, Tzevetan. A conquista da América, São Paulo: Martins Fontes, 1993. p. 27.

Trecho 2

    [...] e a quarta-feira seguinte, pela manhã, topamos aves a que chamam fura-buxos e neste dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra, a saber: primeiramente dum grande monte mui alto e redondo, e de outras serras mais baixas ao sul dele, e de terra chã com grandes arvoredos: ao qual monte alto o Capitão pôs nome o Monte Pascoal, e à terra a Terra da Vera Cruz.

CAMINHA. Pero Vaz de. Carta ao Rei Dom Manuel. Belo Horizonte: Crisálida, 2002. p. 17.

Explicite, comparando os dois trechos, a relação existente entre os atos de nomear e tomar posse.

Nomear algo é dar significação àquilo que, de determinado ponto de vista, não tinha definição e por isso o nomeador se torna "dono" (toma posse) daquilo que "achou". É isso que o texto de Todorov deixa claro: "se eu nomeei algo, logo aquilo me pertence, pois eu achei". O fato é que os colonizadores decidiram nomear uma terra que já estava nomeada pelos nativos, mas que, sob o ponto de vista dos colonizadores, não tinha nome. Como eles a "descobriram", então cabia a eles nomeá-la e tomá-la; sendo uma forma também de introduzir aos habitantes nativos a língua dominante.

2. (UFSC) Textos para a próxima questão.

Texto 1

    A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem mais caso de encobrir ou deixar de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara. Acerca disso são de grande inocência. Ambos traziam o beiço de baixo furado e metido nele um osso verdadeiro, de comprimento de uma mão travessa, e da grossura de um fuso de algodão, agudo na ponta como um furador.

[...]

    Foram-se lá todos; e andaram entre eles. E segundo depois diziam, foram bem uma légua e meia a uma povoação, em que haveria nove ou dez casas, as quais diziam que eram tão compridas, cada uma, como esta nau capitânia. E eram de madeira, e das ilhargas de tábuas, e cobertas de palha, de razoável altura; e todas de um só espaço, sem repartição alguma, tinham de dentro muitos esteios; e de esteio a esteio uma rede atada com cabos em cada esteio, altas, em que dormiam. E de baixo, para se aquentarem, faziam seus fogos. E tinha cada casa duas portas pequenas, uma numa extremidade, e outra na oposta. E diziam que em cada casa se recolhiam trinta ou quarenta pessoas, e que assim os encontraram; e que lhes deram de comer dos alimentos que tinham, a saber muito inhame, e outras sementes que na terra dá, que eles comem.

[...]

    Eles não lavram nem criam. Nem há aqui boi ou vaca, cabra, ovelha ou galinha, ou qualquer outro animal que esteja acostumado ao viver do homem. E não comem senão deste inhame, de que aqui há muito, e dessas sementes e frutos que a terra e as árvores de si deitam.

[...]

    Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro; nem lha vimos. Contudo a terra em si é de muito bons ares frescos e temperados como os de Entre-Douro-e-Minho, porque neste tempo d'agora assim os achávamos como os de lá. Águas são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem!

                                             A CARTA de Pero Vaz de Caminha. Disponível em:                                                           <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ua000283.pdf>.
                              Acesso em: 03 set. 2011.

Texto 2

    Nada mais bucólico que a cidadezinha de Chiloé. O tempo ali parece se arrastar. [...] As construções não ultrapassam três andares. São todas de madeira e ganharam uma suave pátina produzida pelo tempo. Casas com sótãos, janelas com cortinas delicadas, jardineiras floridas, pequenos objetos de decoração e penachos de fumaça saindo pelas chaminés indicam um interior aconchegante. Em toda parte, se sente o perfume da maresia trazida pelos ventos.

    Em Chiloé, os homens são do mar, rostos marcados pelo frio. Vestem-se com agasalhos surrados e usam boinas bascas, típicas dos marinheiros espanhóis. [...]

    A benevolência parece ser a marca registra- da desses homens do mar. Nas comunidades persiste um dos principais legados da cultura chilote: a minga, uma forma de trabalho coletivo e solidário. [...]

    Dia de minga é um dia especial. Participei de um deles, quando um grande número de pessoas se reuniu e, com parelhas de bois, arrastaram e mudaram de lugar nada menos que a casa inteira de um morador. Falei dessa solidariedade com Efraim, velho pescador do vilarejo de Queilén, no momento em que ele pintava o barco do amigo doente. "O mar purifica a arrogância e lava a prepotência", ensinou esse velho lobo do mar.

                          REALI, H.; REALI, S. Igrejas de Chiloé. Planeta, p. 72-77, set. 2007.

Nota: O texto 1 contém trechos da carta, datada de 1º de maio de 1500, que Pero Vaz de Caminha escreveu ao rei D. Manuel, relatando os primeiros contatos com a terra e os habitantes do que viria a ser o Brasil. O texto foi adaptado para a ortografia atual. O texto 2, extraído de uma reportagem de revista, trata de Chiloé, um arquipélago no sul do Chile.

Com base na leitura dos textos 1, 2 e da nota de rodapé, assinale a(s) proposição(ões) correta (s).

01. Ambos os textos buscam mostrar aspectos da geografia, da arquitetura e da população local, em uma linguagem essencialmente objetiva, com adjetivação mínima.

02. Tanto no texto 1 quanto no texto 2, a principal intenção é informar os leitores quanto ao potencial econômico do lugar descrito.

(04.) Apesar da grande distância temporal e geográfica, há pelo menos uma importante semelhança entre as populações descritas nos textos 1 e 2, que é o forte senso de vida em comunidade, representada na habitação coletiva e na minga, respectivamente.

08. No texto 1, os indígenas são retratados de forma depreciativa, como seres destituídos do senso de vergonha e incapazes de se engajar em atividades econômicas que lhes permitiriam um padrão de vida mais elevado, como a agricultura e a criação de animais.

16. Na fala de Efraim, transcrita ao final do texto 2, temos uma prosopopeia: o mar, humanizado, é mostrado como arrogante e prepotente.

Soma: 4 (04)

3. (Mack-SP)

    A partida de Belém, como Vossa Alteza sabe, foi segunda-feira, 9 de março. [...] E domingo, 22 do dito mês, às dez horas, pouco mais ou menos, houvemos vista das ilhas de Cabo Verde, ou melhor, da ilha de S. Nicolau [...]. E assim seguimos nosso caminho por este mar de longo, até que, terça-feira das Oitavas de Páscoa, que foram pilotos diziam, vinte e um dias de abril, estando da dita ilha obra de 660 léguas, segundo os 'topamos alguns sinais de terra, os quais eram muita quantidade de ervas compridas, a que os 'mareantes chamam "botelho [...]. E quarta-feira seguinte, pela manhã, topamos aves a que 
chamam 'fura-buxos. Neste dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra!

    "Primeiramente dum grande monte, mui alto e redondo [...]; ao monte alto o capitão pôs o nome de O Monte Pascoal, e à terra, A Terra de Vera Cruz.

                                                Carta de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal

Assinale a alternativa correta acerca do texto.

a) No contexto em que se inserem, as expressões "topamos alguns sinais de terra" (ref. 1) "e 
houvemos vista de terra" (ref. 2) têm o mesmo sentido: "enxergamos o continente americano".

(b) As nomeações referidas na carta - "O Monte Pascoal" e "A Terra de Vera Cruz" (ref. 3) - refletem valores ideológicos da cultura portuguesa.

c) "Os mareantes" (ref. 4), por influência da cultura indígena, apelidaram as "ervas compridas" (ref. 5) de "botelho" (ref. 6) e as aves de "fura-buxos" (ref. 7).

d) A expressão "dita ilha" (ref. 8) indica que os navegantes portugueses confundiram a Ilha de S.
Nicolau com o Brasil. 

e) Embora se apresente em linguagem objetiva, o trecho da carta revela, devido ao excesso de 
adjetivações (ref. 9, por exemplo), a euforia dos portugueses ao descobrirem o tão sonhado "Eldorado".

4. (UnB-DF)

     Senhor:

    Posto que o Capitão-mor desta vossa frota, assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a nova do achamento desta vossa terra nova, que nesta navegação agora se achou, não deixa rei também de dar minha conta disso a Vossa Alteza, o melhor que eu puder, ainda que - para o bem contar e falar, o saiba fazer pior que todos

    Esta terra, Senhor, me parece que da ponta que mais contra o sul vimos até outra ponta que contra o norte vem, de que nós deste porto houvemos vista, será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas por costa. Tem, ao longo do mar, nalgumas partes, grandes barreiras, delas vermelhas, delas brancas; e a terra por cima toda chã e muito cheia de grandes arvore dos. De ponta a ponta, é tudo praia-palma, muito chã e muito formosa.

    Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande, porque, a estender olhos, não podíamos ver senão terra com arvoredos, que nos parecia muito longa.

    Nela, até agora, não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro; nem lho vimos. Porém a terra em si é de muito bons ares, assim frios e temperados, como os de Entre Doiro e Minho, porque neste tempo de agora os achávamos como os de lá.

    Águas são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem. 

    Porém o melhor fruito, que dela se pode tirar me parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar.

    A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Não fazem o menor caso de encobrir ou de mostrar suas vergonhas; e nisso têm tanta inocência como em mostrar o rosto.

    Parece-me gente de tal inocência que, se homem os entendesse e ele a nós, seriam logo cristãos, porque eles, segundo parece, não têm, nem entendem em nenhuma crença.

    Eles não lavram, nem criam. Não há aqui boi, nem vaca, nem cabra, nem ovelha, nem galinha, nem qualquer outra alimária, que costumada seja ao viver dos homens. Nem comem senão desse inhame, que aqui há muito, e dessa semente e fruitos, que a terra e as árvores de si lançam. E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios que o não somos nós tanto, com quanto trigo e legumes comemos.

    E nesta maneira, Senhor, dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta terra vi. E, se algum pouco me alongei, Ela me perdoe, pois o desejo que tinha de tudo vos dizer, mo fez pôr assim pelo miúdo.

    Beijo as mãos de Vossa Alteza.

    Deste Porto Seguro, da vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500. 


Pero Vaz de Caminha (Jaime Cortesão, A carta de Pero Vaz de Caminha. Rio de Janeiro: Livros de                                                                                                                            Portugal, 1943, p. 199-241.
                                                                                               Coleção Clássicos e Contemporâneos.)

Evidenciando a leitura compreensiva do texto, julgue os itens a seguir.

(V) Diferentemente de outros documentos do século XVI acerca da descoberta do Brasil, hoje esque- cidos, a carta de Pero Vaz de Caminha continua a ser lida devido à sua importância histórica e, também, por conter elementos da função poética da linguagem.

(F) A carta de Pero Vaz de Caminha é considerada pela história brasileira o primeiro documento publicitário oficial do país.

(V) A carta de Caminha é um texto essencialmente descritivo.

(F) Pero Vaz de Caminha foi o único português a enviar notícias da descoberta do Brasil ao rei de Portugal.

(F) Segundo Caminha, os habitantes da Ilha de Vera Cruz eram desavergonhados.

5. (Udesc) O movimento literário que retrata as ma- nifestações literárias produzidas no Brasil à época de seu descobrimento, e durante o século XVI, é conhecido como Quinhentismo ou Literatura de In- formação. Analise as proposições em relação a este período.

I. A produção literária no Brasil, no século XVI, era restrita às literaturas de viagens e jesuíticas de caráter religioso.

II. A obra literária jesuítica, relacionada às ativida- des catequéticas e pedagógicas, raramente as- sume um caráter apenas artístico. O nome mais destacado é o do padre José de Anchieta.

III. O nome Quinhentismo está ligado a um referencial cronológico - as manifestações literárias no Brasil tiveram início em 1500, época da colonização portuguesa - e não a um referencial estético.

IV. As produções literárias neste período prendem- -se à literatura portuguesa, integrando o conjunto das chamadas literaturas de viagens ultramarinas, e aos valores da cultura greco-latina.

V. As produções literárias deste período constituem um painel da vida dos anos iniciais do Brasil 
colônia, retratando os primeiros contatos entre os europeus e a realidade da nova terra.

Assinale a alternativa correta.

a) Somente as afirmativas I, IV e V são verdadeiras.

b) Somente a afirmativa II é verdadeira.

(C) Somente as afirmativas I, II, III e V são verdadeiras.

d) Somente as afirmativas III e IV são verdadeiras.

e) Todas as afirmativas são verdadeiras.

6. (UCS-RS) Com base na Carta do Achamento, de Pero Vaz de Caminha, considere as seguintes afirmações.

I. Na Carta, o escrivão Caminha descreve o descobrimento de uma nova terra, chamando a atenção para a beleza natural, a fertilidade, a cordialidade dos índios e as riquezas.

II. No texto, é possível perceber um dos objetivos da expansão marítima de Portugal: catequização dos gentios para a ampliação do mundo cristão.

III. A Carta, um dos relatos que fazem parte da literatura informativa sobre o Brasil, é considerada mais um documento histórico do que uma obra literária.

Das afirmativas acima, pode-se dizer que:

 a) apenas 1 está correta.

b) apenas III está correta.

c) apenas I e II estão corretas.

d) apenas II e III estão corretas.

(e) 1, II e III estão corretas.



7. (Ufla-MG) Sobre a produção da literatura de informação, é correto afirmar que:

a) a prática do canibalismo e a poligamia dos indígenas foram vistas com naturalidade pelos portu- gueses, por considerá-los avessos a qualquer comportamento de civilidade.

b) a "certidão de nascimento" do Brasil - carta escrita por Pero Vaz de Caminha-não é considerada um documento fidedigno, em razão da forte influência religiosa.

c) os escritos dos cronistas e viajantes tinham caráter marcadamente descritivo, já que se empenhavam em fazer levantamentos da fauna, flora, rios, gentes do mundo tropical.

d) os primeiros relatos revestiam-se de um caráter intimista, amistoso. O nativo é descrito como um ser humano de grande valor e as diversidades culturais são sempre respeitadas e admiradas.

8. (UPE)

    "Ali ficamos um pedaço, bebendo e folgando, ao longo dela, entre esse arvoredo, que é tanto, tamanho, tão basto e de tantas prumagens, que homens as não podem contar. Há entre ele muitas palmas, de que colhemos muitos e bons palmitos."

    "Parece-me gente de tal inocência que, se homem os entendesse e eles a nós, seriam logo cristãos, porque eles, segundo parece, não têm, nem entendem nenhuma crença. E, portanto, se os degredados, que aqui hão de ficar aprenderem bem a sua fala e os entenderem, não duvido que eles, segundo a santa intenção de Vossa Alteza, se hão de fazer cristãos e crer em nossa santa fé, à qual praza a Nosso Senhor que os traga, porque, certo, esta gente é boa e de boa simplicidade. E imprimir-se-á ligeiramente neles qualquer cunho, que lhes quiserem dar. E pois Nosso Senhor, que lhes deu bons corpos e bons rostos, como a bons homens, por aqui nos trouxe, creio que não foi sem causa."

    "Eles não lavram, nem criam. Não há aqui boi, nem vaca, nem cabra, nem ovelha, nem galinha, nem qualquer outra alimária, que costumada seja ao viver dos homens. Nem comem senão desse inhame, que aqui há muito, e dessa semente e frutos, que a terra e as árvores de si lançam. E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios, que o não somos nós tanto, com quanto trigo e legumes comemos."

Partindo da leitura das três citações da Carta de Pero Vaz de Caminha, analise os itens a seguir:

I. Trata-se de um documento histórico que exalta a terra descoberta mediante o uso de expressões valorativas dos hábitos e costumes de seus ha- bitantes, o que, de um lado, revela a surpresa dos portugueses recém-chegados, de outro, tem a intenção de instigar o rei a dar início à colonização.

II. Ao afirmar que os habitantes da nova terra não têm nenhuma crença, Caminha faz uma avaliação que denota seu desconhecimento sobre a cultura daqueles que habitam a terra descoberta, pois todos os grupos sociais, primitivos ou não, têm suas crenças e mitos.

III. Caminha usa a conversão dos gentios como argumento para atrair a atenção do Rei Dom Manuel sobre a terra descoberta, colocando, mais uma vez, a expansão da fé cristã como bandeira dos conquistadores portugueses.

IV. Ao afirmar que os habitantes da terra lavram nem criam, alimentam-se do que a natureza lhes oferece, Caminha tece uma crítica à inaptidão e inércia daqueles que vivem mal, utilizando, por desconhecimento, as riquezas naturais da região.

V. As citações revelam que a Carta do Achamento do Brasil tem por objetivo descrever a nova terra de modo a atrair os que estão distantes pela riqueza e beleza de que é possuidora.

Estão corretos, apenas:

a) I, II e IV.                                 

b) I, II, III e V.   

c) I , II e III .                        

d) II e IV.

e) I e II.

9. (UPE)

Auto de São Lourenço

(Primeiro Ato)

(Cena do martírio de São Lourenço)

Bom Jesus, quando te vejo 
Na cruz, por mim flagelado, 
Eu por ti vivo e queimado 
Mil vezes morrer desejo 
Pois teu sangue redentor 
Lavou minha culpa humana, 
Arda eu, pois, nesta chama
Com fogo do teu amor. 
O fogo do forte amor,
Ah, meu Deus!, com que me amas
Mais me consome que as chamas 
E brasas, com seu calor.
Pois teu amor, pelo meu,
Tais prodígios consumou,
Que eu, nas brasas onde estou,
Morro de amor pelo teu.

ANCHIETA, José. O auto de São Lourenço. Trad. Walmyr Ayala Rio de Janeiro: Ediouro, s.d. p. 110

Considerando a leitura do Primeiro Ato do Auto de São Lourenço, escrito por José de Anchieta, analise as afirmativas a seguir:

I. São Lourenço tem convicção de que seu sacrifício vale a pena, por ser esse um forte compromisso religioso, portanto uma prova viva e contundente de amor a Deus, o que se confirma no verso "Mil vezes morrer desejo".

II. O eu lírico demonstra não ter consciência da importância do "Bom Jesus" para a sua vida e para a vida de seu povo. Isso fica claro nos versos "Eu por ti vivo e queimado/ Mil vezes morrer desejo".

III. O Auto de São Lourenço foi escrito por Anchieta, visando à difusão dos preceitos da religião 
católica, tendo em vista que uma das principais missões dos jesuítas no Brasil era a catequese dos povos indígenas brasileiros.

IV. São Lourenço, quando de seu sacrifício a Deus, demonstra um profundo sentimento de alegria, objetivando, com isso, impressionar os povos indígenas brasileiros e ensiná-los como temer as ordens divinas.

V. Há elementos representativos da linguagem conotativa e, embora esse auto de Anchieta, de função claramente religiosa, não tenha um esquema de rimas tradicionais como o soneto, observa-se que nele há um ritmo cadenciado nos versos.

Está correto o que se afirma em:

a) I, II e III.

(b) I, III e V.

c) II, III e IV.

d) II, III e V.

e) III, IV e V.


sábado, 15 de abril de 2023

QUESTÕES DE VESTIBULAR: Camões e o Classicismo em Portugal




1. (UEPA) A questão estética, na passagem de um estilo para o outro, pode conter certo tipo de violência simbólica. A estética em vigor costuma não admitir a utilização das formas da anterior. Porém o Classicismo Português em Camões consegue a superação desse procedimento ao utilizar a medida velha em seus poemas. Diante do exposto, examine as alternativas e marque aquela que demonstre tal afirmação.

a)

Agora Tu, Calíope, me ensina 
O que contou ao Rei o Ilustre da Gama; Inspira imortal, canto e voz divina

b)

Fita de cor de encarnado,
Tão linda que o mundo espanta. 
Chove nela graça tanta,

c)

Pois Meus olhos não cansam de chorar 
Tristezas, que não cansam de cansar-me 
Pois não abranda o fogo em que abrasar-me

d)

Três fermosos outeiros se mostravam, 
Erguidos com soberba graciosa, 
Que de gramíneo esmalte lhe adornavam,

e)

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades  
Muda-se o ser, muda a confiança; 
Todo mundo é composto de mudança.


1. É a única alternativa que apresenta versos de sete sílabas poéticas (medida velha). Nos demais, os versos são decassílabos.


2. (Fuvest-SP)

Tu, só tu, puro amor, com força crua,
Que os corações humanos tanto obriga, Deste causa à molesta morte sua, 
Como se fora pérfida inimiga.
Se dizem, fero Amor, que a sede tua 
Nem com lágrimas tristes se mitiga,
É porque queres, áspero e tirano,
Tuas aras banhar em sangue humano.

(Camões, Os Lusíadas - episódio de Inês de Castro)

Molesta: lastimosa; funesta.

Pérfida: desleal; traidora.

Fero: feroz; sanguinário; cruel.

Mitiga: alivia; suaviza; aplaca.

Ara: altar; mesa para sacrifícios religiosos.

a) Considerando-se a forte presença da cultura da Antiguidade Clássica em Os Lusíadas, a que se pode referir o vocábulo "Amor", grafado com maiúscula, no 5º verso?

O Amor, grafado com maiúscula, é uma referência a Eros, o deus do amor grego (Cupido para os romanos). Era de interesse da cultura renascentista recuperar os valores artísticos da cultura greco-romana, por isso são constantes essas referências.

b) Explique o verso Tuas aras banhar em sangue humano, relacionando-o à história de Inês de Castro.

O verso alude ao deus do amor, que dispara flechas nos corações humanos para fazer as pessoas se apaixonarem. Em seus altares, Eros exigiria sangue humano dos amantes, sacrificados em sua homenagem. Inês de Castro morreu em decorrência do amor que o príncipe Pedro tinha por ela. 

3. (Fuvest-SP)

Oh! Maldito o primeiro que, no mundo, 
Nas ondas vela pôs em seco lenho!
Digno da eterna pena do Profundo, 
Se é justa a justa Lei que sigo e tenho! 
Nunca juízo algum,  alto e profundo, 
Nem cítara sonora ou vivo engenho, 
Te dê por isso fama nem memória, 
Mas contigo se acabe o nome e a glória.

                       (Camões, Os Lusíadas)

a) Considerando este trecho da fala do velho do Restelo no contexto da obra a que pertence, explique os dois primeiros versos, esclarecendo o motivo da maldição que, neles, é lançada.

O velho amaldiçoa aqueles que inventaram as embarcações para explorar o mar porque isso faz que os homens arrisquem as vidas em busca de riquezas. Isso pode ser verificado nos versos Maldito o primeiro que [...] nas ondas vela pôs em seco lenho, ou seja, maldito aquele que inventou a embarcação. 

b) Nos quatro últimos versos, está implicada uma determinada concepção da função da arte. Identifique essa concepção, explicando-a brevemente.

A função da arte expressa nesses versos é a perpetuação da memória dos grandes feitos humanos. Neste caso, o velho deseja que os nomes dos marinheiros nunca sejam lembrados pela arte; sua crítica se estende, portanto, aos feitos desses homens que navegaram pelo mar em nome da exploração de novas terras.

4. (UFJF-MG) Com os versos Cantando espalharei por toda a parte,/Se a tanto me ajudar o engenho e a arte., Camões explica que o propósito de Os Lusíadas é divulgar os feitos portugueses. Sobre esse poema épico, só é incorreto afirmar que:

a) se trata da maior obra literária do quinhentismo português.

b) Camões sofre a clara influência dos clássicos greco-latinos.

c) há forte presença do romantismo, devido ao nacionalismo.

d) como epopeia moderna, há momentos de crítica à nação e ao povo.

e) louva não apenas o homem português, mas o homem renascentista.

4. O movimento literário romântico surgirá três séculos depois. Além disso, o Romantismo valoriza o sentimento e os argumentos emocionais, ao contrário da estética classicista, que valoriza o racionalismo. Ambos dão vazão a um orgulho nacionalista, mas respeitando esses princípios estéticos.

5. (PUC-SP) Dos episódios "Inês de Castro" e "O Velho do Restelo", da obra Os Lusíadas, de Luiz de Camões, não é possível afirmar que:

 a) "O Velho do Restelo", numa antevisão profética, previu os desastres futuros que se abateriam sobre a Pátria e que arrastariam a nação portuguesa a um destino de enfraquecimento e marasmo.

b) "Inês de Castro" caracteriza, dentro da epopeia camoniana, o gênero lírico porque é um episódio que narra os amores impossíveis entre Inês e seu amado Pedro.

c) Restelo era o nome da praia em frente ao templo de Belém, de onde partiam as naus portuguesas nas aventuras marítimas. 

d) tanto "Inês de Castro" quanto "O Velho do Restelo" são episódios que ilustram poeticamente diferentes circunstâncias da vida portuguesa.

e) o Velho, um dos muitos espectadores na praia, engrandecia com sua fala as façanhas dos navegadores, a nobreza guerreira e a máquina mercantil lusitana.

5. Ao contrário do que se afirma em e, o velho amaldiçoa (e não engrandece) os navegadores e todos aqueles que se aventuram pelo mar em busca de fama e de riquezas. 

6. (UFSCar-SP) A questão baseia-se no poema épico Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões, do qual se reproduzem, a seguir, três estrofes.

Mas um velho, de aspeito venerando,
                                          [(= aspecto)
Que ficava nas praias, entre a gente, 
Postos em nós os olhos, meneando 
Três vezes a cabeça, descontente, 
A voz pesada um pouco alevantando, 
Que nós no mar ouvimos claramente, 
C'um saber só de experiências feito,
Tais palavras tirou do experto peito:

"Ó glória de mandar, ó vã cobiça 
Desta vaidade a quem chamamos Fama! 
Ó fraudulento gosto, que se atiça 
C'uma aura popular, que honra se chama! 
Que castigo tamanho e que justiça 
Fazes no peito vão que muito te ama! 
Que mortes, que perigos, que tormentas, 
Que crueldades neles experimentas!

Dura inquietação d'alma e da vida
Fonte de desamparos e adultérios,
Sagaz consumidora conhecida 
Chamam-te ilustre, chamam-te subida,
De fazendas, de reinos e de impérios!
Sendo digna de infames vitupérios; 
Chamam-te Fama e Glória soberana,
Nomes com quem se o povo néscio engana.


Os versos de Camões foram retirados da passagem conhecida como "O Velho do Restelo". Nela, o velho: 
a) abençoa os marinheiros portugueses que vão atravessar os mares à procura de uma vida melhor.
b) critica as navegações portuguesas por considerar que elas se baseiam na cobiça e busca de fama.
c) emociona-se com a saída dos portugueses que vão atravessar os mares até chegar às Índias.
d) destrata os marinheiros por não o terem convidado a participar de tão importante empresa.
e) adverte os marinheiros portugueses dos perigos que eles podem encontrar para buscar fama em outras terras.

7. (Fuvest-SP) Responda às seguintes questões sobre Os Lusíadas, de Camões:

a) Identifique o narrador do episódio no qual está inserida a fala do Velho do Restelo.

Vasco da Gama é o narrador do episódio. Trata-se do Canto IV, no qual os navegantes estão na praia do Restelo, prestes a partir. Em meio à multidão que os observa, o velho faz seu discurso.

b) Compare, resumidamente, os principais valores que esse narrador representa, no conjunto de Os Lusíadas, aos valores defendidos pelo Velho do Restelo, em sua fala.

O navegador representa a ânsia pela conquista de outras terras, o avanço econômico e a modernidade. Já o velho representa a tradição retrógrada, que se prende ao passado e não admite experiências modernizadoras.

8. (Fuvest-SP) Considere as seguintes afirmações sobre a fala do Velho do Restelo, em Os Lusíadas:

I. No seu teor de crítica às navegações e conquistas, encontra-se refletida e sintetizada a experiência das perdas que causaram, experiência esta já acumulada na época em que o poema foi escrito.

II. As críticas aí dirigidas às grandes navegações e às conquistas são relativizadas pelo pouco crédito atribuído a seu emissor, já velho e com um "saber só de experiências feito".

III. A condenação enfática que aí se faz à empresa das navegações e conquistas revela que Camões teve duas atitudes em relação a ela: tanto criticou o feito quanto o exaltou.

Está correto apenas o que afirma em:

a) I.

b) II.

c) III.

d) I e II.

e) I e III. 

8. A afirmativa II está incorreta porque as críticas às navegações não são relativizadas pelas características do emissor. Naquela época, navegar era tão perigoso quanto viajar pelo espaço e muitas vidas foram perdidas, por isso a necessidade de fazer ouvir essa voz que diz "não ao progresso" e que aparece para reafirmar ainda mais a coragem dos que se aventuram pelo mar.

9. (UFJF-MG) Leia o fragmento a seguir e responda ao que se pede.

Amores da alta esposa de Peleu 
Me fizeram tomar tamanha empresa. 
Todas as deusas desprezei do céu, 
Só por amar das águas a princesa. 
Um dia a vi co'as filhas de Nereu, 
Sair nua na praia: e logo presa 
A vontade senti de tal maneira 
Que inda não sinto cousa que mais queira. 
Como fosse impossíbil alcançá-la
Pela grandeza feia de meu gesto, 
Determinei por armas de tomá-la 
E a Dóris este caso manifesto.
De medo a deusa então por mi lhe fala; 
Mas ela, c'um fermoso riso honesto, 
Respondeu: "Qual será o amor bastante 
De ninfa, que sustente o dum gigante?"

               Camões - Os Lusíadas

Nas estrofes anteriores, extraídas do episódio do Adamastor, observamos o amor entre o Gigante e Tétis, a "Princesa das Águas". A partir disso, responda:

a) Como se manifesta, no texto, o amor do gigante, e como Tétis reage a esse amor?

O amor do gigante é um desejo carnal (A vontade senti de tal maneira/ Que inda não sinto cousa que mais queira), que, por não ser correspondido por Tétis, faz que ele se sinta no direito de tomá-la à força. Tétis, por sua vez, reage questionando sua própria capacidade de corresponder a esse amor (Qual será o amor bastante / De ninfa, que sustente o dum gigante?).

b) Quem é, no poema de Camões, o gigante Adamastor?

O gigante Adamastor é o Cabo das Tormentas (atual Cabo da Boa Esperança), que fica ao sul da África, entre os oceanos Atlântico e Indico.

10. (Vunesp) A questão seguinte toma por base a oitava estrofe do "Canto VI" de Os Lusíadas, de Luís de Camões (1524?-1580).

                 Os Lusíadas, VI, 8

No mais interno fundo das profundas 
Cavernas altas, onde o mar se esconde, 
Lá donde as ondas saem furibundas, 
Quando às iras do vento o mar responde, 
Netuno mora e moram as jucundas 
Nereidas e outros Deuses do mar, onde 
As águas campo deixam às cidades
Que habitam estas úmidas Deidades.

(In: CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. Lisboa: Imprensa Nacional, 1971. p. 195.)

O poema épico de Camões, entre outros ingredientes da epopeia clássica, apresenta o chamado maravilhoso, que consiste na intervenção de seres sobrenaturais nas ações narradas. Quando tais seres pertencem ao universo da Mitologia Clássica, diz-se maravilhoso pagão; quando pertencem ao universo do Cristianismo, diz-se maravilhoso cristão. Com base nesta informação:

a) identifique o tipo de maravilhoso presente na oitava de Os Lusíadas;

O maravilhoso consiste na referência aos deuses gregos que habitam o interior dos oceanos.

b) comprove sua resposta com exemplos da própria estrofe.

Netuno mora e moram as jucundas

Nereidas e outros Deuses do mar, onde

As águas campo deixam às cidades

Que habitam estas úmidas Deidades.

11. (Unicamp-SP) Leia o seguinte soneto de Camões:

Oh! Como se me alonga, de ano em ano,
a peregrinação cansada minha. 
Como se encurta, e como ao fim caminha 
este meu breve e vão discurso humano.

Vai-se gastando a idade e cresce o dano; 
perde-se-me um remédio, que inda tinha. 
Se por experiência se adivinha,
qualquer grande esperança é grande engano.

Corro após este bem que não se alcança; 
no meio do caminho me falece, 
mil vezes caio, e perco a confiança.

Quando ele foge, eu tardo; e, na tardança, 
se os olhos ergo a ver se inda parece, 
da vista se me perde e da esperança.

a) Na primeira estrofe, há uma contraposição expressa pelos verbos "alongar" e "encurtar". A qual deles está associado o cansaço da vida e qual deles se associa à proximidade da morte?

Alongar está ligado ao cansaço da vida, que a cada ano é maior, e encurtar está ligado à proximidade da morte, que, diante dos anos, vai chegando para o eu lírico.

b) Por que se pode afirmar que existe também uma contraposição no interior do primeiro verso da segunda estrofe?

A contraposição é entre os verbos gastar e crescer, antagônicos no contexto considerado.

c) A que termo se refere o pronome "ele" da última estrofe?

Refere-se ao bem do primeiro verso da terceira estrofe.

12. (UFSCar-SP)

Os bons vi sempre passar
No mundo graves tormentos;
E pera mais me espantar 
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos. 
Cuidando alcançar assim 
O bem tão mal ordenado, 
Fui mau, mas fui castigado, 
Assim que só pera mim
Anda o mundo concertado. 

(Luís de Camões: Ao desconcerto do Mundo. In: Rimas. Obra Completa. Rio de Janeiro: Aguilar Editora, 1963, p. 475-6.)

Este curto poema de Camões compõe-se de partes correspondentes ao destaque dado às personagens (o eu poemático e os outros). Quanto ao significado, o poema baseia-se em antíteses desdobradas, de tal maneira trançadas que parecem refletir o "desconcerto do mundo". Posto isso:

a) identifique a antítese básica do poema e mostre os seus desdobramentos.

A antítese apresentada no poema é a das "pessoas boas que sempre passam por dificuldades" versus "as pessoas más que sempre têm sucesso no que fazem". O eu lírico, observando essa contradição, tentou ser mau, mas no caso dele a antítese não se confirmou e ele foi castigado por isso.

b) Explique a composição do texto com base nas rimas.

O esquema de rimas é ABAAB CDDCD, ou seja, dez versos, com quatro diferentes sons finais, e rimas alternadas e paralelas.


Textos para as duas próximas questões:

Texto I

Amor é fogo que arde sem se ver; 
É ferida que dói e não se sente; 
É um contentamento descontente; 
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente; 
É cuidar que se ganha em se perder.

                                         Camões

Texto II

Amor é fogo? Ou é cadente lágrima? 
Pois eu naufrago em mar de labaredas 
Que lambem o sangue e a flor da pele acendem 
Quando o rubor me vem à tona d'água.

E como arde, ai, como arde, Amor, 
Quando a ferida dói porque se sente, 
E o mover dos meus olhos sob a casca 
Vê muito bem o que devia não ver.

                                 Ilka Brunhilde Laurito


13. (Mack-SP) Assinale a alternativa correta sobre o texto I.

a) Expressa as vivências amorosas do "eu" lírico em linguagem emotivo-confessional. 
b) Apresenta índices de linguagem poética marcada pelo racionalismo do século XVI.
c) Conceitua o amor de forma unilateral, revelando o intenso sofrimento do coração apaixonado.
d) Notam-se, em todos os versos, imagens poéticas contraditórias, criadas a partir de substantivos concretos.
e) Conceitua positivamente o amor correspondido e, negativamente, o amor não correspondido.

14. (Mack-SP) Assinale a alternativa correta.

a) O texto I, com sua regularidade formal, recupera do texto II o rígido padrão da estética clássica.

b) Os dois textos, ao negarem uma concepção carnal do amor, enaltecem o platonismo amoroso.

c) O texto I e o texto II são convergentes no que se refere à concepção do sentimento amoroso.

d) O texto II contesta o texto I no que se refere ao ponto de vista sobre o amor.

e) Os dois textos convergem quanto à forma e à linguagem, mas divergem quanto ao conteúdo.

15. (Insper-SP)

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, 
muda-se o ser, muda-se a confiança; 
todo o mundo é composto de mudança, 
tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades, 
diferentes em tudo da esperança; 
do mal ficam as mágoas na lembrança, 
e do bem (se algum houve), as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto, 
que já coberto foi de neve fria, e, enfim, 
converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar-se cada dia, 
outra mudança faz de mor espanto, 
que não se muda já como soía*.

                                                   Luís Vaz de Camões

*Soía: Imperfeito do indicativo do verbo soer, que significa costumar, ser de costume.

Assinale a alternativa em que se analisa corretamente o sentido dos versos de Camões.

a) O foco temático do soneto está relacionado à instabilidade do ser humano, eternamente insatisfeito com as suas condições de vida e com a inevitabilidade da morte.

b) Pode-se inferir, a partir da leitura dos dois tercetos, que, com o passar do tempo, a recusa da instabilidade se torna maior, graças à sabedoria e à experiência adquiridas.

c) Ao tratar de mudanças e da passagem do tempo, o soneto expressa a ideia de circularidade, já que ele se baseia no postulado da imutabilidade.

d) Na segunda estrofe, o eu lírico vê com pessimismo as mudanças que se operam no mundo, porque constata que elas são geradoras de um mal cuja dor não pode ser superada.

e) As duas últimas estrofes autorizam concluir ideia de que nada é permanente não passa de uma ilusão. 

     

                                                 BONS ESTUDOS!

quarta-feira, 12 de abril de 2023

Pré-Modernismo: Questões objetivas com gabarito

 

Texto I

    Então, a travessia das veredas sertanejas é mais exaustiva que a de uma estepe nua.

    Nesta, ao menos, o viajante tem o desafogo de um horizonte largo e a perspectiva das planuras francas.

    Ao passo que a caatinga o afoga; abrevia-lhe o olhar; agride-o e estonteia-o; enlaça-o na trama espinescente e não o atrai; repulsa-o com as folhas urticantes, com o espinho, com os gravetos estalados em lanças, e desdobra-se-lhe na frente léguas e léguas, imutável no aspecto desolado: árvore sem folhas, de galhos estorcidos e secos, revoltos, entrecruzados, apontando rijamente no espaço ou estirando-se flexuosos pelo solo, lembrando um bracejar imenso, de tortura, da flora agonizante...

(Euclides da Cunha. Os sertões. São Paulo: Círculo do Livro, 1975. p. 38.)

1.       De acordo com o texto, como se caracteriza  o lugar onde vive o sertanejo?

A)      A natureza harmoniosa em relação ao homem sertanejo.

B)      A natureza mostra-se rude e pouco receptiva ao homem.

C)      A caatinga apresenta as condições geográficas adequadas para o sertanejo.

D)      A travessia das veredas sertanejas acolhe o sertanejo.

E)      Nenhuma das opções acima.

 Texto II

    O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral.

    A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista, revela o contrário. Falta-lhe a plástica impecável, o desempenho, a estrutura corretíssima das organizações atléticas.

    É desgracioso, desengonçado, torto. Hércules-Quasímodo, reflete no aspecto a fealdade típica dos fracos. O andar sem firmeza, sem aprumo, quase gigante e sinuoso, aparenta a translação de membros desarticulados.

[...]

    Reflete a preguiça invencível, a atonia muscular perene, em tudo: na palavra remorada, no gesto contrafeito, no andar desaprumado, na cadência langorosa das modinhas, na tendência constante à imobilidade e à quietude.

    Entretanto, toda esta aparência de cansaço ilude.

    Nada é mais surpreendedor do que vê-la desaparecer de improviso. Naquela organização combalida operam-se, em segundos, transmutações completas. Basta o aparecimento de qualquer incidente exigindo-lhe o desencadear das energias adormidas. O homem transfigura-se. Empertiga-se, estadeando novos relevos, novas linhas na estatura e no gesto; e a cabeça firma-se-lhe, alta, sobre os ombros possantes, aclarado pelo olhar desassombrado e forte; [...] e da figura vulgar do tabaréu canhestro, reponta, inesperadamente, o aspecto dominador de um tită acobreado e potente, num desdobramento surpreendente de força e agilidade extraordinárias.

(Idem, p. 92-93.)

2.       No texto II,  contraponto o sertanejo ao homem do litoral,  o narrador descreve os aspectos contraditórios da constituição física e do comportamento do sertanejo. Marque a opção que apresenta corretamente essa contradição:

A)      Por um lado,  o sertanejo mostra-se fraco, feio, desengonçado,  preguiçoso,  cansado; por outro,  mostra-se forte,  impulsivo e valente.

B)      O homem do litoral parece ser fraco e indolente, mas surpreende pela vontade e pela força.

C)      O sertanejo parece ser bem mais forte que o homem do litoral,  porém surpreende pelo fracasso diante das dificuldades.

D)      Hércules-Quasímodo foi um termo usado para demonstrar o lado forte do sertanejo, ao passo que, titã,  mostra o lado forte do homem do litoral.

E)      Nenhuma das opções acima.

Texto III

    (...)

    Desde dezoito anos que o tal patriotismo lhe absorvia e por ele fizera a tolice de estudar inutilidades. Que lhe importavam os rios? Eram grandes? Pois que fossem... Em que lhe contribuiria para a felicidade saber o nome dos heróis do Brasil? Em nada... O importante é que ele tivesse sido feliz. Foi? Não. Lembrou- se das suas cousas de tupi, do folclore, das suas tentativas agrícolas... Restava disso tudo em sua alma uma satisfação? Nenhuma! Nenhuma!

    O tupi encontrou a incredulidade geral, o riso, a mofa, o escárnio; e levou-o à loucura. Uma decepção. E a agricultura? Nada. As terras não eram ferazes e ela não era fácil como diziam os livros. Outra decepção. E, quando o seu patriotismo se fizera combatente, o que achara? Decepções. Onde estava a doçura de nossa gente? Pois ele não a viu combater como feras? Pois não a via matar prisioneiros, inúmeros? Outra decepção. A sua vida era uma decepção, uma série, melhor, um encadeamento de decepções.

(São Paulo: Saraiva, 2007. p. 201.)

3.       O trecho acima refere-se à obra...... do autor pré-modernista......

A)      Urupês, de Monteiro Lobato

B)      Triste fim de Policarpo Quaresma,  de Euclides da Cunha

C)      Os Sertões,  de Euclides da Cunha

D)      Triste fim de Policarpo Quaresma,  de Lima Barreto

E)      Eu, de Augusto dos Anjos

 

Texto I V

    Jeca Tatu é um piraquara do Paraíba, maravilhoso epitome de carne onde se resumem todas as características da espécie.

    Pobre Jeca Tatu! Como és bonito no romance e feio na realidade! Jeca mercador, Jeca lavrador, Jeca filósofo...

    Quando comparece às feiras, todo mundo logo adivinha o que ele traz: sempre coisas que a natureza derrama pelo mato e ao homem só custa o gesto de espichar a mão e colher - cocos de tucum ou jissara, guabirobas, bacuparis, maracujás, jataís, pinhões, orquídeas; [...]

    Seu grande cuidado é espremer todas as consequências da lei do menor esforço e nisto vai longe. Começa na morada. Sua casa de sapé e lama faz sorrir aos bichos que moram em toca e gargalhar ao joão-de-barro. Pura biboca de bosquímano. Mobília, nenhuma. A cama é uma espipada esteira de peri posta sobre o chão batido.

[...]

    Nenhum talher. Não é a munheca um talher completo colher, garfo e faca a um tempo? No mais, umas cuias, gamelinhas, um pote esbeiçado, a pichorra e a panela de feijão.

    Nada de armários ou baús. A roupa, guarda-a no corpo. Só tem dois parelhos; um que traz no uso e outro na lavagem. [...]

    Seus remotos avós não gozaram maiores comodidades. Seus netos não meterão quarta perna ao banco. Para quê? Vive-se bem sem isso.

    Um terreirinho descalvado rodeia a casa. O mato o beira. Nem árvores frutíferas, nem horta, nem flores - nada revelador de permanência.

    Há mil razões para isso; porque não é sua a terra; porque se o "tocarem" não ficará nada que a outrem aproveite; porque para frutas há o mato; porque a "criação" come; porque...

     - "Mas criatura, com um vedozinho por ali... A madeira está à mão, o cipó é tanto..." Jeca, interpelado, olha para o morro coberto de moirões, olha para o terreiro nu, coça a cabeça e cuspilha.

    - "Não paga a pena."

    Todo o inconsciente filosofar do caboclo grulha nessa palavra atravessada de fatalismo e modorra. Nada paga a pena. Nem culturas, nem comodidades. De qualquer jeito se vive.

(22. ed. São Paulo: Brasiliense, 1978. p. 147-50.)

4. O texto IV é o fragmento da crônica........ de ......... . O autor traça o perfil do caipira,  o Jeca Tatu, que ele imortalizou em nossa literatura. 

A) Urupês,  de Augusto dos Anjos

B) Os Sertões,  de Euclides da Cunha

C) Eu, de Augusto dos Anjos

D) Triste fim de Policarpo Quaresma,  de Lima Barreto

E) Urupês,  de Monteiro Lobato

5. O texto IV descreve Jeca Tatu em três papéis: o de mercador, o de lavrador e o de filósofo.  Como se sai Jeca nesses papéis?

A) Sai-se mal, pois não planta,  só vende o que a natureza oferece e pensa que “nada paga a pena”, pois a terra não é sua.

B) Sai-se bem,  pois consome e vende somente o que a natureza oferece e, além disso,  não precisa promover melhorias em sua casa.

C) Sai-se bem,  pois Jeca assume todas as características do herói romântico sem precisar fazer grande esforço.

D) Sai-se mal, pois diante de seu grande esforço em conquistar uma vida mais digna para si e sua família,  Jeca Tatu sente-se injustiçado pelo fato de a terra não ser sua.

E) Nenhuma das opções acima.

Texto V

Psicologia de um vencido

Eu, filho do carbono e do amoníaco,

Monstro de escuridão e rutilância,

Sofro, desde a epigênesis da infância,

A influência má dos signos do zodíaco.

 

Profundissimamente hipocondríaco,

Este ambiente me causa repugnância...

Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia

Que se escapa da boca de um cardíaco.

 

Já o verme este operário das ruínas

Que o sangue podre das carnificinas

Come, e à vida em geral declara guerra,

 

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,

E há-de deixar-me apenas os cabelos,

Na frialdade inorgânica da terra!

(Augusto dos Anjos. Eu e outros poemas, cit., p. 60.)

 

6. Marque a opção ERRADA quanto ao poema (Texto V).

A) A linguagem do poema surpreende e modifica uma tradição poética brasileira.

B) O texto apresenta vocábulos empregados poeticamente por Augusto dos Anjos e tradicionalmente considerados antipoéticos.

C) Os vocábulos antipoéticos  provêm da ciência,  particularmente da Química.

D) A linguagem do poema é toda construída com base no sentimentalismo, delicadezas, sonhos e fantasias.

E) Nenhuma das opções acima.

7. Marque a opção ERRADA quanto ao poema “Psicologia de um vencido”, de Augusto dos Anjos.

A) O poema pode ser dividido em duas partes: a primeira trata do eu lírico; a segunda,  da morte.

B) O eu lírico vê a si mesmo de forma otimista,  pois entende que o homem é matéria,  química.

C) O eu lírico considera que tudo caminha para a destruição.

D) É possível constatar o negativismo interior do eu lírico,  que se considera “vencido” em virtude da fragilidade física do ser humano e da força implacável da morte.

E) A condição humana retratada pelo poema (fatalidade da morte) não é exclusiva do eu lírico,  mas universal. 

segunda-feira, 20 de março de 2023

Conto (fragmento) - O diabo e outras histórias, de Liev Tolstói - Atividade com respostas

     Conto (fragmento)

    Este é um fragmento de um conto de Liev Tolstói, escritor russo que resolveu dar voz a um cavalo... Isso mesmo! Trata-se das memórias de um cavalo que passa longo tempo observando o comportamento das pessoas e os valores do ser humano. Leia-o:

                                        O diabo e outras histórias

    [...] Era inverno, época de festas. Não me deram nem de comer nem de beber durante o dia inteiro. Fiquei sabendo depois que aquilo acontecera porque o cavalariço estava bêbado. Naquele mesmo dia, o chefe veio à minha baia, deu pela falta de ração e foi-se embora xingando com os piores nomes o cavalariço, que não estava ali. No dia seguinte, acompanhado de um peão, o cavalariço trouxe feno à nossa baia; notei que ele estava especialmente pálido, abatido, tinha nas costas longas algo significativo que despertava piedade. Ele atirou feno por cima da grade, com raiva; eu ia metendo a cabeça em seu ombro, mas ele deu um murro tão dolorido no meu focinho, que me fez saltar pra trás. E ainda por cima chutou-me a barriga com a bota. 
    - Não fosse esse lazarento, nada disso tinha acontecido.
    - Mas o que aconteceu? - perguntou o outro cavalariço.
    - Os potros do conde ele não inspeciona, mas este ele examina duas vezes por dia.    
    - Será que deram o malhado mesmo pra ele?
    -Se deram ou venderam, só o diabo sabe. O certo é que você pode até matar de fome todos os cavalos do conde, e nada acontece, mas você se atreva a deixar o potro dele sem ração... "Deita aí", diz ele, e tome chicotada. [...] Ele mesmo contou as chicotadas que me deu, o bárbaro. O general não bate assim, ele deixou as minhas costas em carne viva [...].
    Eu entendi bem o que eles disseram sobre os lanhões [...], mas naquela época era absolutamente obscuro para mim o significado das palavras "meu", "meu potro", palavras através das quais eu percebia que as pessoas estabeleciam uma espécie de vínculo entre mim e o chefe dos estábulos. Não conseguia entender de jeito nenhum o que significava me chamarem de propriedade de um homem. As palavras "meu cavalo", referidas a mim, um cavalo vivo, pareciam-me tão estranhas quanto as palavras "minha terra", "meu ar", "minha água”.
    No entanto, essas palavras exerciam uma enorme influência sobre mim. Eu não parava de pensar nisso e só muito depois de ter as mais diversas relações com as pessoas compreendi finalmente o sentido que atribuíam àquelas estranhas palavras. Era o seguinte: os homens não orientam suas
vidas por atos, mas por palavras. Eles não gostam tanto da possibilidade de fazer ou não fazer alguma coisa quanto da possibilidade de falar de diferentes objetos utilizando-se de palavras que convencio- nam entre si. Dessas, as que mais consideram são "meu" e "minha", que aplicam a várias coisas, seres e objetos, inclusive à terra, às pessoas e aos cavalos. Convencionaram entre si que, para cada coisa apenas um deles diria "meu". E aquele que diz "meu" para o maior número de coisas é considerado o mais feliz, segundo esse jogo. Para que isso, não sei, mas é assim. Antes eu ficava horas a fio procurando alguma vantagem imediata nisso, mas não dei com nada.
    Muitas das pessoas que me chamavam, por exemplo, de "meu cavalo" nunca me montavam; as que o faziam eram outras, completamente diferentes. Também eram bem outras as que me alimentavam. As que cuidavam de mim, mais uma vez, não eram as mesmas que me chamavam "meu cavalo", mas os cocheiros. Os tratadores, estranhos de modo geral. Mais tarde, depois que ampliei o círculo de minhas observações, convenci-me de que, não só em relação a nós, cavalos, o conceito de “meu” não tem nenhum outro fundamento senão o do instinto vil e animalesco dos homens, que eles chamam de sentimento ou direito de propriedade. O homem diz: "minha casa”, mas nunca mora nela, preocupa-se apenas em construí-la e mantê-la. O comerciante diz: "meu bazar", "meu bazar de lãs", por exemplo, mas não tem roupa feita das melhores lãs que há no seu bazar. Existem pessoas que chamam a terra de “minha”, mas nunca a viram nem andaram por ela. Existem outras que chamam de "meus" outros seres humanos, mas nenhuma vez sequer botaram os olhos sobre eles, e toda a sua relação com essas pessoas consiste em lhes causar mal. Existem homens que chamam de “minhas” as suas mulheres ou esposas, mas essas mulheres vivem com outros homens. As pessoas não aspiram a fazer na vida o que consideram bom, mas a chamar de "minhas" o maior número de coisas. Agora estou convencido de que é nisso que consiste a diferença essencial entre nós e os homens. É por isso que, sem falar das outras vantagens que temos sobre eles, já podemos dizer sem vacilar que, na escada dos seres vivos, estamos acima das pessoas; a vida das pessoas - pelo menos daquelas com as quais convivi - traduz-se em palavras; a nossa, em atos. E eis que foi o chefe dos estábulos que recebeu o direito de me chamar de “meu cavalo"; por isso açoitou o cavalariço. Essa descoberta me deixou profundamente impressionado e [...] levou-me a me tornar o malhado ensimesmado e sério que eu sou. 

TOLSTÓI, Liev. O diabo e outras histórias. São Paulo: Cosac Naify, 2003.

GLOSSÁRIO

Cavalariço: indivíduo que cuida de animais em cavalarias; estribeiro. 
Ensimesmado: voltado para dentro de si mesmo; concentrado, recolhido. 
Lanhão: golpe, ferimento feito com instrumento cortante; ferimento no corpo proveniente do arrancamento de tiras de couro ou de pele; marca de açoite na pele.


CONHECENDO O AUTOR

Liev Nikolaievitch Tolstói (1828-1910)

    Escritor russo, era filho de uma importante família ligada aos czares e teve uma vida pessoal cheia de conflitos, dividida entre o pacifismo e o anarquismo. Foi um pensador social e moral e um dos mais relevantes autores da narrativa realista de todos os tempos. En- tre suas obras, destacam-se: Infância (1852), Contos de Sebastopol (1855-1856), Guerra e paz (1865-1869), Anna Karenina (1875-1877), A morte de Ivan Ilitch (1886), A sonata de Kreutzer (1889) e seu último romance, Ressurreição (1899).

POR DENTRO DO TEXTO

1. O primeiro parágrafo do texto situa o leitor. De que maneira isso é feito?

    O primeiro parágrafo indica o tempo em que a narrativa se desenrola (''Era inverno, época de festas") e localiza o leitor a respeito de onde ocorreram os fatos, além de explicar em quais condições o cavalo vivia.

2. Que tipo de narrador esse conto apresenta? Quem é ele? 

    Narrador-personagem. Ele é assumido pela figura de um animal, um cavalo.

 3. Leia as informações do quadro.

    Em um texto narrativo, o tempo é muito importante, porque situa o leitor, ajudando-o a compreender os fatos. Dessa forma, em narrativas como romances, novelas e contos, há dois tipos fundamentais de tempo: o cronológico e o psicológico.

    O tempo cronológico se caracteriza por seguir o ritmo do relógio, a estação do ano, a divisão em dias, o calendário etc. Nesse tipo de tempo, os fatos podem ser apresentados no momento em que acontecem. Veja:

    [...] Era inverno, época de festas. Não me deram nem de comer nem de beber durante o dia inteiro [...].

    [...] No dia seguinte, acompanhado de um peão, o cavalariço trouxe feno à nossa baia [...].

    O tempo psicológico não segue uma cronologia, transcorrendo no interior do personagem ou do narrador conforme seu desejo, imaginação, vivências subjetivas, entre outros. É comum, na construção do tempo psicológico, as cenas se passarem na cabeça do personagem ou do narrador como um flashback, ou seja, como uma lembrança, uma recordação. Exemplos:

    [...] Eu não parava de pensar nisso e só muito depois de ter as mais diversas relações com as pessoas compreendi finalmente o sentido que atribuíam àquelas estranhas palavras [...]. 

    [...] Antes eu ficava horas a fio procurando alguma vantagem imediata nisso, mas não dei com nada [...].

• Indique o tipo de tempo a que se referem as expressões destacadas no trechos extraídos do conto lido. 

a) [...] Mais tarde, depois que ampliei o círculo de minhas observações, convenci-me de que, não só em relação a nós, cavalos, o conceito de "meu" não tem nenhum outro fundamento [...].

   Tempo psicológico.

b) Naquele mesmo dia, o chefe veio à minha baia, deu pela falta de ração e foi-se embora xingando com os piores nomes o cavalariço [...].

   Tempo cronológico.

c) [...] Muitas das pessoas que me chamavam, por exemplo, de "meu cavalo" nunca me montavam

[...].             Tempo psicológico.

4. Releia o trecho a seguir, em que o personagem principal expõe suas ideias.

    [...] O homem diz: “minha casa", mas nunca mora nela, preocupa-se apenas em construí-la e mantê-la. O comerciante diz: "meu bazar", "meu bazar de las", por exemplo, mas não tem roupa feita das melhores las que há em seu bazar. Existem pessoas que chamam a terra de "minha", mas nunca a viram nem andaram por ela. Existem outras que chamam de "meus" outros seres humanos, mas nenhuma vez sequer botaram os olhos sobre eles, e toda a sua relação com essas pessoas consiste em lhes causar mal. [...]

• Indique qual das frases a seguir, retiradas do texto, corresponde à ideia apresentada nesse trecho: 

a) As pessoas não aspiram a fazer na vida o que consideram bom [...].

b) [...] já podemos dizer sem vacilar que, na escada dos seres vivos, estamos acima das pessoas [...].

c) [...] Mais tarde, depois que ampliei o círculo de minhas observações, convenci-me de que, não só em relação a nós, cavalos, o conceito de "meu" não tem nenhum outro fundamento senão o do instinto vil e animalesco dos homens, que eles chamam de sentimento ou direito de propriedade.

5. O que o cavalo pensava a respeito de ter um dono e não ser esse dono o seu cuidador?

    O cavalo julgava estranha a maneira como os humanos lidavam com questões de propriedade, pois aquele que o chamava de "meu" não era o mesmo que cuidava dele. Por vezes, não entendia o fato de ser propriedade de alguém que não o alimentava nem montava nele, e isso, para ele, era motivo de decepção.

6. O que o cavalo percebeu sobre o uso que os humanos faziam da palavra "meu"? Que relação ele estabeleceu entre essa palavra e o conceito de felicidade? 

    Ele percebeu que o uso dessa palavra era atribuído à noção de propriedade e de felicidade, ou seja, era considerado mais feliz aquele que dissesse "meu" para o maior número de coisas. 

7. O cavalo conseguia compreender esse tipo de comportamento? Transcreva um trecho que comprove sua resposta. 

    Não. "Para que isso, não sei, mas é assim. Antes eu ficava horas a fio procurando alguma vantagem
imediata nisso, mas não dei com nada."

8. Que sentido a palavra "meu" tinha para o cavalo? 

    Para o cavalo, a palavra "meu" só fazia sentido em uma relação próxima, concreta, de afetividade.

9. É possível afirmar que, no texto, o personagem do cavalo foi humanizado? Por quê?
    
     Sim, pois o cavalo apresenta sentimentos, atitudes e reflexões normalmente atribuídos a seres humanos.

 10. No conto, há uma inversão entre o que é humano e o que é animal. Explique essa afirmação.

    O cavalo, um animal, aparece na história repleto de características que o humanizam, enquanto o ser humano é apresentado de maneira animalizada em consequência do significado que atribui à palavra "meu", do modo como entende o conceito de propriedade e de como se relaciona com o outro e com aquilo que lhe pertence.

11. Estruturalmente, a que tipo de narrativa literária esse conto se assemelha? Justifique.

    Assemelha-se à fabula, pois o protagonista é um animal dotado de características humanas e a narrativa apresenta uma intenção moralizante.





 

domingo, 19 de março de 2023

Conto "Chuva: a abensonhada", de Mia Couto (Atividade com respostas)


    O texto que você vai ler a seguir é de autoria de Mia Couto, premiado escritor de Moçambique,
país do continente africano onde a língua portuguesa é idioma oficial.
     O momento descrito no conto refere-se à época logo após a longa guerra civil em Moçambique (1977-1992), quando cerca de um milhão de pessoas morreram em combates. Nesse período, o povo moçambicano superava as consequências do violento conflito, ao mesmo tempo em que convivia com uma forte estiagem e uma grande crise de fome, obrigando cinco milhões de civis a se deslocarem dos campos e do território. A guerra na qual o país ficou mergulhado 16 anos, assim como qualquer outra, deixou sequelas com as quais a população ainda tem de conviver: inúmeras minas terrestres que mutilam pessoas até hoje. Mesmo o conflito tendo chegado ao fim em 1992, em 2013 ressurgiu em Moçambique outro conflito armado e um novo acordo de paz ainda não foi concluído.

                           Chuva: a abensonhada

    Estou sentado junto da janela olhando a chuva que cai há três dias. Que saudade me fazia o molhado tintintinar do chuvisco. [...] Há quantos anos não chovia assim? De tanto durar, a seca foi emudecendo a nossa miséria. O céu olhava o sucessivo falecimento da terra, e em espelho, se via morrer. A gente se indaguava: será que ainda podemos recomeçar, será que a alegria ainda tem cabimento?

    Agora, a chuva cai, cantarosa, abençoada. O chão, esse indigente indígena, vai ganhando variedades de belezas. Estou espreitando a rua como se estivesse à janela do meu inteiro país. Enquanto, lá fora, se repletam os charcos a velha Tristereza vai arrumando o quarto. Para Tia Tristereza a chuva não é assunto de clima, mas recado dos espíritos. E a velha se atribui amplos sorrisos: desta vez é que eu envergarei o fato que ela tanto me insiste. Indumentária tão exibível e eu envergando mangas e gangas. Tristereza sacode em sua cabeça a minha teimosia: haverá razoável argumento para eu me apresentar assim tão descortinado, sem me sujeitar às devidas aparências? Ela não entende.

    Enquanto alisa os lençóis, vai puxando outros assuntos. A idosa senhora não tem dúvida a chuva está a acontecer devido das rezas, cerimónias oferecidas aos antepassados. Em todo o Moçambique a guerra está parar. Sim, agora já as chuvas podem recomeçar. Todos estes anos, os deuses nos castigaram com a seca. Os mortos, mesmo os mais veteranos, já se ressequiam lá nas profundezas. Tristereza vai escovando o casaco que eu nunca hei-de usar e profere suas certezas:

    -Nossa terra estava cheia do sangue. Hoje, está ser limpa, faz conta é essa roupa que lavei. Mas nem agora, desculpe o favor, nem agora o senhor dá vez a este seu fato?
     -Mas, Tia Tristereza: não será está chover de mais?
    De mais? Não, a chuva não esqueceu os modos de tombar, diz a velha. E me explica: a água sabe quantos grãos tem a areia. Para cada grão ela faz uma gota. Tal igual a mãe que tricota o agasalho de um ausente filho. Para Tristereza a natureza tem seus serviços, decorridos em simples modos como os dela. As chuvadas foram no justo tempo encomendadas: os deslocados que regressam a seus lugares já encontrarão o chão molhado, conforme o gosto das sementes. A Paz tem outros governos que não passam pela vontade dos políticos.

    Mas dentro de mim persiste uma desconfiança: esta chuva, minha tia, não será prolongadamente demasiada? Não será que à calamidade do estio se seguirá a punição das cheias?

    Tristereza olha a encharcada paisagem e me mostra outros entendimentos meteorológicos que minha sabedoria não pode tocar. Um pano sempre se reconhece pelo avesso, ela costuma me dizer. Deus fez os brancos e os pretos para, nas costas de uns e outros, poder decifrar o Homem. E apontando as nuvens gordas me confessa:

    - Lá em cima, senhor, há peixes e caranguejos. Sim, bichos que sempre acompanham a água.

    E adianta: tais bichezas sempre caem durante as tempestades. 
    -Não acredita, senhor? Mesmo em minha casa já caíram. 
    - Sim, finjo acreditar. E quais tipos de peixes?

    Negativo: tais peixes não podem receber nenhum nome. Seriam precisas sagradas palavras e essas não cabem em nossas humanas vozes. De novo, ela lonjeia seus olhos pela janela. Lá fora continua chovendo. O céu devolve o mar que nele se havia alojado em lentas migrações de azul. Mas parece que, desta feita, o céu entende invadir a inteira terra, juntar os rios, ombro a ombro. E volto a interrogar: não serão demasiadas águas, tombando em maligna bondade? A voz de Tristereza se repete em monotonia de chuva. E ela vai murmurrindo: o senhor, desculpe a minha boca, mas parece um bicho à procura da floresta. E acrescenta:

    - A chuva está limpar a areia. Os falecidos vão ficar satisfeitos. Agora, era bom respeito o senhor usar este fato. Para condizer com a festa de Moçambique...

    Tristereza ainda me olha, em dúvida. Depois, resignada, pendura o casaco. A roupa parece suspirar. Minha teimosia ficou suspensa num cabide. Espreito a rua, riscos molhados de tristeza vão descendo pelos vidros. Por que motivo eu tanto procuro a evasão? E por que razão a velha tia se aceita interior, toda ela vestida de casa? Talvez por pertencer mais ao mundo, Tristereza não sinta, como eu, a atração de sair. Ela acredita que acabou o tempo de sofrer, nossa terra se está lavando do passado. Eu tenho dúvidas, preciso olhar a rua. A janela: não é onde a casa sonha ser mundo?

    A velha acabou o serviço, se despede enquanto vai fechando as portas, com lentos vagares. Entrou uma tristeza na sua alma e eu sou o culpado. Reparo como as plantas despontam lá fora. O verde fala a língua de todas as cores. A Tia já dobrou as despedidas e está a sair quando eu a chamo:

    - Tristereza, tira o meu casaco.

    Ela se ilumina de espanto. Enquanto despe o cabide, a chuva vai parando. Apenas uns restantes pingos vão tombando sobre o meu casaco. Tristereza me pede: não sacuda, essa aguinha dá sorte. E de braço dado, saímos os dois pisando charcos, em descuido de meninos que sabem do mundo a alegria de um infinito brinquedo.

COUTO, Mia. Estórias abensonhadas. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.


GLOSSÁRIO

Charco: terreno alagadiço, cheio de poças de água.

Descortinado: sem cortinas, sem trajes. 

Emudecer: calar, aquietar-se.

Estio: período de seca.

Evasão: desculpa, fuga.

Fato: veste, indumentária, casaco.

Ganga: tecido barato, geralmente azul ou amarelo.

POR DENTRO DO TEXTO

1. Descreva as personagens do conto e o assunto principal sobre o qual conversam.

    O narrador personagem, provavelmente jovem, bastante pensativo e reflexivo, e tia Tristereza, que é idosa e mostra-se sábia e conhecedora das crenças de seu país. As  personagens conversam sobre a chuva que caía depois de três meses de estiagem em Moçambique.

2. Em que lugar ocorre o diálogo entre essas personagens?

     Elas estão dentro de uma casa.

3. Elas têm a mesma opinião sobre o assunto principal que está sendo tratado?

 Os dois não têm a mesma opinião: ela acredita que a chuva é um recado dos espíritos, que está chovendo por causa das rezas e cerimônias oferecidas aos antepassados e que vai cair pelo tempo certo. Ele acha que está chovendo demais e tem receio de que haja cheias como consequência do grande volume de chuva.

4. Transcreva apenas a alternativa que melhor exprime a opinião da personagem Tristereza sobre a
chuva.

a) A chuva era um castigo dos deuses, assim como o período de estio que o povo havia enfrentado.

b) A chuva serviria para limpar o povo de qualquer pecado e excesso que houvesse cometido durante o período de guerra. 

c) A chuva estava lavando a terra do triste passado de guerra. 


5. Releia o trecho a seguir, extraído do conto lido:

A gente se indaguava: será que ainda podemos recomeçar, será que a alegria ainda tem cabimento?

a) A alegria que as personagens experimentam se refere somente à chuva que cai após o período de seca?
    
 Não. Elas estão alegres também porque a guerra está no fim.


b) Transcreva um trecho do terceiro parágrafo que comprove sua resposta ao item anterior. 

    "Em todo o Moçambique a guerra está parar"

6. Releia este outro trecho: 

    A Paz tem outros governos que não passam pela vontade dos políticos.

• Que relação esse trecho estabelece com a chegada da chuva em Moçambique?

 De acordo com o trecho, a paz não depende da vontade dos políticos, mas é influenciada por outras razões. No conto, a paz é atribuída à chegada da chuva, ou seja, à ocorrência de um fenômeno da natureza.

7. Um aspecto marcante da prosa de Mia Couto é a personificação de elementos que possuem características de seres vivos. Releia o trecho a seguir:

    Tristereza ainda me olha, em dúvida. Depois, resignada, pendura o casaco. A roupa parece suspirar. Minha teimosia ficou suspensa num cabide. Espreito a rua, riscos molhados de tristeza vão descendo pelos vidros.

Copie desse trecho três elementos que foram personificados e indique que ações praticam.

A roupa suspira; a teimosia fica suspensa em um cabide; e gotas de chuva (aqui chamadas de riscos molhados)  sentem tristeza e descem pelos vidros.

8. Veja a capa e leia o prefácio da obra Estórias abensonhadas, de Mia Couto, de onde foi extraído o conto "Chuva: a abensonhada".


     Estas estórias foram escritas depois da guerra. Por incontáveis anos as armas tinham vertido luto no chão de Moçambique. Estes textos me surgiram entre as margens da mágoa e da esperança. Depois da guerra, pensava eu, restavam apenas cinzas, destroços sem íntimo. Tudo pesando, definitivo e sem reparo.

    Hoje sei que não é verdade. Onde restou o homem sobreviveu semente, sonho a engravidar o tempo. Esse sonho se ocultou no mais inacessível de nós, lá onde a violência não podia golpear, lá onde a barbárie não tinha acesso. Em todo este tempo, a terra guardou, inteiras, as suas vozes. Quando se lhes impôs o silêncio elas mudaram de mundo. No escuro permaneceram lunares.

    Estas estórias falam desse território onde nós vamos refazendo e vamos molhando de esperança o rosto da chuva, água abensonhada. Desse território onde todo homem é igual, assim: fingindo que está, sonhando que vai, inventando que volta.

COUTO, Mia. Estórias abensonhadas. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. (Prefácio).

RESPONDA:

a) O autor do texto nos revela sensações que vivenciou no período em que escreveu as histórias que compõem sua obra.

• Que sensações são essas? 

Mágoa e esperança.

• Que fato foi determinante para que ele se sentisse assim nesse período?

 A Guerra Civil  Moçambicana.    

 b) Como ele se vê nos dias de hoje em relação aos sentimentos que tinha quando escreveu Estórias
abensonhadas? 

Resposta possível: Uma pessoa forte e cheia de esperança, assim como as pessoas desse território africano, o que pode ser comprovado na frase "[...] vamos refazendo e vamos  molhando de esperança o rosto da chuva, água abensonhada. Desse território onde todo homem é igual [...]". 

c) Qual pode ter sido a intenção do autor ao produzir o prefácio? 

 Resposta possível: Situar o leitor em relação à obra, mostrando o contexto em que foi escrita, o modo  como se sentia durante o processo e a transformação na sua maneira de ver a vida.


d) Esse tipo de texto inicial motiva o leitor a ler a obra? Justifique.

     Resposta pessoal. Espera-se que os alunos respondam que sim, pois normalmente o prefácio desperta curiosidade sobre o texto e estabelece certa aproximação com o autor.

CONHECENDO O AUTOR

                                   Mia Couto

    Nasceu em Beira, Moçambique, em 5 de julho de 1955. É biólogo e jornalista de formação e autor de mais de trinta livros, entre prosa e poesia. Em muitas de suas obras, Mia Couto tenta recriar a língua portuguesa com uma influência moçambicana, utilizando o léxico de várias regiões do país e produzindo um novo modelo de narrativa africana. Seu romance Terra sonâmbula é considerado um dos dez melhores livros africanos do século XX. Recebeu uma série de prêmios literários, entre eles o Prêmio Camões de 2013, o mais prestigioso da língua portuguesa, e o Neustadt Prize de 2014. É membro correspondente da Academia Brasileira de Letras.