Marabá, de Rodolfo
Amoedo. 1882.
Marabá - Gonçalves Dias
Eu vivo sozinha; ninguém me
procura!
Acaso feitura
Não sou de Tupá?
Se algum dentre os homens de mim não se esconde,
— Tu és, me responde,
— Tu és Marabá!
— Meus olhos são garços, são cor das safiras,
— Têm luz das estrelas, têm meigo brilhar;
— Imitam as nuvens de um céu anilado,
— As cores imitam das vagas do mar!
Se algum dos guerreiros não foge a meus passos:
"Teus olhos são garços,
Responde anojado; "mas és Marabá:
"Quero antes uns olhos bem pretos, luzentes,
"Uns olhos fulgentes,
"Bem pretos, retintos, não cor d'anajá!"
— É alvo meu rosto da alvura dos lírios,
— Da cor das areias batidas do mar;
— As aves mais brancas, as conchas mais puras
— Não têm mais alvura, não têm mais brilhar.
Se ainda me escuta meus agros delírios:
"És alva de lírios",
Sorrindo responde; "mas és Marabá:
"Quero antes um rosto de jambo corado,
"Um rosto crestado
"Do sol do deserto, não flor de cajá."
— Meu colo de leve se encurva engraçado,
— Como hástea pendente do cáctus em flor;
— Mimosa, indolente, resvalo no prado,
— Como um soluçado suspiro de amor! —
"Eu amo a estatura flexível, ligeira,
"Qual duma palmeira,
Então me responde; "tu és Marabá:
"Quero antes o colo da ema orgulhosa,
"Que pisa vaidosa,
"Que as flóreas campinas governa, onde está."
— Meus loiros cabelos em ondas se anelam,
— O oiro mais puro não tem seu fulgor;
— As brisas nos bosques de os ver se enamoram,
— De os ver tão formosos como um beija-flor!
Mas eles respondem: "Teus longos cabelos,
"São loiros, são belos,
"Mas são anelados; tu és Marabá:
"Quero antes cabelos, bem lisos, corridos,
"Cabelos compridos,
"Não cor d'oiro fino, nem cor d'anajá."
E as doces palavras que eu tinha cá dentro
A quem nas direi?
O ramo d'acácia na fronte de um homem
Jamais cingirei:
Jamais um guerreiro da minha arazoia
Me desprenderá:
Eu vivo sozinha, chorando mesquinha,
Que sou Marabá!
Acaso feitura
Não sou de Tupá?
Se algum dentre os homens de mim não se esconde,
— Tu és, me responde,
— Tu és Marabá!
— Meus olhos são garços, são cor das safiras,
— Têm luz das estrelas, têm meigo brilhar;
— Imitam as nuvens de um céu anilado,
— As cores imitam das vagas do mar!
Se algum dos guerreiros não foge a meus passos:
"Teus olhos são garços,
Responde anojado; "mas és Marabá:
"Quero antes uns olhos bem pretos, luzentes,
"Uns olhos fulgentes,
"Bem pretos, retintos, não cor d'anajá!"
— É alvo meu rosto da alvura dos lírios,
— Da cor das areias batidas do mar;
— As aves mais brancas, as conchas mais puras
— Não têm mais alvura, não têm mais brilhar.
Se ainda me escuta meus agros delírios:
"És alva de lírios",
Sorrindo responde; "mas és Marabá:
"Quero antes um rosto de jambo corado,
"Um rosto crestado
"Do sol do deserto, não flor de cajá."
— Meu colo de leve se encurva engraçado,
— Como hástea pendente do cáctus em flor;
— Mimosa, indolente, resvalo no prado,
— Como um soluçado suspiro de amor! —
"Eu amo a estatura flexível, ligeira,
"Qual duma palmeira,
Então me responde; "tu és Marabá:
"Quero antes o colo da ema orgulhosa,
"Que pisa vaidosa,
"Que as flóreas campinas governa, onde está."
— Meus loiros cabelos em ondas se anelam,
— O oiro mais puro não tem seu fulgor;
— As brisas nos bosques de os ver se enamoram,
— De os ver tão formosos como um beija-flor!
Mas eles respondem: "Teus longos cabelos,
"São loiros, são belos,
"Mas são anelados; tu és Marabá:
"Quero antes cabelos, bem lisos, corridos,
"Cabelos compridos,
"Não cor d'oiro fino, nem cor d'anajá."
E as doces palavras que eu tinha cá dentro
A quem nas direi?
O ramo d'acácia na fronte de um homem
Jamais cingirei:
Jamais um guerreiro da minha arazoia
Me desprenderá:
Eu vivo sozinha, chorando mesquinha,
Que sou Marabá!
A
palavra no texto
Marabá – mestiço de branco com índio;
mameluco
Tupá (Tupã) – na mitologia dos
indígenas de língua tupi, o trovão, cultuado como divindade suprema
Garço – verde-azulado
Anojado – entristecido, desgostoso;
com repulsa, com nojo
Anajá – fruto da palmeira desse nome
Agro – ácido, azedo; figurado: que
demonstra pungência, dor ou mágoa
Arazoia – saiote feito de penas, usado
por mulheres indígenas
Releitura
Uma
das correntes mais fecundas do Romantismo brasileiro, o indianismo pretendeu criar
um mito da origem da raça e da nacionalidade, idealizando a figura do selvagem –
heroico, bravo e belo, vivendo em perfeita harmonia com a natureza.
1.
No poema, as
imagens com que se descreve a beleza da mulher são sempre retiradas de aspectos
da natureza tropical, selvagem e exuberante. Os loiros cabelos da Marabá, por
exemplo, são “formosos como um beija-flor” (O próprio Gonçalves Dias explica,
em nota, a comparação: “ Os indígenas chamavam ao beija-flor Coaracy-aba – raios ou, mais
literalmente, cabelos de sol”.).
a) Retire do texto imagens (metáforas e comparações)
que relacionem a beleza feminina a elementos da natureza.
Exemplos:
“um rosto de jambo corado ... não flor de cajá” (metáforas); “Meu colo ... Como
hástea pendente do cáctus em flor”; “estatura flexível ... Qual duma palmeira”
(comparações).
b) Encontre e copie uma personificação de um elemento da natureza.
“As
brisas nos bosques de os ver se enamoram.”
2. Ao longo do
poema, a índia Marabá descreve sua própria beleza.
a)
Quais são as características físicas de que ela se
orgulha?
A cor
dos olhos, claros, verde-azulados; a alvura da pele, a graça e delicadeza do
porte (engraçado); os cabelos loiros e anelados.
b)
Essas características correspondem ao ideal de beleza dos
índios? Explique com elementos do poema.
Não.
Essas características pertencem a um ideal de beleza da cultura branca,
europeia, isto é, da cultura do colonizador. No poema, os homens da tribo
recusam a beleza da índia mestiça, declarando a preferência por características
opostas: olhos pretos, pele morena, queimada de sol, o porte orgulhoso e
flexível, os cabelos escuros e lisos.
3. Comente as
características românticas presentes no primeiro verso do poema: “Eu vivo
sozinha; ninguém me procura!”.
O verso é expressão do exacerbado
emocionalismo romântico, pelo tom de pessimismo e de autopiedade. Vemos nele
também a expressão do individualismo negativista, o desespero causado pela
solidão e pela impossibilidade de realização do amor.
4. Para alguns
especialistas em literatura, como Mário da Silva Brito e Lúcia Miguel Pereira,
o indianismo de Gonçalves Dias era em parte motivado pelos seus ressentimentos
de mestiço e de filho bastardo. Releia a biografia do autor e explique por que,
embora se conforme às convenções do indianismo, o poema “Marabá” se enquadra
também, em certa medida, no confessionalismo romântico.
A índia do poema, por ser
mestiça (marabá), é alvo do preconceito dos homens de sua tribo e é segregada,
torna-se um pária, ou seja, é excluída do convívio social. Embora seja bela, não
pode se realizar no amor, pois não corresponde ao ideal de beleza do seu povo. Gonçalves
Dias também sofreu os preconceitos do meio social em que vivia: era mestiço,
filho de um português com uma negra, numa sociedade escravocrata. A realização
amorosa também teria sido impedida para ele em razão do preconceito racial. Embora
o fato tenha ocorrido posteriormente à criação do poema, a frustração de seu
casamento com Ana Amélia demonstra as constrições sociais em que vivia.
FONTE:
Novas palavras, nova edição / Emília Amaral...[et al.]. - 1. ed. - São Paulo: FTD, 2010. - (Coleção novas palavras, nova edição; v. 2)
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