FACULDADE KURIOS / FAK / ANGICAL-PI
PROFESSORA
ESPECIALISTA: ÉLLIDA VERIDIANE
DISCIPLINA:
LITERATURA BRASILEIRA I
CURSO: 2ª LICENCIATURA / LETRAS PORTUGUÊS
CURSO: 2ª LICENCIATURA / LETRAS PORTUGUÊS
ROMANTISMO (POESIA E PROSA)
REALISMO/NATURALISMO
PARNASIANISMO
SIMBOLISMO
Romantismo
O romantismo foi
um movimento artístico, político e filosófico surgido
nas últimas décadas do século XVIII na Europa que durou
por grande parte do século XIX. Caracterizou-se como uma visão de mundo contrária
ao racionalismo e ao iluminismo e buscou um nacionalismo que
viria a consolidar os estados nacionais na Europa.
Inicialmente apenas
uma atitude, um estado de espírito, o romantismo toma mais tarde a forma de um
movimento, e o espírito romântico passa a designar toda uma
visão de mundo centrada no indivíduo. Os autores
românticos voltaram-se cada vez mais para si mesmos, retratando o drama humano,
amores trágicos, ideais utópicos e desejos de escapismo. Se o século XVIII
foi marcado pela objetividade, pelo iluminismo e pela razão, o início do século XIX seria marcado pelo lirismo,
pela subjetividade, pela emoção e
pelo eu.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Romantismo
Características
POESIA ROMÂNTICA BRASILEIRA
·
Afirmação da nacionalidade brasileira;
·
Influência da literatura estrangeira em razão da
chegada da corte portuguesa ao Brasil e do maior contato com artistas
estrangeiros;
·
Exaltação do exotismo da paisagem e dos habitantes
primitivos do Brasil.
Primeira geração romântica brasileira –
exaltação dos indígenas e do exotismo da paisagem (idealizados). Principais
poetas: Gonçalves Dias e Gonçalves de Magalhães.
Segunda geração romântica brasileira –
Ultrarromantismo, Mal do Século, ou Byronismo – geração de poetas
ultrarromânticos, influenciados pelas obras de Lord Byron. Principais poetas:
Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Junqueira Freire e Fagundes Varela.
Terceira geração romântica brasileira –
poesia de combate social, hugoana, ou condoreira. Principal poeta: Castro
Alves.
LEITURA
“I-Juca-Pirama”
CANTO IV
Meu canto de morte
Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros, descendo
Da tribo tupi.
Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci;
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.
Já vi cruas brigas,
De tribos imigas,
E as duras fadigas
Da guerra provei;
Nas ondas mendaces
Senti pelas faces
Os silvos fugaces
Dos ventos que amei.
Andei longes terras
Lidei cruas guerras,
Vaguei pelas serras
Dos vis Aimorés;
Vi lutas de bravos,
Vi fortes — escravos!
De estranhos ignavos
Calcados aos pés.
E os campos talados,
E os arcos quebrados,
E os piagas coitados
Já sem maracás;
E os meigos cantores,
Servindo a senhores,
Que vinham traidores,
Com mostras de paz.
Aos golpes do inimigo,
Meu último amigo,
Sem lar, sem abrigo
Caiu junto a mim!
Com plácido rosto,
Sereno e composto,
O acerbo desgosto
Comigo sofri.
Meu pai a meu lado
Já cego e quebrado,
De penas ralado,
Firmava-se em mi:
Nós ambos, mesquinhos,
Por ínvios caminhos,
Cobertos d'espinhos
Chegamos aqui!
O velho no entanto
Sofrendo já tanto
De fome e quebranto,
Só qu'ria morrer!
Não mais me contenho,
Nas matas me embrenho,
Das frechas que tenho
Me quero valer.
Então, forasteiro,
Caí prisioneiro
De um troço guerreiro
Com que me encontrei:
O cru dessossego
Do pai fraco e cego,
Enquanto não chego
Qual seja, — dizei!
Eu era o seu guia
Na noite sombria,
A só alegria
Que Deus lhe deixou:
Em mim se apoiava,
Em mim se firmava,
Em mim descansava,
Que filho lhe sou.
Ao velho coitado
De penas ralado,
Já cego e quebrado,
Que resta? — Morrer.
Enquanto descreve
O giro tão breve
Da vida que teve,
Deixai-me viver!
Não vil, não ignavo,
Mas forte, mas bravo,
Serei vosso escravo:
Aqui virei ter.
Guerreiros, não coro
Do pranto que choro:
Se a vida deploro,
Também sei morrer.
(Poemas de Gonçalves Dias. Seleção de Péricles Eugênio da Silva Ramos. Rio de Janeiro: Ediouro, s.d. p. 119-122.)
CANTO VIII
" Tu choraste em presença da morte?
Na presença de estranhos choraste?
Não descende o cobarde do forte;
Pois choraste, meu filho não és!
Possas tu, descendente maldito
De uma tribo de nobres guerreiros,
Implorando cruéis forasteiros,
Seres presa de vis Aimorés.
"Possas tu, isolado na terra,
Sem arrimo e sem pátria vagando,
Rejeitado da morte na guerra,
Rejeitado dos homens na paz,
Ser das gentes o espectro execrado;
Não encontres amor nas mulheres,
Teus amigos, se amigos tiveres,
Tenham alma inconstante e falaz!
"Não encontres doçura no dia,
Nem as cores da aurora te ameiguem,
E entre as larvas da noite sombria
Nunca possas descanso gozar:
Não encontres um tronco, uma pedra,
Posta ao sol, posta às chuvas e aos ventos,
Padecendo os maiores tormentos,
Onde possas a fronte pousar.
"Que a teus passos a relva se torre;
Murchem prados, a flor desfaleça,
E o regato que límpido corre,
Mais te acenda o vesano furor;
Suas águas depressa se tornem,
Ao contacto dos lábios sedentos,
Lago impuro de vermes nojentos,
Donde fujas com asco e terror!
"Sempre o céu, como um teto incendido,
Creste e punja teus membros malditos
E oceano de pó denegrido
Seja a terra ao ignavo tupi!
Miserável, faminto, sedento,
Manitôs lhe não falem nos sonhos,
E do horror os espectros medonhos
Traga sempre o cobarde após si.
"Um amigo não tenhas piedoso
Que o teu corpo na terra embalsame,
Pondo em vaso d'argila cuidoso
Arco e frecha e tacape a teus pés!
Sê maldito, e sozinho na terra;
Pois que a tanta vileza chegaste,
Que em presença da morte choraste,
Tu, cobarde, meu filho não és."
DIAS, Gonçalves. Poesias. Rio de Janeiro: Agir, 1969. (Nossos Clássicos)
[...]
Oh! ter
vinte anos sem gozar de leve
A ventura de uma alma de donzela!
E sem na vida ter sentido nunca
Na suave atração de um róseo corpo
Meus olhos turvos se fechar de gozo!
Oh! nos meus sonhos, pelas noites minhas
Passam tantas visões sobre meu peito!
Palor de febre meu semblante cobre,
Bate meu coração com tanto fogo!
Um doce nome os lábios meus suspiram,
Um nome de mulher... e vejo lânguida
No véu suave de amorosas sombras
Seminua, abatida, a mão no seio,
Perfumada visão romper a nuvem,
Sentar-se junto a mim, nas minhas pálpebras
O alento fresco e leve como a vida
Passar delicioso... Que delírios!
Acordo palpitante... inda a procuro;
Embalde a chamo, embalde as minhas lágrimas
Banham meus olhos, e suspiro e gemo...
Imploro uma ilusão... tudo é silêncio!
Só o leito deserto, a sala muda!
Amorosa visão, mulher dos sonhos,
Eu sou tão infeliz, eu sofro tanto!
Nunca virás iluminar meu peito
Com um raio de luz desses teus olhos? [...]
A ventura de uma alma de donzela!
E sem na vida ter sentido nunca
Na suave atração de um róseo corpo
Meus olhos turvos se fechar de gozo!
Oh! nos meus sonhos, pelas noites minhas
Passam tantas visões sobre meu peito!
Palor de febre meu semblante cobre,
Bate meu coração com tanto fogo!
Um doce nome os lábios meus suspiram,
Um nome de mulher... e vejo lânguida
No véu suave de amorosas sombras
Seminua, abatida, a mão no seio,
Perfumada visão romper a nuvem,
Sentar-se junto a mim, nas minhas pálpebras
O alento fresco e leve como a vida
Passar delicioso... Que delírios!
Acordo palpitante... inda a procuro;
Embalde a chamo, embalde as minhas lágrimas
Banham meus olhos, e suspiro e gemo...
Imploro uma ilusão... tudo é silêncio!
Só o leito deserto, a sala muda!
Amorosa visão, mulher dos sonhos,
Eu sou tão infeliz, eu sofro tanto!
Nunca virás iluminar meu peito
Com um raio de luz desses teus olhos? [...]
Álvares de Azevedo. Lira
dos vinte anos.
O texto que segue, a parte IV de
"O navio negreiro", é a descrição do que se via no interior de um
navio negreiro. Perceba a capacidade de Castro Alves em nos fazer ver a cena,
como se estivéssemos num teatro.
Era um sonho dantesco...
O tombadilho,
Que das luzernas avermelha o brilho,
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar do açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras, moças... mas nuas, espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs.
E ri-se a orquestra, irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Se o velho arqueja... se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...
Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece...
Outro, que de martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!
No entanto o capitão manda a manobra.
E após, fitando o céu que se desdobra
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..."
E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais!
Qual num sonho dantesco as sombras voam!...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!..
Que das luzernas avermelha o brilho,
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar do açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras, moças... mas nuas, espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs.
E ri-se a orquestra, irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Se o velho arqueja... se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...
Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece...
Outro, que de martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!
No entanto o capitão manda a manobra.
E após, fitando o céu que se desdobra
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..."
E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais!
Qual num sonho dantesco as sombras voam!...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!..
açoite: chicote.
arquejar: ofegar.
dantesco: relativo às cenas de horríveis narradas por Dante Alighieri em sua obra Divina comédia, na parte em que descreve o inferno.
luzernas: clarões.
tombadilho: alojamento do navio.
turbilhão: redemoinho.
vãs: inúteis, sem valor.
A prosa romântica brasileira pode ser
dividida em:
·
Prosa social-urbana: tem como cenário
os centros urbanos, retratando o cotidiano burguês.
·
Prosa indianista: apresenta o
indígena como protagonista, retratando com fortíssimos traços éticos e morais
do cavaleiro medieval europeu.
·
Prosa regionalista: busca retratar
usos, costumes, paisagens e, em alguns casos, os falares típicos de determinada
região.
·
Prosa histórica: retrata o passado
histórico brasileiro, buscando resgatar as origens da nação.
Principais autores:
José de Alencar, Joaquim Manuel de Macedo, Manuel Antônio de Almeida, Visconde
de Taunay, Bernardo Guimarães, Franklin Távora e Martins Pena.
LEITURA
Senhora ( José de Alencar)
Primeira
parte – O preço
Capítulo XIII
[...]
—
Como tardaste, Aurélia! disse ele queixoso.
—
Tinha um voto a cumprir; quis emancipar-me logo de uma vez para pertencer toda
a meu único senhor; respondeu a moça galanteando.
— Não
me mates de felicidade, Aurélia! Que posso eu mais desejar neste mundo do que
viver a teus pés, adorando-te, pois que és a minha divindade na terra.
Seixas
ajoelhou aos pés da noiva; tomou-lhe as mãos que ela não retirava; e modulou o
seu canto de amor, essa ode sublime do coração, que só as mulheres entendem,
como somente as mães percebem o balbuciar do filho.
A
moça com o talhe languidamente recostado no espaldar da cadeira, a fronte
reclinada, os olhos coalhados em uma ternura maviosa, escutava as falas de seu
marido; toda ela se embebia dos eflúvios de amor, de que ele a repassava com a
palavra ardente, o olhar rendido, e o gesto apaixonado.
— É
então verdade que me ama?
—
Pois duvida, Aurélia?
— E
amou-me sempre, desde o primeiro dia que nos vimos?
— Não
lho disse já?
—
Então nunca amou a outra?
— Eu
lhe juro, Aurélia. Estes lábios nunca tocaram a face de outra mulher, que não
fosse minha mãe. O meu primeiro beijo de amor, guardei-o para minha esposa,
para ti...
Soerguendo-se
para alcançar-lhe a face, não viu Seixas a súbita mutação que se havia operado
na fisionomia de sua noiva.
Aurélia
estava lívida, e a sua beleza, radiante há pouco, se marmorizara.
— Ou
de outra mais rica!... disse ela retraindo-se para fugir ao beijo do marido, e
afastando-o com a ponta dos dedos.
A voz
da moça tomara o timbre cristalino, eco da rispidez e aspereza do sentimento
que lhe sublevava o seio, e que parecia ringir-lhe nos lábios como aço.
—
Aurélia! Que significa isto?
—
Representamos uma comédia, na qual ambos desempenhamos o nosso papel com
perícia consumada. Podemos ter este orgulho, que os melhores atores não nos
excederiam. Mas é tempo de pôr termo a esta cruel mistificação, com que nos
estamos escarnecendo mutuamente, senhor. Entremos na realidade por mais triste
que ela seja; e resigne-se cada um ao que é, eu, uma mulher traída; o senhor,
um homem vendido.
—
Vendido! exclamou Seixas ferido dentro d’alma.
—
Vendido, sim: não tem outro nome. Sou rica, muito rica; sou milionária;
precisava de um marido, traste indispensável às mulheres honestas. O senhor
estava no mercado; comprei-o. Custou-me cem contos de réis, foi barato; não se
fez valer. Eu daria o dobro, o triplo, toda a minha riqueza por este momento.
Aurélia
proferiu estas palavras desdobrando um papel, no qual Seixas reconheceu a
obrigação por ele passada ao Lemos.
Não
se pode exprimir o sarcasmo que salpicava dos lábios da moça; nem a indignação
que vazava dessa alma profundamente revolta, no olhar implácavel com que ela
flagelava o semblante do marido.
Seixas,
trespassado pelo cruel insulto, arremessado do êxtase da felicidade a esse
abismo de humilhação, a princípio ficara atônito. Depois quando os assomos da
irritação vinham sublevando-lhe a alma, recalcou-os esse poderoso sentimento do
respeito à mulher, que raro abandona o homem de fina educação.
Penetrado
da impossibilidade de retribuir o ultraje à senhora a quem havia amado,
escutava imóvel, cogitando no que lhe cumpria fazer; se matá-la a ela, matar-se
a si, ou matar a ambos.
Aurélia
como se lhe adivinhasse o pensamento, esteve por algum tempo afrontando-o com
inexorável desprezo.
—
Agora, meu marido, se quer saber a razão por que o comprei de preferência a
qualquer outro, vou dizê-la; e peço-lhe que me não interrompa. Deixe-me vazar o
que tenho dentro desta alma, e que há um ano a está amargurando e consumindo.
A
moça apontou a Seixas uma cadeira próxima.
—
Sente-se, meu marido.
Com
que tom acerbo e excruciante lançou a moça esta frase meu marido, que nos seus
lábios ríspidos acerava-se como um dardo ervado de cáustica ironia!
Seixas
sentou-se.
Dominava-o
a estranha fascinação dessa mulher, e ainda mais a situação incrível a que fora
arrastado.
Segunda parte – Quitação
Capítulo IX
Tornemos
à câmara nupcial, onde se representa a primeira cena do drama original, de que
apenas conhecemos o prólogo.
Os dois
atores ainda conservam a mesma posição em que os deixamos. Fernando Seixas
obedecendo automaticamente a Aurélia, sentara-se, e fitava na moça um olhar
estupefato. A moça arrastou uma cadeira e colocou-se em face do marido, cujas
faces crestava o seu hálito abrasado.
— Não
careço dizer-lhe que amor foi o meu, e que adoração lhe votou minha alma desde
o primeiro momento em que o encontrei. Sabe o senhor, e se o ignora, sua
presença aqui nesta ocasião já lhe revelou. Para que uma mulher sacrifique
assim todo seu futuro, como eu fiz, é preciso que a existência se tornasse para
ela um deserto, onde não resta senão o cadáver do homem que a assolou para
sempre.
Aurélia
calcou a mão sobre o seio para comprimir a emoção que a ia dominando.
— O
senhor não retribuiu meu amor e nem o compreendeu. Supôs que eu lhe dava apenas
a preferência entre outros namorados, e o escolhia para herói dos meus
romances, até aparecer algum casamento, que o senhor, moço honesto, estimaria
para colher à sombra o fruto de suas flores poéticas. Bem vê que eu o distingo
dos outros, que ofereciam brutalmente, mas com franqueza e sem rebuço, a
perdição e a vergonha.
Seixas
abaixou a cabeça.
—
Conheci que não amava-me, como eu desejava e merecia ser amada. Mas não era sua
a culpa e só minha que não soube inspirar-lhe a paixão, que eu sentia. Mais
tarde, o senhor retirou-me essa mesma afeição com que me consolava e
transportou-a para outra, em quem não podia encontrar o que eu lhe dera, um
coração virgem e cheio de paixão com que o adorava. Entretanto, ainda tive
forças para perdoar-lhe e amá-lo.
A
moça agitou então a fronte com uma vibração altiva:
— Mas
o senhor não me abandonou pelo amor de Adelaide e sim por seu dote, um
mesquinho dote de trinta contos! Eis o que não tinha o direito de fazer, e que
jamais lhe podia perdoar! Desprezasse-me embora, mas não descesse da altura em
que o havia colocado dentro de minha alma. Eu tinha um ídolo; o senhor abateu-o
de seu pedestal, e atirou-o no pó. Essa degradação do homem a quem eu adorava, eis
o seu crime; a sociedade não tem leis para puni-lo, mas há um remorso para ele.
Não se assassina assim um coração que Deus criou para amar, incutindo-lhe a
descrença e o ódio.
Seixas,
que tinha curvado a fronte, ergueu-a de novo, e fitou os olhos na moça.
Conservava ainda as feições contraídas, e gotas de suor borbulhavam na raiz de
seus belos cabelos negros.
— A
riqueza que Deus me concedeu chegou tarde; nem ao menos permitiu-me o prazer da
ilusão, que têm as mulheres enganadas. Quando a recebi, já conhecia o mundo e
suas misérias; já sabia que a moça rica é um arranjo e não uma esposa; pois
bem, disse eu, essa riqueza servirá para dar-me a única satisfação que ainda
posso ter neste mundo. Mostrar a esse homem que não me soube compreender, que
mulher o amava, e que alma perdeu. Entretanto ainda eu afagava uma esperança.
Se ele recusa nobremente a proposta aviltante, eu irei lançar-me a seus pés.
Suplicar-lhe-ei que aceite a minha riqueza, que a dissipe se quiser;
consinta-me que eu o ame. Essa última consolação, o senhor a arrebatou. Que me
restava? Outrora atava-se o cadáver ao homicida, para expiação da culpa; o
senhor matou-me o coração, era justo que o prendesse ao despojo de sua vítima.
Mas não desespere, o suplício não pode ser longo: este constante martírio a que
estamos condenados acabará por extinguir-me o último alento; o senhor ficará
livre e rico.
Proferidas
as últimas palavras com um acento de indefinível irrisão, a moça tirou o papel
que trazia passado à cinta, e abriu-o diante dos olhos de Seixas. Era um cheque
de oitenta contos sobre o Banco do Brasil.
— É
tempo de concluir o mercado. Dos cem contos de réis, em que o senhor avaliou-se
já recebeu vinte; aqui tem os oitenta que faltavam. Estamos quites, e posso
chamá-lo meu; meu marido, pois é este o nome de convenção.
A
moça estendeu o papel que sua mão crispada amarrotava convulsamente. Seixas
permaneceu imóvel como uma estátua; apenas duas plicas profundas sulcaram-lhe
as faces desde o canto dos olhos até à comissura dos lábios.
Afinal
o papel escapou-se dos dedos trêmulos da moça e caiu sobre o tapete aos pés de
Fernando.
Seguiu-se
um momento de silêncio ou antes de estupor. Aurélia irritava-se contra a
invencível mudez de Seixas, e talvez a atribuía a uma cínica insensibilidade
moral. Pensava exacerbar os nobres estímulos de um homem ainda capaz de
reabilitar-se da fragilidade a que fora arrastado, e achava um indivíduo tão
embotado já em seu pudor que não se revoltava contra a maior das humilhações.
Aurélia
soltou dos lábios um estrídulo, antes do que um sorriso.
—
Agora podemos continuar a nossa comédia, para divertir-nos. É melhor do que
estarmos aqui mudos em face um do outro. Tome a sua posição, meu marido;
ajoelhe-se aqui a meus pés, e venha dar-me seu primeiro beijo de amor... Porque
o senhor ama-me, não é verdade, e nunca amou outra mulher senão a mim?...
Seixas
ergueu-se; sua voz afinal desprendeu-se dos lábios calma, porém fremente:
—
Não; não a amo.
— Ah!
— É
verdade que a amei; mas a senhora acaba de esmagar a seus pés esse amor; aí fica
ele para sempre sepultado na abjeção a que o arremessou. Eu só a amaria agora,
se a quisesse insultar; pois que maior afronta pode fazer a uma senhora um
miserável, do que marcando-a com o estigma de sua paixão. Mas fique tranquila;
ainda quando me dominasse a cólera, que não sinto, há uma vingança que não
teria forças para exercer; é essa de amá-la.
Aurélia
ergueu-se impetuosamente.
—
Então enganei-me? exclamou a moça com estranho arrebatamento. O senhor ama-me
sinceramente e não se casou comigo por interesse?
Seixas
demorou um instante o olhar no semblante da moça, que estava suspensa de seus
lábios, para beber-lhe as palavras:
—
Não, senhora, não enganou-se, disse afinal com o mesmo tom frio e inflexível.
Vendi-me; pertenço-lhe. A senhora teve o mau gosto de comprar um marido
aviltado; aqui o tem como o desejou. Podia ter feito de um caráter, talvez
gasto pela educação, um homem de bem, que se enobrecesse com sua afeição;
preferiu um escravo branco; estava em seu direito, pagava com seu dinheiro, e pagava
generosamente. Esse escravo aqui o tem; é seu marido, porém nada mais do que
seu marido!
O
rubor afogueou as faces de Aurélia, ouvindo essa palavra acentuada pelo
sarcasmo de Seixas.
—
Ajustei-me por cem contos de réis; continuou Fernando; foi pouco, mas o mercado
está concluído. Recebi como sinal da compra vinte contos de réis; falta-me
arrecadar o resto do preço, que a senhora acaba de pagar-me.
O
moço curvou-se para apanhar o cheque. Leu com atenção o algarismo, e dobrando
lentamente o papel, guardou-o no bolso do rico chambre de gorgorão azul.
—
Quer que lhe passe um recibo?... Não; confia na minha palavra. Não é seguro.
Enfim estou pago. O escravo entra em serviço.
Soltando
estas palavras com pasmosa volubilidade, que parecia indicar o requinte da impudência,
Fernando sentou-se outra vez defronte da mulher.
—
Espero suas ordens.
Aurélia,
que até esse momento escutara com ansiedade, perscrutando sôfrega no semblante
do marido e através de suas palavras um sintoma de indignação, disfarçada por
aquele desgarro, cobriu com as mãos o rosto abrasado de vergonha.
— Meu
Deus!
A
moça tragou o soluço que lhe sublevava o seio, e refugiando-se no outro canto
do sofá, como se receasse o contágio do homem a quem se unira pela eternidade,
abismou-se na voragem de sua consciência revolta.
Após
longo trato, Aurélia, como se despertasse de um pesadelo, ergueu os olhos e
encontrando de novo o semblante de Seixas que a observava com um sossego
escarninho, teve um enérgico assomo de repulsão, ou antes de asco.
—
Minha presença a está incomodando? Porque assim o quer. Não é, senhora? Não tem
direito de mandar? Ordene, que eu me retiro.
— Oh!
sim, deixe-me! exclamou Aurélia. O senhor me causa horror.
—
Devia examinar o objeto que comprava, para não arrepender-se!
Seixas
atravessou a câmara nupcial, e desapareceu por essa porta que uma hora antes
ele entrara cheio de vida e de felicidade, palpitante de júbilo e emoção, e que
repassava levando a morte na alma.
Quando
Aurélia ouviu o som dos seus passos que afastavam-se pelo corredor,
precipitou-se com um arremesso de terror e deu volta à chave. Depois quis
fugir, mas arrastou uns passos trôpegos, e caiu sem sentidos sobre o tapete.
Iracema: a virgem dos lábios de mel
(José de Alencar)
Capítulo II
Além, muito além daquela serra, que
ainda azula no horizonte, nasceu Iracema.
Iracema, a virgem dos lábios de mel,
que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu
talhe de palmeira.
O favo da jati não era doce como seu
sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.
Mais rápida que a ema selvagem, a
morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira
tribo da grande nação tabajara, o pé grácil e nu, mal roçando alisava apenas a
verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas.
Um dia, ao pino do sol, ela repousava
em um claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica, mais fresca
do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre
os úmidos cabelos. Escondidos na folhagem os pássaros ameigavam o canto.
Iracema saiu do banho; o aljôfar
d'água ainda a roreja, como à doce mangaba que corou em manhã de chuva Enquanto
repousa, empluma das penas do gará as flechas de seu arco, e concerta com o
sabiá da mata, pousado no galho próximo, o canto agreste.
A graciosa ará, sua companheira e
amiga, brinca junto dela. Às vezes sobe aos ramos da árvore e de lá chama a
virgem pelo nome; outras remexe o uru te palha matizada, onde traz a selvagem
seus perfumes, os alvos fios do crautá, as agulhas da juçara com que tece a
renda, e as tintas de que matiza o algodão.
Rumor suspeito quebra a doce harmonia
da sesta. Ergue a virgem os olhos, que o sol não deslumbra; sua vista
perturba-se.
Diante dela e todo a contemplá-la,
está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da
floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o azul
triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo.
Foi rápido, como o olhar, o gesto de
Iracema. A flecha embebida no arco partiu. Gotas de sangue borbulham na face do
desconhecido.
De primeiro ímpeto, a mão lesta caiu
sobre a cruz da espada, mas logo sorriu. O moço guerreiro aprendeu na religião
de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor. Sofreu mais d'alma que
da ferida.
O sentimento que ele pôs nos olhos e
no rosto, não o sei eu. Porém a virgem lançou de si o arco e a uiraçaba, e
correu para o guerreiro, sentida da mágoa que causara.
A mão que rápida ferira, estancou
mais rápida e compassiva o sangue que gotejava. Depois Iracema quebrou a flecha
homicida: deu a haste ao desconhecido, guardando consigo a ponta farpada.
O guerreiro falou:
—Quebras comigo a flecha da paz?
—Quem te ensinou, guerreiro branco, a
linguagem de meus irmãos? Donde vieste a estas matas, que nunca viram outro
guerreiro como tu ?
—Venho de bem longe, filha das
florestas. Venho das terras que teus irmãos já possuíram, e hoje têm os meus.
—Bem-vindo seja o estrangeiro aos
campos dos tabajaras, senhores das aldeias, e à cabana de Araquém, pai de
Iracema.
REALISMO / NATURALISMO NO BRASIL
O Realismo e O Naturalismo brasileiros tiveram início,
oficialmente, em 1881: o primeiro com a publicação de Memórias Póstumas
de Brás Cubas, de Machado de Assis e o segundo com O Mulato, de
Aluísio Azevedo publicado quando o autor tinha apenas 20 anos.
Machado de Assis
·
Microrrealismo
·
Denúncia
da mediocridade humana
·
Considerações
filosóficas sobre a natureza humana
·
Análise
psicológica
·
Pessimismo
niilista
·
Anulação
da existência
·
Digressão,
cronologia não linear
·
Capítulos
curtos
·
Conversação
com o leitor
·
Anticlímax
Aluísio Azevedo
·
Maior expressão do Naturalismo brasileiro
·
Principal obra: O cortiço
·
Determinismo científico (universo conectado por
relações de causa e efeito)
·
Positivismo (defende a ideia de que o conhecimento científico é a única
forma de conhecimento verdadeiro.)
·
Espaços degradados
·
Romance de tese ( Isso fica claro em romances e contos, nos quais as personagens
são o resultado da sua descendência e das condições em que vivem. Condicionadas
pela situação.)
·
Gosto pelo coletivo e pelas aglomerações humanas
·
Predomínio do instinto sobre a razão
·
Focalização dos aspectos desagradáveis da natureza
humana
Raul Pompeia
·
Principal obra: O Ateneu
·
Influência de vários estilos: Realismo,
Naturalismo, Impressionismo e Expressionismo
·
Crítica à sociedade e ao sistema educacional falido
·
Determinismo
(Acreditava-se que os
acontecimentos e atitudes eram decorrentes ou condicionados pelo meio físico.)
·
Gosto pelo coletivo
·
Ateneu (colégio) = microcosmo (pequeno universo)
·
Obra de tons autobiográficos
LEITURA
Memórias Póstumas de Brás Cubas (Machado de Assis)
CAPÍTULO I
Óbito do Autor
Algum tempo hesitei se devia abrir estas
memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu
nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento,
duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu
não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa
foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais
novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no introito, mas no
cabo; diferença radical entre este livro e o Pentateuco.
Dito isto, expirei às duas horas da
tarde de uma sexta-feira do mês de agosto de 1869, na minha bela chácara de
Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos e prósperos, era solteiro,
possuía cerca de trezentos contos e fui acompanhado ao cemitério por onze
amigos. Onze amigos! Verdade é que não houve cartas nem anúncios. Acresce que
chovia — peneirava — uma chuvinha miúda, triste e constante, tão constante e
tão triste, que levou um daqueles fiéis da última hora a intercalar esta engenhosa
ideia no discurso que proferiu à beira de minha cova: — "Vós, que o
conhecestes, meus senhores, vós podeis dizer comigo que a natureza parece estar
chorando a perda irreparável de um dos mais belos caracteres que tem honrado a
humanidade. Este ar sombrio, estas gotas do céu, aquelas nuvens escuras que
cobrem o azul como um crepe funéreo, tudo isso é a dor crua e má que lhe rói à
natureza as mais íntimas entranhas; tudo isso é um sublime louvor ao nosso
ilustre finado."
Bom e fiel amigo! Não, não me arrependo
das vinte apólices que lhe deixei. E foi assim que cheguei à cláusula dos meus
dias; foi assim que me encaminhei para o undiscovered country de
Hamlet, sem as ânsias nem as dúvidas do moço príncipe, mas pausado e trôpego,
como quem se retira tarde do espetáculo. Tarde e aborrecido. Viram-me ir umas
nove ou dez pessoas, entre elas três senhoras, minha irmã Sabina, casada com o
Cotrim, — a filha, um lírio-do-vale, — e... Tenham paciência! daqui a pouco
lhes direi quem era a terceira senhora. Contentem-se de saber que essa anônima,
ainda que não parenta, padeceu mais do que as parentas. É verdade, padeceu
mais. Não digo que se carpisse, não digo que se deixasse rolar pelo chão,
convulsa. Nem o meu óbito era coisa altamente dramática... Um solteirão que expira
aos sessenta e quatro anos, não parece que reúna em si todos os elementos de
uma tragédia. E dado que sim, o que menos convinha a essa anônima era
aparentá-lo. De pé, à cabeceira da cama, com os olhos estúpidos, a boca
entreaberta, a triste senhora mal podia crer na minha extinção.
— Morto! morto! dizia consigo.
É a imaginação dela, como as cegonhas
que um ilustre viajante viu desferirem o voo desde o Ilisso às ribas africanas,
sem embargo das ruínas e dos tempos, — a imaginação dessa senhora também voou
por sobre os destroços presentes até às ribas de uma África juvenil... Deixá-la
ir; lá iremos mais tarde; lá iremos quando eu me restituir aos primeiros anos.
Agora, quero morrer tranquilamente, metodicamente, ouvindo os soluços das
damas, as falas baixas dos homens, a chuva que tamborila nas folhas de tinhorão
da chácara, e o som estrídulo de uma navalha que um amolador está afiando lá
fora, à porta de um correeiro. Juro-lhes que essa orquestra da morte foi muito
menos triste do que podia parecer. De certo ponto em diante chegou a ser
deliciosa. A vida estrebuchava-me no peito, com uns ímpetos de vaga marinha,
esvaía-se-me a consciência, eu descia à imobilidade física e moral, e o corpo
fazia-se-me planta, e pedra, e lodo, e coisa nenhuma.
Morri de uma pneumonia; mas se lhe
disser que foi menos a pneumonia, do que uma ideia grandiosa e útil, a causa da
minha morte, é possível que o leitor me não creia, e todavia é verdade. Vou
expor-lhe sumariamente o caso. Julgue-o por si mesmo.
CAPÍTULO II
O emplasto
Com efeito, um dia de manhã, estando a passear
na chácara, pendurou-se-me uma ideia no trapézio que eu tinha no cérebro. Uma
vez pendurada, entrou a bracejar, a pernear, a fazer as mais arrojadas
cabriolas de volatim, que é possível crer. Eu deixei-me estar a contemplá-la.
Súbito, deu um grande salto, estendeu os braços e as pernas, até tomar a forma
de um X: decifra-me ou devoro-te.
Essa ideia era nada menos que a
invenção de um medicamento sublime, um emplasto anti-hipocondríaco, destinado a
aliviar a nossa melancólica humanidade. Na petição de privilégio que então
redigi, chamei a atenção do governo para esse resultado, verdadeiramente
cristão. Todavia, não neguei aos amigos as vantagens pecuniárias que deviam
resultar da distribuição de um produto de tamanhos e tão profundos efeitos.
Agora, porém, que estou cá do outro lado da vida, posso confessar tudo: o que
me influiu principalmente foi o gosto de ver impressas nos jornais,
mostradores, folhetos, esquinas, e enfim nas caixinhas do remédio, estas três
palavras: Emplasto Brás Cubas. Para que negá-lo? Eu tinha a paixão
do arruído, do cartaz, do foguete de lágrimas. Talvez os modestos me arguam
esse defeito; fio, porém, que esse talento me hão de reconhecer os hábeis.
Assim, a minha ideia trazia duas faces,
como as medalhas, uma virada para o público, outra para mim. De um lado,
filantropia e lucro; de outro lado, sede de nomeada. Digamos: — amor da glória.
Um tio meu, cônego de prebenda inteira,
costumava dizer que o amor da glória temporal era a perdição das almas, que só
devem cobiçar a glória eterna. Ao que retorquia outro tio, oficial de um dos
antigos terços de infantaria, que o amor da glória era a coisa mais
verdadeiramente humana que há no homem, e, conseguintemente, a sua mais genuína
feição.
Decida o leitor entre o militar e o
cônego; eu volto ao emplasto.
CAPÍTULO IV
A
ideia fixa
A minha idéia, depois de tantas
cabriolas, constituíra-se ideia fixa. Deus te livre, leitor, de uma ideia fixa;
antes um argueiro, antes uma trave no olho. Vê o Cavour; foi a ideia fixa da unidade
italiana que o matou. Verdade é que Bismarck não morreu; mas cumpre advertir
que a natureza é uma grande caprichosa e a história uma eterna loureira.
Por exemplo, Suetônio deu-nos um
Cláudio, que era um simplório, — ou "uma abóbora" como lhe chamou
Sêneca, e um Tito, que mereceu ser as delícias de Roma. Veio modernamente um
professor e achou meio de demonstrar que dos dois césares, o delicioso, o
verdadeiramente delicioso, foi o "abóbora" de Sêneca. E tu, madama
Lucrécia, flor dos Bórgias, se um poeta te pintou como a Messalina católica,
apareceu um Gregorovius incrédulo que te apagou muito essa qualidade, e, se não
vieste a lírio, também não ficaste pântano. Eu deixo-me estar entre o poeta e o
sábio.
Viva pois a história, a volúvel
história que dá para tudo; e, tomando à ideia fixa, direi que é ela a que faz
os varões fortes e os doidos; a ideia móbil, vaga ou furta-cor é a que faz os
Cláudios, — fórmula Suetônio.
Era fixa a minha ideia, fixa como...
Não me ocorre nada que seja assaz fixo nesse mundo: talvez a lua, talvez as
pirâmides do Egito, talvez a finada dieta germânica. Veja o leitor a comparação
que melhor lhe quadrar, veja-a e não esteja daí a torcer-me o nariz, só porque
ainda não chegamos à parte narrativa destas memórias. Lá iremos. Creio que
prefere a anedota à reflexão, como os outros leitores, seus confrades, e acho
que faz muito bem. Pois lá iremos. Todavia, importa dizer que este livro é
escrito com pachorra, com a pachorra de um homem já desafrontado da brevidade
do século, obra supinamente filosófica, de uma filosofia desigual, agora
austera, logo brincalhona, coisa que não edifica nem destrói, não inflama nem
regela, e é todavia mais do que passatempo e menos do que apostolado.
Vamos lá; retifique o seu nariz, e
tornemos ao emplasto. Deixemos a história com os seus caprichos de dama
elegante. Nenhum de nós pelejou a batalha de Salamina, nenhum escreveu a
confissão de Augsburgo; pela minha parte, se alguma vez me lembro de Cromwell,
é só pela ideia de que Sua Alteza, com a mesma mão que trancara o parlamento,
teria imposto aos ingleses o emplasto Brás Cubas. Não se riam dessa vitória
comum da farmácia e do puritanismo. Quem não sabe que ao pé de cada bandeira
grande, pública, ostensiva, há muitas vezes várias outras bandeiras modestamente
particulares, que se hasteiam e flutuam à sombra daquela, e não poucas vezes
lhe sobrevivem? Mal comparando, é como a arraia-miúda, que se acolhia à sombra
do castelo-feudal; caiu este e a arraia ficou. Verdade é que se fez graúda e
castelã... Não, a comparação não presta.
CAPÍTULO
LV
O velho
diálogo de Adão e Eva
Brás Cubas...?
Virgília......
Brás Cubas.............................
. . . . . . . . .
Virgília..................!
Brás Cubas...............
Virgília..........................................................................................................
.................................................................. ?
...................................................................
....................................................................................................................................
Brás Cubas.....................
Virgília.......
Brás Cubas
..............................................................................................................................................
.........................................................................................!...........................!...........................................................!
Virgília.......................................?
Brás Cubas.....................!
Virgília.....................!
O cortiço (Aluísio Azevedo)
Capítulo
III
Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava,
abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas.
Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma
assentada sete horas de chumbo. Como que se sentiam ainda na indolência de neblina
as derradeiras notas da última guitarra da noite antecedente, dissolvendo-se à
luz loura e tenra da aurora, que nem um suspiro de saudade perdido em terra
alheia.
A roupa lavada, que ficara de véspera nos
coradouros, umedecia o ar e punha-lhe um farto acre de sabão ordinário. As
pedras do chão, esbranquiçadas no lugar da lavagem e em alguns pontos azuladas
pelo anil, mostravam uma palidez grisalha e triste, feita de acumulações de
espumas secas.
Entretanto, das portas surgiam cabeças
congestionadas de sono; ouviam-se amplos bocejos, fortes como o marulhar das
ondas; pigarreava-se grosso por toda a parte; começavam as xícaras a tilintar;
o cheiro quente do café aquecia, suplantando todos os outros; trocavam-se de
janela para janela as primeiras palavras, os bons-dias; reatavam-se
conversas interrompidas à noite; a pequenada cá fora traquinava já, e lá dentro
das casas vinham choros abafados de crianças que ainda não andam. No confuso
rumor que se formava, destacavam-se risos, sons de vozes que altercavam, sem se
saber onde, grasnar de marrecos, cantar de galos, cacarejar de galinhas. De
alguns quartos saiam mulheres que vinham pendurar cá fora, na parede, a gaiola
do papagaio, e os louros, à semelhança dos donos, cumprimentavam-se
ruidosamente, espanejando-se à luz nova do dia.
Daí a pouco, em volta das bicas era um zunzum
crescente; uma aglomeração tumultuosa de machos e fêmeas. Uns, após outros,
lavavam a cara, incomodamente, debaixo do fio de água que escorria da altura de
uns cinco palmos. O chão inundava-se. As mulheres precisavam já prender as
saias entre as coxas para não as molhar; via-se-lhes a tostada nudez dos braços
e do pescoço, que elas despiam, suspendendo o cabelo todo para o alto do casco;
os homens, esses não se preocupavam em não molhar o pelo, ao contrário metiam a
cabeça bem debaixo da água e esfregavam com força as ventas e as barbas,
fossando e fungando contra as palmas da mão. As portas das latrinas não
descansavam, era um abrir e fechar de cada instante, um entrar e sair sem
tréguas. Não se demoravam lá dentro e vinham ainda amarrando as calças ou as
saias; as crianças não se davam ao trabalho de lá ir, despachavam-se ali mesmo,
no capinzal dos fundos, por detrás da estalagem ou no recanto das hortas.
O rumor crescia, condensando-se; o zunzum de todos
os dias acentuava-se; já se não destacavam vozes dispersas, mas um só ruído
compacto que enchia todo o cortiço. Começavam a fazer compras na venda;
ensarilhavam-se discussões e resingas; ouviam-se gargalhadas e pragas; já se
não falava, gritava-se. Sentia-se naquela fermentação sanguínea, naquela gula
viçosa de plantas rasteiras que mergulham os pés vigorosos na lama preta e
nutriente da vida, o prazer animal de existir, a triunfante satisfação de
respirar sobre a terra.
Da porta da venda que dava para o cortiço iam e
vinham como formigas; fazendo compras.
[...]
O Ateneu (Raul Pompeia)
Capítulo I
"Vais
encontrar o mundo, disse-me meu pai, à porta do Ateneu. Coragem para a
luta." Bastante experimentei depois a verdade deste aviso, que me despia,
num gesto, das ilusões de criança educada exoticamente na estufa de carinho que
é o regime do amor doméstico, diferente do que se encontra fora, tão diferente,
que parece o poema dos cuidados maternos um artifício sentimental, com a
vantagem única de fazer mais sensível a criatura à impressão rude do primeiro
ensinamento, têmpera brusca da vitalidade na influência de um novo clima
rigoroso. Lembramo-nos, entretanto, com saudade hipócrita, dos felizes tempos;
como se a mesma incerteza de hoje, sob outro aspecto, não nos houvesse
perseguido outrora e não viesse de longe a enfiada das decepções que nos
ultrajam.
Eufemismo,
os felizes tempos, eufemismo apenas, igual aos outros que nos alimentam, a
saudade dos dias que correram como melhores. Bem considerando, a atualidade é a
mesma em todas as datas. Feita a compensação dos desejos que variam, das
aspirações que se transformam, alentadas perpetuamente do mesmo ardor, sobre a
mesma base fantástica de esperanças, a atualidade é uma. Sob a coloração
cambiante das horas, um pouco de ouro mais pela manhã, um pouco mais de púrpura
ao crepúsculo — a paisagem é a mesma de cada lado beirando a estrada da vida.
Eu
tinha onze anos.
[...]
PARNASIANISMO
O parnasianismo é
uma escola literária ou um movimento literário essencialmente poético,
contemporâneo do Realismo-Naturalismo. Um estilo de época que se desenvolveu
na poesia a partir
de 1850, na França, com o
objetivo de retomar a cultura clássica.
Movimento literário
que se originou na França, representou na poesia o espírito positivista e
científico da época, surgindo no século XIX em oposição ao romantismo.
Nasceu com a
publicação de uma série de poesias, precedendo de
algumas décadas o simbolismo uma vez que os seus autores procuravam recuperar
os valores estéticos da antiguidade clássica. O seu nome vem do Monte Parnaso, a montanha que, na mitologia
grega era consagrada a Apolo e às musas.
Principais características
do Parnasianismo no Brasil:
·
Retorno ao mundo grego clássico;
·
Gosto pela descrição;
·
Retomada de valores clássicos: razão, materialismo, universalismo,
temas mitológicos, equilíbrio, harmonia;
·
“Arte pela arte”: a arte visa ao belo;
·
Grande preocupação formal: rima e métrica perfeitas; preciosismo
vocabular;
·
Impessoalidade;
·
Preferência por sonetos.
Principais
autores: Olavo Bilac, Raimundo
Correia e Alberto de Oliveira (Trindade Parnasiana), além de Vicente de
Carvalho.
Profissão de fé
(Olavo Bilac)
[...]
Invejo o ourives quando
escrevo:
Imito o amor
Com que ele, em ouro, o alto relevo
Faz de uma flor.
Imito-o. E, pois, nem de Carrara
A pedra firo:
O alvo cristal, a pedra rara,
O ônix prefiro.
Por isso, corre, por servir-me,
Sobre o papel
A pena, como em prata firme
Corre o cinzel.
Corre; desenha, enfeita a imagem,
A ideia veste:
Cinge-lhe ao corpo a ampla roupagem
Azul-celeste.
Torce, aprimora, alteia, lima
A frase; e, enfim,
No verso de ouro engasta a rima,
Como um rubim.
Quero que a estrofe cristalina,
Dobrada ao jeito
Do ourives, saia da oficina
Sem um defeito:
E que o lavor do verso, acaso,
Por tão subtil,
Possa o lavor lembrar de um vaso
De Becerril.
E horas sem conto passo, mudo,
O olhar atento,
A trabalhar, longe de tudo
O pensamento.
Porque o escrever - tanta perícia,
Tanta requer,
Que oficio tal... nem há notícia
De outro qualquer.
Assim procedo. Minha pena
Segue esta norma,
Por te servir, Deusa serena,
Serena Forma!
Imito o amor
Com que ele, em ouro, o alto relevo
Faz de uma flor.
Imito-o. E, pois, nem de Carrara
A pedra firo:
O alvo cristal, a pedra rara,
O ônix prefiro.
Por isso, corre, por servir-me,
Sobre o papel
A pena, como em prata firme
Corre o cinzel.
Corre; desenha, enfeita a imagem,
A ideia veste:
Cinge-lhe ao corpo a ampla roupagem
Azul-celeste.
Torce, aprimora, alteia, lima
A frase; e, enfim,
No verso de ouro engasta a rima,
Como um rubim.
Quero que a estrofe cristalina,
Dobrada ao jeito
Do ourives, saia da oficina
Sem um defeito:
E que o lavor do verso, acaso,
Por tão subtil,
Possa o lavor lembrar de um vaso
De Becerril.
E horas sem conto passo, mudo,
O olhar atento,
A trabalhar, longe de tudo
O pensamento.
Porque o escrever - tanta perícia,
Tanta requer,
Que oficio tal... nem há notícia
De outro qualquer.
Assim procedo. Minha pena
Segue esta norma,
Por te servir, Deusa serena,
Serena Forma!
[...]
Via Láctea (Olavo
Bilac)
Soneto XIII
“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Soneto XIII
“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste
o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto…
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto…
E
conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis
agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”
E eu vos
direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas”.
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas”.
http://tapeteliterario.blogspot.com.br/2017/06/via-lactea-soneto-xiii-e-nel-mezzo-del.html
Nel
mezzo del camin... (Olavo Bilac)
“Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E a alma de sonhos povoada eu tinha…
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E a alma de sonhos povoada eu tinha…
E paramos de súbito na estrada
Da vida: longos anos, presa à minha
A tua mão, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar continha.
Da vida: longos anos, presa à minha
A tua mão, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar continha.
Hoje, segues de novo… Na partida
Nem o pranto os teus olhos umedece,
Nem te comove a dor da despedida.
Nem o pranto os teus olhos umedece,
Nem te comove a dor da despedida.
E eu, solitário, volto a face, e
tremo,
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho extremo.”
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho extremo.”
As pombas
(
Raimundo Correia)
Vai-se a primeira pomba despertada...
Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada...
Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada...
E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada...
Sopra, aos pombais de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada...
Também dos corações onde abotoam,
Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;
Os sonhos, um por um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;
No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais...
Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais...
Vaso grego
Alberto de Oliveira
Esta de áureos relevos,
trabalhada
De divas mãos, brilhante copa, um dia,
Já de aos deuses servir como cansada,
Vinda do Olimpo, a um novo deus servia.
Era o poeta de Teos que a suspendia
Então, e, ora repleta ora esvazada,
A taça amiga aos dedos seus tinia,
Toda de roxas pétalas colmada.
Depois... Mas o lavor da taça admira,
Toca-a, e do ouvido aproximando-a, às bordas
Finas hás de lhe ouvir, canora e doce,
Ignota voz, qual se da antiga lira
Fosse a encantada música das cordas,
Qual se essa voz de Anacreonte fosse.
De divas mãos, brilhante copa, um dia,
Já de aos deuses servir como cansada,
Vinda do Olimpo, a um novo deus servia.
Era o poeta de Teos que a suspendia
Então, e, ora repleta ora esvazada,
A taça amiga aos dedos seus tinia,
Toda de roxas pétalas colmada.
Depois... Mas o lavor da taça admira,
Toca-a, e do ouvido aproximando-a, às bordas
Finas hás de lhe ouvir, canora e doce,
Ignota voz, qual se da antiga lira
Fosse a encantada música das cordas,
Qual se essa voz de Anacreonte fosse.
© ALBERTO
DE OLIVEIRA
In Sonetos e poemas, 1886
In Sonetos e poemas, 1886
SIMBOLISMO
Simbolismo é um movimento literário da poesia
e das outras artes que surgiu na França, no final
do século XIX, como oposição ao realismo, ao naturalismo e
ao positivismo da época. Movido pelos ideais românticos, estendendo
suas raízes à literatura, aos palcos teatrais, às artes plásticas. Não sendo considerado uma escola literária, teve suas
origens de As Flores do
Mal, do poeta Charles
Baudelaire.
Principais características do Simbolismo:
·
Simbolismo no Brasil: início em 1893, com Missal e Broquéis, de Cruz e Sousa.
·
Contexto do decadentismo do fim do século XIX.
·
Busca do inconsciente; predomínio da sugestão sobre
a descrição; solidão; subjetividade; hermetismo; imagens noturnas; temática da
libertação na morte, na loucura e no sonho; misticismo; inovação na
expressividade formal dos poemas, no uso das maiúsculas iniciais, das
reticências e de outros recursos gráficos; musicalidade; sinestesia; uso de
símbolos para representar impressões subjetivas.
Principais
autores no Brasil: Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens.
Antífona (Cruz e Sousa)
Ó Formas alvas, brancas, Formas claras
De luares, de neves, de neblinas!
Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas...
Incensos dos turíbulos das aras
Formas do Amor, constelarmante puras,
De Virgens e de Santas vaporosas...
Brilhos errantes, mádidas frescuras
E dolências de lírios e de rosas ...
Indefiníveis músicas supremas,
Harmonias da Cor e do Perfume...
Horas do Ocaso, trêmulas, extremas,
Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume...
De luares, de neves, de neblinas!
Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas...
Incensos dos turíbulos das aras
Formas do Amor, constelarmante puras,
De Virgens e de Santas vaporosas...
Brilhos errantes, mádidas frescuras
E dolências de lírios e de rosas ...
Indefiníveis músicas supremas,
Harmonias da Cor e do Perfume...
Horas do Ocaso, trêmulas, extremas,
Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume...
Visões, salmos e cânticos serenos,
Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes...
Dormências de volúpicos venenos
Sutis e suaves, mórbidos, radiantes...
Infinitos espíritos dispersos,
Inefáveis, edênicos, aéreos,
Fecundai o Mistério destes versos
Com a chama ideal de todos os mistérios.
Do Sonho as mais azuis diafaneidades
Que fuljam, que na Estrofe se levantem
E as emoções, todas as castidades
Da alma do Verso, pelos versos cantem.
Surdinas de órgãos flébeis, soluçantes...
Dormências de volúpicos venenos
Sutis e suaves, mórbidos, radiantes...
Infinitos espíritos dispersos,
Inefáveis, edênicos, aéreos,
Fecundai o Mistério destes versos
Com a chama ideal de todos os mistérios.
Do Sonho as mais azuis diafaneidades
Que fuljam, que na Estrofe se levantem
E as emoções, todas as castidades
Da alma do Verso, pelos versos cantem.
Que o pólen de ouro dos mais finos astros
Fecunde e inflame a rima clara e ardente...
Que brilhe a correção dos alabastros
Sonoramente, luminosamente.
Forças originais, essência, graça
De carnes de mulher, delicadezas...
Todo esse eflúvio que por ondas passa
Do Éter nas róseas e áureas correntezas...
Cristais diluídos de clarões alacres,
Desejos, vibrações, ânsias, alentos
Fulvas vitórias, triunfamentos acres,
Os mais estranhos estremecimentos...
Flores negras do tédio e flores vagas
De amores vãos, tantálicos, doentios...
Fundas vermelhidões de velhas chagas
Em sangue, abertas, escorrendo em rios...
Tudo! vivo e nervoso e quente e forte,
Nos turbilhões quiméricos do Sonho,
Passe, cantando, ante o perfil medonho
E o tropel cabalístico da Morte..
Fecunde e inflame a rima clara e ardente...
Que brilhe a correção dos alabastros
Sonoramente, luminosamente.
Forças originais, essência, graça
De carnes de mulher, delicadezas...
Todo esse eflúvio que por ondas passa
Do Éter nas róseas e áureas correntezas...
Cristais diluídos de clarões alacres,
Desejos, vibrações, ânsias, alentos
Fulvas vitórias, triunfamentos acres,
Os mais estranhos estremecimentos...
Flores negras do tédio e flores vagas
De amores vãos, tantálicos, doentios...
Fundas vermelhidões de velhas chagas
Em sangue, abertas, escorrendo em rios...
Tudo! vivo e nervoso e quente e forte,
Nos turbilhões quiméricos do Sonho,
Passe, cantando, ante o perfil medonho
E o tropel cabalístico da Morte..
Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.
No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.
No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...
E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...
E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...
As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...
E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...
As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
Oliveira, Clenir Bellezi de. Literatura em contexto: a arte
literária luso-brasileira; 1. Ed. São Paulo: FTD, 2012.
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