quinta-feira, 9 de março de 2017

Exercícios sobre os Cantos IV e VIII de I - Juca Pirama, com gabarito




CANTO IV

Meu canto de morte
Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros, descendo
Da tribo tupi.

Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci;
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.

Já vi cruas brigas,
De tribos imigas,
E as duras fadigas
Da guerra provei;
Nas ondas mendaces
Senti pelas faces
Os silvos fugaces
Dos ventos que amei.

Andei longes terras
Lidei cruas guerras,
Vaguei pelas serras
Dos vis Aimorés;
Vi lutas de bravos,
Vi fortes — escravos!
De estranhos ignavos
Calcados aos pés.

E os campos talados,
E os arcos quebrados,
E os piagas coitados
Já sem maracás;
E os meigos cantores,
Servindo a senhores,
Que vinham traidores,
Com mostras de paz.

Aos golpes do inimigo,
Meu último amigo,
Sem lar, sem abrigo
Caiu junto a mim!
Com plácido rosto,
Sereno e composto,
O acerbo desgosto
Comigo sofri.

Meu pai a meu lado
Já cego e quebrado,
De penas ralado,
Firmava-se em mi:
Nós ambos, mesquinhos,
Por ínvios caminhos,
Cobertos d'espinhos
Chegamos aqui!

O velho no entanto
Sofrendo já tanto
De fome e quebranto,
Só qu'ria morrer!
Não mais me contenho,
Nas matas me embrenho,
Das frechas que tenho
Me quero valer.

Então, forasteiro,
Caí prisioneiro
De um troço guerreiro
Com que me encontrei:
O cru dessossego
Do pai fraco e cego,
Enquanto não chego
Qual seja, — dizei!

Eu era o seu guia
Na noite sombria,
A só alegria
Que Deus lhe deixou:
Em mim se apoiava,
Em mim se firmava,
Em mim descansava,
Que filho lhe sou.

Ao velho coitado
De penas ralado,
Já cego e quebrado,
Que resta? — Morrer.
Enquanto descreve
O giro tão breve
Da vida que teve,
Deixai-me viver!

Não vil, não ignavo,
Mas forte, mas bravo,
Serei vosso escravo:
Aqui virei ter.
Guerreiros, não coro
Do pranto que choro:
Se a vida deploro,
Também sei morrer.

(Poemas de Gonçalves Dias. Seleção de Péricles Eugênio da Silva Ramos. Rio de Janeiro: Ediouro, s.d. p. 119-122.)
             
CANTO VIII

" Tu choraste em presença da morte?
Na presença de estranhos choraste?
Não descende o cobarde do forte;
Pois choraste, meu filho não és!
Possas tu, descendente maldito
De uma tribo de nobres guerreiros,
Implorando cruéis forasteiros,
Seres presa de vis Aimorés.

"Possas tu, isolado na terra,
Sem arrimo e sem pátria vagando,
Rejeitado da morte na guerra,
Rejeitado dos homens na paz,
Ser das gentes o espectro execrado;
Não encontres amor nas mulheres,
Teus amigos, se amigos tiveres,
Tenham alma inconstante e falaz!

"Não encontres doçura no dia,
Nem as cores da aurora te ameiguem,
E entre as larvas da noite sombria
Nunca possas descanso gozar:
Não encontres um tronco, uma pedra,
Posta ao sol, posta às chuvas e aos ventos,
Padecendo os maiores tormentos,
Onde possas a fronte pousar.

"Que a teus passos a relva se torre;
Murchem prados, a flor desfaleça,
E o regato que límpido corre,
Mais te acenda o vesano furor;
Suas águas depressa se tornem,
Ao contacto dos lábios sedentos,
Lago impuro de vermes nojentos,
Donde fujas com asco e terror!

"Sempre o céu, como um teto incendido,
Creste e punja teus membros malditos
E oceano de pó denegrido
Seja a terra ao ignavo tupi!
Miserável, faminto, sedento,
Manitôs lhe não falem nos sonhos,
E do horror os espectros medonhos
Traga sempre o cobarde após si.

"Um amigo não tenhas piedoso
Que o teu corpo na terra embalsame,
Pondo em vaso d'argila cuidoso
Arco e frecha e tacape a teus pés!
Sê maldito, e sozinho na terra;
Pois que a tanta vileza chegaste,
Que em presença da morte choraste,
Tu, cobarde, meu filho não és."

 DIAS, Gonçalves. Poesias. Rio de Janeiro: Agir, 1969. (Nossos Clássicos)



1) No canto IV do poema, o índio tupi narra a trajetória de sua vida e de sua tribo.
a) Como o índio via a si mesmo, até o momento em que foi aprisionado?
     O índio se via forte e corajoso, membro de uma grande nação tupi.
b) Qual é a atual condição de sua tribo?
     A nação tupi dizimada por tribos inimigas, não existe mais; seus últimos membros andam agora errantes.
c) Com quem e por que o índio foge?
    O índio foge acompanhado do pai, velho e cego, com a finalidade de salvá-lo e dar-lhe proteção.

2) Na 6ª estrofe do canto IV, o prisioneiro faz um pedido aos inimigos: " Deixai-me viver! ".
a) Que motivos alega, na 10ª e na 11ª estrofes, para que o deixem vivo?
    Alega ser a única razão de viver e o único meio de sobrevivência do pai.
b) Identifique na última estrofe os versos em que o prisioneiro propõe um acordo. Qual é esse acordo?
    " Serei vosso escravo: / Aqui virei ter " / Promete voltar e se entregar aos timbiras.

3) Seguindo os modelos do Romantismo europeu e a atração pelo medievalismo, nossos escritores encontraram no índio brasileiro o representante mais direto de nosso passado medieval - único habitante nestas terras antes do Descobrimento. Além disso, vivendo distante da civilização, nosso índio correspondia plenamente à concepção idealizada do " bom selvagem ", defendida por Rousseau. Observe o comportamento do índio tupi e indique:
a) uma característica dele que se assemelhe às do cavaleiro medieval;
    Certos valores do índio - honra, bondade, fidelidade ou amor filial, coragem - assemelham-se aos do cavaleiro medieval.
b) uma atitude dele que reforce o mito do " bom selvagem".
    Sua bondade filial e seu apego às tradições culturais primitivas de sua raça.


4) Qual foi o " crime " maior, cometido pelo jovem, do qual o velho pai o acusa?
    De chorar para não morrer, na presença de estranhos.

5) O que significava , para o velho indígena e para a nação Timbira, a atitude do jovem?
    Covardia, medo, fraqueza.

6) Analise a sonoridade e o ritmo desse poema, observando a disposição das rimas e a extensão regular dos versos nos dois cantos lidos. Depois, responda ao que se pede.

a) Os dois cantos apresentam a mesma extensão de versos? Explique.
    Não. O Canto IV é formado por redondilhas menores ( cinco sílabas poéticas ) e o Canto VIII é formado por versos de nove sílabas poéticas.

b) Qual é a disposição das rimas em cada canto?
    Canto IV: ABCBDB; Canto VIII: ABACDEEC

c) O ritmo do Canto VIII é semelhante ao Canto IV? Explique.
     Não. O ritmo,grave e ameaçador, produz um efeito de constrangimento, endossado pelo primeiro verso, em forma de pergunta. Está mais próximo a uma maldição: o pai, com ódio, pragueja contra o filho, deseja mal a ele, renega-o.
    

13 comentários:


  1. Como o índio vê a si mesmo até o momento em que foi aprisionado?
    Retire do texto uma caracterização de idealização da natureza.
    Em “Tu que assim do meu mal te comoveste.”, a que mal o índio se refere?
    Traduza: “Sim voltarei, morto meu pai.”
    Em que condições vive a tribo Tupi?
    Que verso traduz a cegueira do pai do herói?
    Por que o pai amaldiçoa o filho?
    Coloque na ordem direta: “Não descende o cobarde do forte.”

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  2. Pode se dizer q há representações sinestesicas no canto VIII?

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  3. O que a atitude do índio tupi revela sobre a forma como se relaciona com sua tribo de origem e com sua família?

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  4. Analise os dois cantos apresentam a mesma escansão de versos? Explique.

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