açoite: chicote.
arquejar: ofegar.
dantesco: relativo às cenas de horríveis
narradas por Dante Alighieri em sua obra Divina comédia, na parte em que
descreve o inferno.
luzernas: clarões.
tombadilho: alojamento do navio.
turbilhão: redemoinho.
vãs: inúteis, sem valor.
A prosa romântica brasileira pode ser
dividida em:
·
Prosa social-urbana: tem como cenário
os centros urbanos, retratando o cotidiano burguês.
·
Prosa indianista: apresenta o
indígena como protagonista, retratando com fortíssimos traços éticos e morais
do cavaleiro medieval europeu.
·
Prosa regionalista: busca retratar
usos, costumes, paisagens e, em alguns casos, os falares típicos de determinada
região.
·
Prosa histórica: retrata o passado
histórico brasileiro, buscando resgatar as origens da nação.
Principais autores:
José de Alencar, Joaquim Manuel de Macedo, Manuel Antônio de Almeida, Visconde
de Taunay, Bernardo Guimarães, Franklin Távora e Martins Pena.
LEITURA
Senhora ( José de Alencar)
Primeira
parte – O preço
Capítulo XIII
[...]
—
Como tardaste, Aurélia! disse ele queixoso.
—
Tinha um voto a cumprir; quis emancipar-me logo de uma vez para pertencer toda
a meu único senhor; respondeu a moça galanteando.
— Não
me mates de felicidade, Aurélia! Que posso eu mais desejar neste mundo do que
viver a teus pés, adorando-te, pois que és a minha divindade na terra.
Seixas
ajoelhou aos pés da noiva; tomou-lhe as mãos que ela não retirava; e modulou o
seu canto de amor, essa ode sublime do coração, que só as mulheres entendem,
como somente as mães percebem o balbuciar do filho.
A
moça com o talhe languidamente recostado no espaldar da cadeira, a fronte
reclinada, os olhos coalhados em uma ternura maviosa, escutava as falas de seu
marido; toda ela se embebia dos eflúvios de amor, de que ele a repassava com a
palavra ardente, o olhar rendido, e o gesto apaixonado.
— É
então verdade que me ama?
—
Pois duvida, Aurélia?
— E
amou-me sempre, desde o primeiro dia que nos vimos?
— Não
lho disse já?
—
Então nunca amou a outra?
— Eu
lhe juro, Aurélia. Estes lábios nunca tocaram a face de outra mulher, que não
fosse minha mãe. O meu primeiro beijo de amor, guardei-o para minha esposa,
para ti...
Soerguendo-se
para alcançar-lhe a face, não viu Seixas a súbita mutação que se havia operado
na fisionomia de sua noiva.
Aurélia
estava lívida, e a sua beleza, radiante há pouco, se marmorizara.
— Ou
de outra mais rica!... disse ela retraindo-se para fugir ao beijo do marido, e
afastando-o com a ponta dos dedos.
A voz
da moça tomara o timbre cristalino, eco da rispidez e aspereza do sentimento
que lhe sublevava o seio, e que parecia ringir-lhe nos lábios como aço.
—
Aurélia! Que significa isto?
—
Representamos uma comédia, na qual ambos desempenhamos o nosso papel com
perícia consumada. Podemos ter este orgulho, que os melhores atores não nos
excederiam. Mas é tempo de pôr termo a esta cruel mistificação, com que nos
estamos escarnecendo mutuamente, senhor. Entremos na realidade por mais triste
que ela seja; e resigne-se cada um ao que é, eu, uma mulher traída; o senhor,
um homem vendido.
—
Vendido! exclamou Seixas ferido dentro d’alma.
—
Vendido, sim: não tem outro nome. Sou rica, muito rica; sou milionária;
precisava de um marido, traste indispensável às mulheres honestas. O senhor
estava no mercado; comprei-o. Custou-me cem contos de réis, foi barato; não se
fez valer. Eu daria o dobro, o triplo, toda a minha riqueza por este momento.
Aurélia
proferiu estas palavras desdobrando um papel, no qual Seixas reconheceu a
obrigação por ele passada ao Lemos.
Não
se pode exprimir o sarcasmo que salpicava dos lábios da moça; nem a indignação
que vazava dessa alma profundamente revolta, no olhar implácavel com que ela
flagelava o semblante do marido.
Seixas,
trespassado pelo cruel insulto, arremessado do êxtase da felicidade a esse
abismo de humilhação, a princípio ficara atônito. Depois quando os assomos da
irritação vinham sublevando-lhe a alma, recalcou-os esse poderoso sentimento do
respeito à mulher, que raro abandona o homem de fina educação.
Penetrado
da impossibilidade de retribuir o ultraje à senhora a quem havia amado,
escutava imóvel, cogitando no que lhe cumpria fazer; se matá-la a ela, matar-se
a si, ou matar a ambos.
Aurélia
como se lhe adivinhasse o pensamento, esteve por algum tempo afrontando-o com
inexorável desprezo.
—
Agora, meu marido, se quer saber a razão por que o comprei de preferência a
qualquer outro, vou dizê-la; e peço-lhe que me não interrompa. Deixe-me vazar o
que tenho dentro desta alma, e que há um ano a está amargurando e consumindo.
A
moça apontou a Seixas uma cadeira próxima.
—
Sente-se, meu marido.
Com
que tom acerbo e excruciante lançou a moça esta frase meu marido, que nos seus
lábios ríspidos acerava-se como um dardo ervado de cáustica ironia!
Seixas
sentou-se.
Dominava-o
a estranha fascinação dessa mulher, e ainda mais a situação incrível a que fora
arrastado.
Segunda parte – Quitação
Capítulo IX
Tornemos
à câmara nupcial, onde se representa a primeira cena do drama original, de que
apenas conhecemos o prólogo.
Os dois
atores ainda conservam a mesma posição em que os deixamos. Fernando Seixas
obedecendo automaticamente a Aurélia, sentara-se, e fitava na moça um olhar
estupefato. A moça arrastou uma cadeira e colocou-se em face do marido, cujas
faces crestava o seu hálito abrasado.
— Não
careço dizer-lhe que amor foi o meu, e que adoração lhe votou minha alma desde
o primeiro momento em que o encontrei. Sabe o senhor, e se o ignora, sua
presença aqui nesta ocasião já lhe revelou. Para que uma mulher sacrifique
assim todo seu futuro, como eu fiz, é preciso que a existência se tornasse para
ela um deserto, onde não resta senão o cadáver do homem que a assolou para
sempre.
Aurélia
calcou a mão sobre o seio para comprimir a emoção que a ia dominando.
— O
senhor não retribuiu meu amor e nem o compreendeu. Supôs que eu lhe dava apenas
a preferência entre outros namorados, e o escolhia para herói dos meus
romances, até aparecer algum casamento, que o senhor, moço honesto, estimaria
para colher à sombra o fruto de suas flores poéticas. Bem vê que eu o distingo
dos outros, que ofereciam brutalmente, mas com franqueza e sem rebuço, a
perdição e a vergonha.
Seixas
abaixou a cabeça.
—
Conheci que não amava-me, como eu desejava e merecia ser amada. Mas não era sua
a culpa e só minha que não soube inspirar-lhe a paixão, que eu sentia. Mais
tarde, o senhor retirou-me essa mesma afeição com que me consolava e
transportou-a para outra, em quem não podia encontrar o que eu lhe dera, um
coração virgem e cheio de paixão com que o adorava. Entretanto, ainda tive
forças para perdoar-lhe e amá-lo.
A
moça agitou então a fronte com uma vibração altiva:
— Mas
o senhor não me abandonou pelo amor de Adelaide e sim por seu dote, um
mesquinho dote de trinta contos! Eis o que não tinha o direito de fazer, e que
jamais lhe podia perdoar! Desprezasse-me embora, mas não descesse da altura em
que o havia colocado dentro de minha alma. Eu tinha um ídolo; o senhor abateu-o
de seu pedestal, e atirou-o no pó. Essa degradação do homem a quem eu adorava, eis
o seu crime; a sociedade não tem leis para puni-lo, mas há um remorso para ele.
Não se assassina assim um coração que Deus criou para amar, incutindo-lhe a
descrença e o ódio.
Seixas,
que tinha curvado a fronte, ergueu-a de novo, e fitou os olhos na moça.
Conservava ainda as feições contraídas, e gotas de suor borbulhavam na raiz de
seus belos cabelos negros.
— A
riqueza que Deus me concedeu chegou tarde; nem ao menos permitiu-me o prazer da
ilusão, que têm as mulheres enganadas. Quando a recebi, já conhecia o mundo e
suas misérias; já sabia que a moça rica é um arranjo e não uma esposa; pois
bem, disse eu, essa riqueza servirá para dar-me a única satisfação que ainda
posso ter neste mundo. Mostrar a esse homem que não me soube compreender, que
mulher o amava, e que alma perdeu. Entretanto ainda eu afagava uma esperança.
Se ele recusa nobremente a proposta aviltante, eu irei lançar-me a seus pés.
Suplicar-lhe-ei que aceite a minha riqueza, que a dissipe se quiser;
consinta-me que eu o ame. Essa última consolação, o senhor a arrebatou. Que me
restava? Outrora atava-se o cadáver ao homicida, para expiação da culpa; o
senhor matou-me o coração, era justo que o prendesse ao despojo de sua vítima.
Mas não desespere, o suplício não pode ser longo: este constante martírio a que
estamos condenados acabará por extinguir-me o último alento; o senhor ficará
livre e rico.
Proferidas
as últimas palavras com um acento de indefinível irrisão, a moça tirou o papel
que trazia passado à cinta, e abriu-o diante dos olhos de Seixas. Era um cheque
de oitenta contos sobre o Banco do Brasil.
— É
tempo de concluir o mercado. Dos cem contos de réis, em que o senhor avaliou-se
já recebeu vinte; aqui tem os oitenta que faltavam. Estamos quites, e posso
chamá-lo meu; meu marido, pois é este o nome de convenção.
A
moça estendeu o papel que sua mão crispada amarrotava convulsamente. Seixas
permaneceu imóvel como uma estátua; apenas duas plicas profundas sulcaram-lhe
as faces desde o canto dos olhos até à comissura dos lábios.
Afinal
o papel escapou-se dos dedos trêmulos da moça e caiu sobre o tapete aos pés de
Fernando.
Seguiu-se
um momento de silêncio ou antes de estupor. Aurélia irritava-se contra a
invencível mudez de Seixas, e talvez a atribuía a uma cínica insensibilidade
moral. Pensava exacerbar os nobres estímulos de um homem ainda capaz de
reabilitar-se da fragilidade a que fora arrastado, e achava um indivíduo tão
embotado já em seu pudor que não se revoltava contra a maior das humilhações.
Aurélia
soltou dos lábios um estrídulo, antes do que um sorriso.
—
Agora podemos continuar a nossa comédia, para divertir-nos. É melhor do que
estarmos aqui mudos em face um do outro. Tome a sua posição, meu marido;
ajoelhe-se aqui a meus pés, e venha dar-me seu primeiro beijo de amor... Porque
o senhor ama-me, não é verdade, e nunca amou outra mulher senão a mim?...
Seixas
ergueu-se; sua voz afinal desprendeu-se dos lábios calma, porém fremente:
—
Não; não a amo.
— Ah!
— É
verdade que a amei; mas a senhora acaba de esmagar a seus pés esse amor; aí fica
ele para sempre sepultado na abjeção a que o arremessou. Eu só a amaria agora,
se a quisesse insultar; pois que maior afronta pode fazer a uma senhora um
miserável, do que marcando-a com o estigma de sua paixão. Mas fique tranquila;
ainda quando me dominasse a cólera, que não sinto, há uma vingança que não
teria forças para exercer; é essa de amá-la.
Aurélia
ergueu-se impetuosamente.
—
Então enganei-me? exclamou a moça com estranho arrebatamento. O senhor ama-me
sinceramente e não se casou comigo por interesse?
Seixas
demorou um instante o olhar no semblante da moça, que estava suspensa de seus
lábios, para beber-lhe as palavras:
—
Não, senhora, não enganou-se, disse afinal com o mesmo tom frio e inflexível.
Vendi-me; pertenço-lhe. A senhora teve o mau gosto de comprar um marido
aviltado; aqui o tem como o desejou. Podia ter feito de um caráter, talvez
gasto pela educação, um homem de bem, que se enobrecesse com sua afeição;
preferiu um escravo branco; estava em seu direito, pagava com seu dinheiro, e pagava
generosamente. Esse escravo aqui o tem; é seu marido, porém nada mais do que
seu marido!
O
rubor afogueou as faces de Aurélia, ouvindo essa palavra acentuada pelo
sarcasmo de Seixas.
—
Ajustei-me por cem contos de réis; continuou Fernando; foi pouco, mas o mercado
está concluído. Recebi como sinal da compra vinte contos de réis; falta-me
arrecadar o resto do preço, que a senhora acaba de pagar-me.
O
moço curvou-se para apanhar o cheque. Leu com atenção o algarismo, e dobrando
lentamente o papel, guardou-o no bolso do rico chambre de gorgorão azul.
—
Quer que lhe passe um recibo?... Não; confia na minha palavra. Não é seguro.
Enfim estou pago. O escravo entra em serviço.
Soltando
estas palavras com pasmosa volubilidade, que parecia indicar o requinte da impudência,
Fernando sentou-se outra vez defronte da mulher.
—
Espero suas ordens.
Aurélia,
que até esse momento escutara com ansiedade, perscrutando sôfrega no semblante
do marido e através de suas palavras um sintoma de indignação, disfarçada por
aquele desgarro, cobriu com as mãos o rosto abrasado de vergonha.
— Meu
Deus!
A
moça tragou o soluço que lhe sublevava o seio, e refugiando-se no outro canto
do sofá, como se receasse o contágio do homem a quem se unira pela eternidade,
abismou-se na voragem de sua consciência revolta.
Após
longo trato, Aurélia, como se despertasse de um pesadelo, ergueu os olhos e
encontrando de novo o semblante de Seixas que a observava com um sossego
escarninho, teve um enérgico assomo de repulsão, ou antes de asco.
—
Minha presença a está incomodando? Porque assim o quer. Não é, senhora? Não tem
direito de mandar? Ordene, que eu me retiro.
— Oh!
sim, deixe-me! exclamou Aurélia. O senhor me causa horror.
—
Devia examinar o objeto que comprava, para não arrepender-se!
Seixas
atravessou a câmara nupcial, e desapareceu por essa porta que uma hora antes
ele entrara cheio de vida e de felicidade, palpitante de júbilo e emoção, e que
repassava levando a morte na alma.
Quando
Aurélia ouviu o som dos seus passos que afastavam-se pelo corredor,
precipitou-se com um arremesso de terror e deu volta à chave. Depois quis
fugir, mas arrastou uns passos trôpegos, e caiu sem sentidos sobre o tapete.
Iracema: a virgem dos lábios de mel
(José de Alencar)
Capítulo II
Além, muito além daquela serra, que
ainda azula no horizonte, nasceu Iracema.
Iracema, a virgem dos lábios de mel,
que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu
talhe de palmeira.
O favo da jati não era doce como seu
sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.
Mais rápida que a ema selvagem, a
morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira
tribo da grande nação tabajara, o pé grácil e nu, mal roçando alisava apenas a
verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas.
Um dia, ao pino do sol, ela repousava
em um claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica, mais fresca
do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre
os úmidos cabelos. Escondidos na folhagem os pássaros ameigavam o canto.
Iracema saiu do banho; o aljôfar
d'água ainda a roreja, como à doce mangaba que corou em manhã de chuva Enquanto
repousa, empluma das penas do gará as flechas de seu arco, e concerta com o
sabiá da mata, pousado no galho próximo, o canto agreste.
A graciosa ará, sua companheira e
amiga, brinca junto dela. Às vezes sobe aos ramos da árvore e de lá chama a
virgem pelo nome; outras remexe o uru te palha matizada, onde traz a selvagem
seus perfumes, os alvos fios do crautá, as agulhas da juçara com que tece a
renda, e as tintas de que matiza o algodão.
Rumor suspeito quebra a doce harmonia
da sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista
perturba-se.
Diante dela e todo a contemplá-la,
está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da
floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o azul
triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo.
Foi rápido, como o olhar, o gesto de
Iracema. A flecha embebida no arco partiu. Gotas de sangue borbulham na face do
desconhecido.
De primeiro ímpeto, a mão lesta caiu
sobre a cruz da espada, mas logo sorriu. O moço guerreiro aprendeu na religião
de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor. Sofreu mais d'alma que
da ferida.
O sentimento que ele pôs nos olhos e
no rosto, não o sei eu. Porém a virgem lançou de si o arco e a uiraçaba, e
correu para o guerreiro, sentida da mágoa que causara.
A mão que rápida ferira, estancou
mais rápida e compassiva o sangue que gotejava. Depois Iracema quebrou a flecha
homicida: deu a haste ao desconhecido, guardando consigo a ponta farpada.
O guerreiro falou:
—Quebras comigo a flecha da paz?
—Quem te ensinou, guerreiro branco, a
linguagem de meus irmãos? Donde vieste a estas matas, que nunca viram outro
guerreiro como tu ?
—Venho de bem longe, filha das
florestas. Venho das terras que teus irmãos já possuíram, e hoje têm os meus.
—Bem-vindo seja o estrangeiro aos
campos dos tabajaras, senhores das aldeias, e à cabana de Araquém, pai de
Iracema.
REALISMO / NATURALISMO NO BRASIL
O Realismo e O Naturalismo brasileiros tiveram início,
oficialmente, em 1881: o primeiro com a publicação de Memórias Póstumas
de Brás Cubas, de Machado de Assis e o segundo com O Mulato, de
Aluísio Azevedo publicado quando o autor tinha apenas 20 anos.
Machado de Assis
·
Microrrealismo
·
Denúncia
da mediocridade humana
·
Considerações
filosóficas sobre a natureza humana
·
Análise
psicológica
·
Pessimismo
niilista
·
Anulação
da existência
·
Digressão,
cronologia não linear
·
Capítulos
curtos
·
Conversação
com o leitor
·
Anticlímax
Aluísio Azevedo
·
Maior expressão do Naturalismo brasileiro
·
Principal obra: O cortiço
·
Determinismo científico (universo conectado por
relações de causa e efeito)
·
Positivismo (defende a ideia de que o conhecimento científico é a única
forma de conhecimento verdadeiro.)
·
Espaços degradados
·
Romance de tese ( Isso fica claro em romances e contos, nos quais as personagens
são o resultado da sua descendência e das condições em que vivem. Condicionadas
pela situação.)
·
Gosto pelo coletivo e pelas aglomerações humanas
·
Predomínio do instinto sobre a razão
·
Focalização dos aspectos desagradáveis da natureza
humana
Raul Pompeia
·
Principal obra: O Ateneu
·
Influência de vários estilos: Realismo,
Naturalismo, Impressionismo e Expressionismo
·
Crítica à sociedade e ao sistema educacional falido
·
Determinismo
(Acreditava-se que os
acontecimentos e atitudes eram decorrentes ou condicionados pelo meio físico.)
·
Gosto pelo coletivo
·
Ateneu (colégio) = microcosmo (pequeno universo)
·
Obra de tons autobiográficos
LEITURA
Memórias Póstumas de Brás Cubas (Machado de Assis)
CAPÍTULO I
Óbito do Autor
Algum tempo hesitei se devia abrir estas
memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu
nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento,
duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu
não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa
foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais
novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no introito, mas no
cabo; diferença radical entre este livro e o Pentateuco.
Dito isto, expirei às duas horas da
tarde de uma sexta-feira do mês de agosto de 1869, na minha bela chácara de
Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos e prósperos, era solteiro,
possuía cerca de trezentos contos e fui acompanhado ao cemitério por onze
amigos. Onze amigos! Verdade é que não houve cartas nem anúncios. Acresce que
chovia — peneirava — uma chuvinha miúda, triste e constante, tão constante e
tão triste, que levou um daqueles fiéis da última hora a intercalar esta engenhosa
ideia no discurso que proferiu à beira de minha cova: — "Vós, que o
conhecestes, meus senhores, vós podeis dizer comigo que a natureza parece estar
chorando a perda irreparável de um dos mais belos caracteres que tem honrado a
humanidade. Este ar sombrio, estas gotas do céu, aquelas nuvens escuras que
cobrem o azul como um crepe funéreo, tudo isso é a dor crua e má que lhe rói à
natureza as mais íntimas entranhas; tudo isso é um sublime louvor ao nosso
ilustre finado."
Bom e fiel amigo! Não, não me arrependo
das vinte apólices que lhe deixei. E foi assim que cheguei à cláusula dos meus
dias; foi assim que me encaminhei para o undiscovered country de
Hamlet, sem as ânsias nem as dúvidas do moço príncipe, mas pausado e trôpego,
como quem se retira tarde do espetáculo. Tarde e aborrecido. Viram-me ir umas
nove ou dez pessoas, entre elas três senhoras, minha irmã Sabina, casada com o
Cotrim, — a filha, um lírio-do-vale, — e... Tenham paciência! daqui a pouco
lhes direi quem era a terceira senhora. Contentem-se de saber que essa anônima,
ainda que não parenta, padeceu mais do que as parentas. É verdade, padeceu
mais. Não digo que se carpisse, não digo que se deixasse rolar pelo chão,
convulsa. Nem o meu óbito era coisa altamente dramática... Um solteirão que expira
aos sessenta e quatro anos, não parece que reúna em si todos os elementos de
uma tragédia. E dado que sim, o que menos convinha a essa anônima era
aparentá-lo. De pé, à cabeceira da cama, com os olhos estúpidos, a boca
entreaberta, a triste senhora mal podia crer na minha extinção.
— Morto! morto! dizia consigo.
É a imaginação dela, como as cegonhas
que um ilustre viajante viu desferirem o voo desde o Ilisso às ribas africanas,
sem embargo das ruínas e dos tempos, — a imaginação dessa senhora também voou
por sobre os destroços presentes até às ribas de uma África juvenil... Deixá-la
ir; lá iremos mais tarde; lá iremos quando eu me restituir aos primeiros anos.
Agora, quero morrer tranquilamente, metodicamente, ouvindo os soluços das
damas, as falas baixas dos homens, a chuva que tamborila nas folhas de tinhorão
da chácara, e o som estrídulo de uma navalha que um amolador está afiando lá
fora, à porta de um correeiro. Juro-lhes que essa orquestra da morte foi muito
menos triste do que podia parecer. De certo ponto em diante chegou a ser
deliciosa. A vida estrebuchava-me no peito, com uns ímpetos de vaga marinha,
esvaía-se-me a consciência, eu descia à imobilidade física e moral, e o corpo
fazia-se-me planta, e pedra, e lodo, e coisa nenhuma.
Morri de uma pneumonia; mas se lhe
disser que foi menos a pneumonia, do que uma ideia grandiosa e útil, a causa da
minha morte, é possível que o leitor me não creia, e todavia é verdade. Vou
expor-lhe sumariamente o caso. Julgue-o por si mesmo.
CAPÍTULO II
O emplasto
Com efeito, um dia de manhã, estando a passear
na chácara, pendurou-se-me uma ideia no trapézio que eu tinha no cérebro. Uma
vez pendurada, entrou a bracejar, a pernear, a fazer as mais arrojadas
cabriolas de volatim, que é possível crer. Eu deixei-me estar a contemplá-la.
Súbito, deu um grande salto, estendeu os braços e as pernas, até tomar a forma
de um X: decifra-me ou devoro-te.
Essa ideia era nada menos que a
invenção de um medicamento sublime, um emplasto anti-hipocondríaco, destinado a
aliviar a nossa melancólica humanidade. Na petição de privilégio que então
redigi, chamei a atenção do governo para esse resultado, verdadeiramente
cristão. Todavia, não neguei aos amigos as vantagens pecuniárias que deviam
resultar da distribuição de um produto de tamanhos e tão profundos efeitos.
Agora, porém, que estou cá do outro lado da vida, posso confessar tudo: o que
me influiu principalmente foi o gosto de ver impressas nos jornais,
mostradores, folhetos, esquinas, e enfim nas caixinhas do remédio, estas três
palavras: Emplasto Brás Cubas. Para que negá-lo? Eu tinha a paixão
do arruído, do cartaz, do foguete de lágrimas. Talvez os modestos me arguam
esse defeito; fio, porém, que esse talento me hão de reconhecer os hábeis.
Assim, a minha ideia trazia duas faces,
como as medalhas, uma virada para o público, outra para mim. De um lado,
filantropia e lucro; de outro lado, sede de nomeada. Digamos: — amor da glória.
Um tio meu, cônego de prebenda inteira,
costumava dizer que o amor da glória temporal era a perdição das almas, que só
devem cobiçar a glória eterna. Ao que retorquia outro tio, oficial de um dos
antigos terços de infantaria, que o amor da glória era a coisa mais
verdadeiramente humana que há no homem, e, conseguintemente, a sua mais genuína
feição.
Decida o leitor entre o militar e o
cônego; eu volto ao emplasto.
CAPÍTULO IV
A
ideia fixa
A minha idéia, depois de tantas
cabriolas, constituíra-se ideia fixa. Deus te livre, leitor, de uma ideia fixa;
antes um argueiro, antes uma trave no olho. Vê o Cavour; foi a ideia fixa da unidade
italiana que o matou. Verdade é que Bismarck não morreu; mas cumpre advertir
que a natureza é uma grande caprichosa e a história uma eterna loureira.
Por exemplo, Suetônio deu-nos um
Cláudio, que era um simplório, — ou "uma abóbora" como lhe chamou
Sêneca, e um Tito, que mereceu ser as delícias de Roma. Veio modernamente um
professor e achou meio de demonstrar que dos dois césares, o delicioso, o
verdadeiramente delicioso, foi o "abóbora" de Sêneca. E tu, madama
Lucrécia, flor dos Bórgias, se um poeta te pintou como a Messalina católica,
apareceu um Gregorovius incrédulo que te apagou muito essa qualidade, e, se não
vieste a lírio, também não ficaste pântano. Eu deixo-me estar entre o poeta e o
sábio.
Viva pois a história, a volúvel
história que dá para tudo; e, tomando à ideia fixa, direi que é ela a que faz
os varões fortes e os doidos; a ideia móbil, vaga ou furta-cor é a que faz os
Cláudios, — fórmula Suetônio.
Era fixa a minha ideia, fixa como...
Não me ocorre nada que seja assaz fixo nesse mundo: talvez a lua, talvez as
pirâmides do Egito, talvez a finada dieta germânica. Veja o leitor a comparação
que melhor lhe quadrar, veja-a e não esteja daí a torcer-me o nariz, só porque
ainda não chegamos à parte narrativa destas memórias. Lá iremos. Creio que
prefere a anedota à reflexão, como os outros leitores, seus confrades, e acho
que faz muito bem. Pois lá iremos. Todavia, importa dizer que este livro é
escrito com pachorra, com a pachorra de um homem já desafrontado da brevidade
do século, obra supinamente filosófica, de uma filosofia desigual, agora
austera, logo brincalhona, coisa que não edifica nem destrói, não inflama nem
regela, e é todavia mais do que passatempo e menos do que apostolado.
Vamos lá; retifique o seu nariz, e
tornemos ao emplasto. Deixemos a história com os seus caprichos de dama
elegante. Nenhum de nós pelejou a batalha de Salamina, nenhum escreveu a
confissão de Augsburgo; pela minha parte, se alguma vez me lembro de Cromwell,
é só pela ideia de que Sua Alteza, com a mesma mão que trancara o parlamento,
teria imposto aos ingleses o emplasto Brás Cubas. Não se riam dessa vitória
comum da farmácia e do puritanismo. Quem não sabe que ao pé de cada bandeira
grande, pública, ostensiva, há muitas vezes várias outras bandeiras modestamente
particulares, que se hasteiam e flutuam à sombra daquela, e não poucas vezes
lhe sobrevivem? Mal comparando, é como a arraia-miúda, que se acolhia à sombra
do castelo-feudal; caiu este e a arraia ficou. Verdade é que se fez graúda e
castelã... Não, a comparação não presta.
CAPÍTULO
LV
O velho
diálogo de Adão e Eva
Brás Cubas...?
Virgília......
Brás Cubas.............................
. . . . . . . . .
Virgília..................!
Brás Cubas...............
Virgília..........................................................................................................
.................................................................. ?
...................................................................
....................................................................................................................................
Brás Cubas.....................
Virgília.......
Brás Cubas
..............................................................................................................................................
.........................................................................................!...........................!...........................................................!
Virgília.......................................?
Brás Cubas.....................!
Virgília.....................!
O cortiço (Aluísio Azevedo)
Capítulo
III
Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava,
abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas.
Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma
assentada sete horas de chumbo. Como que se sentiam ainda na indolência de neblina
as derradeiras notas da última guitarra da noite antecedente, dissolvendo-se à
luz loura e tenra da aurora, que nem um suspiro de saudade perdido em terra
alheia.
A roupa lavada, que ficara de véspera nos
coradouros, umedecia o ar e punha-lhe um farto acre de sabão ordinário. As
pedras do chão, esbranquiçadas no lugar da lavagem e em alguns pontos azuladas
pelo anil, mostravam uma palidez grisalha e triste, feita de acumulações de
espumas secas.
Entretanto, das portas surgiam cabeças
congestionadas de sono; ouviam-se amplos bocejos, fortes como o marulhar das
ondas; pigarreava-se grosso por toda a parte; começavam as xícaras a tilintar;
o cheiro quente do café aquecia, suplantando todos os outros; trocavam-se de
janela para janela as primeiras palavras, os bons-dias; reatavam-se
conversas interrompidas à noite; a pequenada cá fora traquinava já, e lá dentro
das casas vinham choros abafados de crianças que ainda não andam. No confuso
rumor que se formava, destacavam-se risos, sons de vozes que altercavam, sem se
saber onde, grasnar de marrecos, cantar de galos, cacarejar de galinhas. De
alguns quartos saiam mulheres que vinham pendurar cá fora, na parede, a gaiola
do papagaio, e os louros, à semelhança dos donos, cumprimentavam-se
ruidosamente, espanejando-se à luz nova do dia.
Daí a pouco, em volta das bicas era um zunzum
crescente; uma aglomeração tumultuosa de machos e fêmeas. Uns, após outros,
lavavam a cara, incomodamente, debaixo do fio de água que escorria da altura de
uns cinco palmos. O chão inundava-se. As mulheres precisavam já prender as
saias entre as coxas para não as molhar; via-se-lhes a tostada nudez dos braços
e do pescoço, que elas despiam, suspendendo o cabelo todo para o alto do casco;
os homens, esses não se preocupavam em não molhar o pelo, ao contrário metiam a
cabeça bem debaixo da água e esfregavam com força as ventas e as barbas,
fossando e fungando contra as palmas da mão. As portas das latrinas não
descansavam, era um abrir e fechar de cada instante, um entrar e sair sem
tréguas. Não se demoravam lá dentro e vinham ainda amarrando as calças ou as
saias; as crianças não se davam ao trabalho de lá ir, despachavam-se ali mesmo,
no capinzal dos fundos, por detrás da estalagem ou no recanto das hortas.
O rumor crescia, condensando-se; o zunzum de todos
os dias acentuava-se; já se não destacavam vozes dispersas, mas um só ruído
compacto que enchia todo o cortiço. Começavam a fazer compras na venda;
ensarilhavam-se discussões e resingas; ouviam-se gargalhadas e pragas; já se
não falava, gritava-se. Sentia-se naquela fermentação sanguínea, naquela gula
viçosa de plantas rasteiras que mergulham os pés vigorosos na lama preta e
nutriente da vida, o prazer animal de existir, a triunfante satisfação de
respirar sobre a terra.
Da porta da venda que dava para o cortiço iam e
vinham como formigas; fazendo compras.
[...]
O Ateneu (Raul Pompeia)
Capítulo I
"Vais
encontrar o mundo, disse-me meu pai, à porta do Ateneu. Coragem para a
luta." Bastante experimentei depois a verdade deste aviso, que me despia,
num gesto, das ilusões de criança educada exoticamente na estufa de carinho que
é o regime do amor doméstico, diferente do que se encontra fora, tão diferente,
que parece o poema dos cuidados maternos um artifício sentimental, com a
vantagem única de fazer mais sensível a criatura à impressão rude do primeiro
ensinamento, têmpera brusca da vitalidade na influência de um novo clima
rigoroso. Lembramo-nos, entretanto, com saudade hipócrita, dos felizes tempos;
como se a mesma incerteza de hoje, sob outro aspecto, não nos houvesse
perseguido outrora e não viesse de longe a enfiada das decepções que nos
ultrajam.
Eufemismo,
os felizes tempos, eufemismo apenas, igual aos outros que nos alimentam, a
saudade dos dias que correram como melhores. Bem considerando, a atualidade é a
mesma em todas as datas. Feita a compensação dos desejos que variam, das
aspirações que se transformam, alentadas perpetuamente do mesmo ardor, sobre a
mesma base fantástica de esperanças, a atualidade é uma. Sob a coloração
cambiante das horas, um pouco de ouro mais pela manhã, um pouco mais de púrpura
ao crepúsculo — a paisagem é a mesma de cada lado beirando a estrada da vida.
Eu
tinha onze anos.
[...]
PARNASIANISMO
O parnasianismo é
uma escola literária ou um movimento literário essencialmente poético,
contemporâneo do Realismo-Naturalismo. Um estilo de época que se desenvolveu
na poesia a partir
de 1850, na França, com o
objetivo de retomar a cultura clássica.
Movimento literário
que se originou na França, representou na poesia o espírito positivista e
científico da época, surgindo no século XIX em oposição ao romantismo.
Nasceu com a
publicação de uma série de poesias, precedendo de
algumas décadas o simbolismo uma vez que os seus autores procuravam recuperar
os valores estéticos da antiguidade clássica. O seu nome vem do Monte Parnaso, a montanha que, na mitologia
grega era consagrada a Apolo e às musas.
Principais características
do Parnasianismo no Brasil:
·
Retorno ao mundo grego clássico;
·
Gosto pela descrição;
·
Retomada de valores clássicos: razão, materialismo, universalismo,
temas mitológicos, equilíbrio, harmonia;
·
“Arte pela arte”: a arte visa ao belo;
·
Grande preocupação formal: rima e métrica perfeitas; preciosismo
vocabular;
·
Impessoalidade;
·
Preferência por sonetos.
Principais
autores: Olavo Bilac, Raimundo
Correia e Alberto de Oliveira (Trindade Parnasiana), além de Vicente de
Carvalho.
Profissão de fé
(Olavo Bilac)
[...]