segunda-feira, 20 de março de 2023

Conto (fragmento) - O diabo e outras histórias, de Liev Tolstói - Atividade com respostas

     Conto (fragmento)

    Este é um fragmento de um conto de Liev Tolstói, escritor russo que resolveu dar voz a um cavalo... Isso mesmo! Trata-se das memórias de um cavalo que passa longo tempo observando o comportamento das pessoas e os valores do ser humano. Leia-o:

                                        O diabo e outras histórias

    [...] Era inverno, época de festas. Não me deram nem de comer nem de beber durante o dia inteiro. Fiquei sabendo depois que aquilo acontecera porque o cavalariço estava bêbado. Naquele mesmo dia, o chefe veio à minha baia, deu pela falta de ração e foi-se embora xingando com os piores nomes o cavalariço, que não estava ali. No dia seguinte, acompanhado de um peão, o cavalariço trouxe feno à nossa baia; notei que ele estava especialmente pálido, abatido, tinha nas costas longas algo significativo que despertava piedade. Ele atirou feno por cima da grade, com raiva; eu ia metendo a cabeça em seu ombro, mas ele deu um murro tão dolorido no meu focinho, que me fez saltar pra trás. E ainda por cima chutou-me a barriga com a bota. 
    - Não fosse esse lazarento, nada disso tinha acontecido.
    - Mas o que aconteceu? - perguntou o outro cavalariço.
    - Os potros do conde ele não inspeciona, mas este ele examina duas vezes por dia.    
    - Será que deram o malhado mesmo pra ele?
    -Se deram ou venderam, só o diabo sabe. O certo é que você pode até matar de fome todos os cavalos do conde, e nada acontece, mas você se atreva a deixar o potro dele sem ração... "Deita aí", diz ele, e tome chicotada. [...] Ele mesmo contou as chicotadas que me deu, o bárbaro. O general não bate assim, ele deixou as minhas costas em carne viva [...].
    Eu entendi bem o que eles disseram sobre os lanhões [...], mas naquela época era absolutamente obscuro para mim o significado das palavras "meu", "meu potro", palavras através das quais eu percebia que as pessoas estabeleciam uma espécie de vínculo entre mim e o chefe dos estábulos. Não conseguia entender de jeito nenhum o que significava me chamarem de propriedade de um homem. As palavras "meu cavalo", referidas a mim, um cavalo vivo, pareciam-me tão estranhas quanto as palavras "minha terra", "meu ar", "minha água”.
    No entanto, essas palavras exerciam uma enorme influência sobre mim. Eu não parava de pensar nisso e só muito depois de ter as mais diversas relações com as pessoas compreendi finalmente o sentido que atribuíam àquelas estranhas palavras. Era o seguinte: os homens não orientam suas
vidas por atos, mas por palavras. Eles não gostam tanto da possibilidade de fazer ou não fazer alguma coisa quanto da possibilidade de falar de diferentes objetos utilizando-se de palavras que convencio- nam entre si. Dessas, as que mais consideram são "meu" e "minha", que aplicam a várias coisas, seres e objetos, inclusive à terra, às pessoas e aos cavalos. Convencionaram entre si que, para cada coisa apenas um deles diria "meu". E aquele que diz "meu" para o maior número de coisas é considerado o mais feliz, segundo esse jogo. Para que isso, não sei, mas é assim. Antes eu ficava horas a fio procurando alguma vantagem imediata nisso, mas não dei com nada.
    Muitas das pessoas que me chamavam, por exemplo, de "meu cavalo" nunca me montavam; as que o faziam eram outras, completamente diferentes. Também eram bem outras as que me alimentavam. As que cuidavam de mim, mais uma vez, não eram as mesmas que me chamavam "meu cavalo", mas os cocheiros. Os tratadores, estranhos de modo geral. Mais tarde, depois que ampliei o círculo de minhas observações, convenci-me de que, não só em relação a nós, cavalos, o conceito de “meu” não tem nenhum outro fundamento senão o do instinto vil e animalesco dos homens, que eles chamam de sentimento ou direito de propriedade. O homem diz: "minha casa”, mas nunca mora nela, preocupa-se apenas em construí-la e mantê-la. O comerciante diz: "meu bazar", "meu bazar de lãs", por exemplo, mas não tem roupa feita das melhores lãs que há no seu bazar. Existem pessoas que chamam a terra de “minha”, mas nunca a viram nem andaram por ela. Existem outras que chamam de "meus" outros seres humanos, mas nenhuma vez sequer botaram os olhos sobre eles, e toda a sua relação com essas pessoas consiste em lhes causar mal. Existem homens que chamam de “minhas” as suas mulheres ou esposas, mas essas mulheres vivem com outros homens. As pessoas não aspiram a fazer na vida o que consideram bom, mas a chamar de "minhas" o maior número de coisas. Agora estou convencido de que é nisso que consiste a diferença essencial entre nós e os homens. É por isso que, sem falar das outras vantagens que temos sobre eles, já podemos dizer sem vacilar que, na escada dos seres vivos, estamos acima das pessoas; a vida das pessoas - pelo menos daquelas com as quais convivi - traduz-se em palavras; a nossa, em atos. E eis que foi o chefe dos estábulos que recebeu o direito de me chamar de “meu cavalo"; por isso açoitou o cavalariço. Essa descoberta me deixou profundamente impressionado e [...] levou-me a me tornar o malhado ensimesmado e sério que eu sou. 

TOLSTÓI, Liev. O diabo e outras histórias. São Paulo: Cosac Naify, 2003.

GLOSSÁRIO

Cavalariço: indivíduo que cuida de animais em cavalarias; estribeiro. 
Ensimesmado: voltado para dentro de si mesmo; concentrado, recolhido. 
Lanhão: golpe, ferimento feito com instrumento cortante; ferimento no corpo proveniente do arrancamento de tiras de couro ou de pele; marca de açoite na pele.


CONHECENDO O AUTOR

Liev Nikolaievitch Tolstói (1828-1910)

    Escritor russo, era filho de uma importante família ligada aos czares e teve uma vida pessoal cheia de conflitos, dividida entre o pacifismo e o anarquismo. Foi um pensador social e moral e um dos mais relevantes autores da narrativa realista de todos os tempos. En- tre suas obras, destacam-se: Infância (1852), Contos de Sebastopol (1855-1856), Guerra e paz (1865-1869), Anna Karenina (1875-1877), A morte de Ivan Ilitch (1886), A sonata de Kreutzer (1889) e seu último romance, Ressurreição (1899).

POR DENTRO DO TEXTO

1. O primeiro parágrafo do texto situa o leitor. De que maneira isso é feito?

    O primeiro parágrafo indica o tempo em que a narrativa se desenrola (''Era inverno, época de festas") e localiza o leitor a respeito de onde ocorreram os fatos, além de explicar em quais condições o cavalo vivia.

2. Que tipo de narrador esse conto apresenta? Quem é ele? 

    Narrador-personagem. Ele é assumido pela figura de um animal, um cavalo.

 3. Leia as informações do quadro.

    Em um texto narrativo, o tempo é muito importante, porque situa o leitor, ajudando-o a compreender os fatos. Dessa forma, em narrativas como romances, novelas e contos, há dois tipos fundamentais de tempo: o cronológico e o psicológico.

    O tempo cronológico se caracteriza por seguir o ritmo do relógio, a estação do ano, a divisão em dias, o calendário etc. Nesse tipo de tempo, os fatos podem ser apresentados no momento em que acontecem. Veja:

    [...] Era inverno, época de festas. Não me deram nem de comer nem de beber durante o dia inteiro [...].

    [...] No dia seguinte, acompanhado de um peão, o cavalariço trouxe feno à nossa baia [...].

    O tempo psicológico não segue uma cronologia, transcorrendo no interior do personagem ou do narrador conforme seu desejo, imaginação, vivências subjetivas, entre outros. É comum, na construção do tempo psicológico, as cenas se passarem na cabeça do personagem ou do narrador como um flashback, ou seja, como uma lembrança, uma recordação. Exemplos:

    [...] Eu não parava de pensar nisso e só muito depois de ter as mais diversas relações com as pessoas compreendi finalmente o sentido que atribuíam àquelas estranhas palavras [...]. 

    [...] Antes eu ficava horas a fio procurando alguma vantagem imediata nisso, mas não dei com nada [...].

• Indique o tipo de tempo a que se referem as expressões destacadas no trechos extraídos do conto lido. 

a) [...] Mais tarde, depois que ampliei o círculo de minhas observações, convenci-me de que, não só em relação a nós, cavalos, o conceito de "meu" não tem nenhum outro fundamento [...].

   Tempo psicológico.

b) Naquele mesmo dia, o chefe veio à minha baia, deu pela falta de ração e foi-se embora xingando com os piores nomes o cavalariço [...].

   Tempo cronológico.

c) [...] Muitas das pessoas que me chamavam, por exemplo, de "meu cavalo" nunca me montavam

[...].             Tempo psicológico.

4. Releia o trecho a seguir, em que o personagem principal expõe suas ideias.

    [...] O homem diz: “minha casa", mas nunca mora nela, preocupa-se apenas em construí-la e mantê-la. O comerciante diz: "meu bazar", "meu bazar de las", por exemplo, mas não tem roupa feita das melhores las que há em seu bazar. Existem pessoas que chamam a terra de "minha", mas nunca a viram nem andaram por ela. Existem outras que chamam de "meus" outros seres humanos, mas nenhuma vez sequer botaram os olhos sobre eles, e toda a sua relação com essas pessoas consiste em lhes causar mal. [...]

• Indique qual das frases a seguir, retiradas do texto, corresponde à ideia apresentada nesse trecho: 

a) As pessoas não aspiram a fazer na vida o que consideram bom [...].

b) [...] já podemos dizer sem vacilar que, na escada dos seres vivos, estamos acima das pessoas [...].

c) [...] Mais tarde, depois que ampliei o círculo de minhas observações, convenci-me de que, não só em relação a nós, cavalos, o conceito de "meu" não tem nenhum outro fundamento senão o do instinto vil e animalesco dos homens, que eles chamam de sentimento ou direito de propriedade.

5. O que o cavalo pensava a respeito de ter um dono e não ser esse dono o seu cuidador?

    O cavalo julgava estranha a maneira como os humanos lidavam com questões de propriedade, pois aquele que o chamava de "meu" não era o mesmo que cuidava dele. Por vezes, não entendia o fato de ser propriedade de alguém que não o alimentava nem montava nele, e isso, para ele, era motivo de decepção.

6. O que o cavalo percebeu sobre o uso que os humanos faziam da palavra "meu"? Que relação ele estabeleceu entre essa palavra e o conceito de felicidade? 

    Ele percebeu que o uso dessa palavra era atribuído à noção de propriedade e de felicidade, ou seja, era considerado mais feliz aquele que dissesse "meu" para o maior número de coisas. 

7. O cavalo conseguia compreender esse tipo de comportamento? Transcreva um trecho que comprove sua resposta. 

    Não. "Para que isso, não sei, mas é assim. Antes eu ficava horas a fio procurando alguma vantagem
imediata nisso, mas não dei com nada."

8. Que sentido a palavra "meu" tinha para o cavalo? 

    Para o cavalo, a palavra "meu" só fazia sentido em uma relação próxima, concreta, de afetividade.

9. É possível afirmar que, no texto, o personagem do cavalo foi humanizado? Por quê?
    
     Sim, pois o cavalo apresenta sentimentos, atitudes e reflexões normalmente atribuídos a seres humanos.

 10. No conto, há uma inversão entre o que é humano e o que é animal. Explique essa afirmação.

    O cavalo, um animal, aparece na história repleto de características que o humanizam, enquanto o ser humano é apresentado de maneira animalizada em consequência do significado que atribui à palavra "meu", do modo como entende o conceito de propriedade e de como se relaciona com o outro e com aquilo que lhe pertence.

11. Estruturalmente, a que tipo de narrativa literária esse conto se assemelha? Justifique.

    Assemelha-se à fabula, pois o protagonista é um animal dotado de características humanas e a narrativa apresenta uma intenção moralizante.





 

domingo, 19 de março de 2023

Conto "Chuva: a abensonhada", de Mia Couto (Atividade com respostas)


    O texto que você vai ler a seguir é de autoria de Mia Couto, premiado escritor de Moçambique,
país do continente africano onde a língua portuguesa é idioma oficial.
     O momento descrito no conto refere-se à época logo após a longa guerra civil em Moçambique (1977-1992), quando cerca de um milhão de pessoas morreram em combates. Nesse período, o povo moçambicano superava as consequências do violento conflito, ao mesmo tempo em que convivia com uma forte estiagem e uma grande crise de fome, obrigando cinco milhões de civis a se deslocarem dos campos e do território. A guerra na qual o país ficou mergulhado 16 anos, assim como qualquer outra, deixou sequelas com as quais a população ainda tem de conviver: inúmeras minas terrestres que mutilam pessoas até hoje. Mesmo o conflito tendo chegado ao fim em 1992, em 2013 ressurgiu em Moçambique outro conflito armado e um novo acordo de paz ainda não foi concluído.

                           Chuva: a abensonhada

    Estou sentado junto da janela olhando a chuva que cai há três dias. Que saudade me fazia o molhado tintintinar do chuvisco. [...] Há quantos anos não chovia assim? De tanto durar, a seca foi emudecendo a nossa miséria. O céu olhava o sucessivo falecimento da terra, e em espelho, se via morrer. A gente se indaguava: será que ainda podemos recomeçar, será que a alegria ainda tem cabimento?

    Agora, a chuva cai, cantarosa, abençoada. O chão, esse indigente indígena, vai ganhando variedades de belezas. Estou espreitando a rua como se estivesse à janela do meu inteiro país. Enquanto, lá fora, se repletam os charcos a velha Tristereza vai arrumando o quarto. Para Tia Tristereza a chuva não é assunto de clima, mas recado dos espíritos. E a velha se atribui amplos sorrisos: desta vez é que eu envergarei o fato que ela tanto me insiste. Indumentária tão exibível e eu envergando mangas e gangas. Tristereza sacode em sua cabeça a minha teimosia: haverá razoável argumento para eu me apresentar assim tão descortinado, sem me sujeitar às devidas aparências? Ela não entende.

    Enquanto alisa os lençóis, vai puxando outros assuntos. A idosa senhora não tem dúvida a chuva está a acontecer devido das rezas, cerimónias oferecidas aos antepassados. Em todo o Moçambique a guerra está parar. Sim, agora já as chuvas podem recomeçar. Todos estes anos, os deuses nos castigaram com a seca. Os mortos, mesmo os mais veteranos, já se ressequiam lá nas profundezas. Tristereza vai escovando o casaco que eu nunca hei-de usar e profere suas certezas:

    -Nossa terra estava cheia do sangue. Hoje, está ser limpa, faz conta é essa roupa que lavei. Mas nem agora, desculpe o favor, nem agora o senhor dá vez a este seu fato?
     -Mas, Tia Tristereza: não será está chover de mais?
    De mais? Não, a chuva não esqueceu os modos de tombar, diz a velha. E me explica: a água sabe quantos grãos tem a areia. Para cada grão ela faz uma gota. Tal igual a mãe que tricota o agasalho de um ausente filho. Para Tristereza a natureza tem seus serviços, decorridos em simples modos como os dela. As chuvadas foram no justo tempo encomendadas: os deslocados que regressam a seus lugares já encontrarão o chão molhado, conforme o gosto das sementes. A Paz tem outros governos que não passam pela vontade dos políticos.

    Mas dentro de mim persiste uma desconfiança: esta chuva, minha tia, não será prolongadamente demasiada? Não será que à calamidade do estio se seguirá a punição das cheias?

    Tristereza olha a encharcada paisagem e me mostra outros entendimentos meteorológicos que minha sabedoria não pode tocar. Um pano sempre se reconhece pelo avesso, ela costuma me dizer. Deus fez os brancos e os pretos para, nas costas de uns e outros, poder decifrar o Homem. E apontando as nuvens gordas me confessa:

    - Lá em cima, senhor, há peixes e caranguejos. Sim, bichos que sempre acompanham a água.

    E adianta: tais bichezas sempre caem durante as tempestades. 
    -Não acredita, senhor? Mesmo em minha casa já caíram. 
    - Sim, finjo acreditar. E quais tipos de peixes?

    Negativo: tais peixes não podem receber nenhum nome. Seriam precisas sagradas palavras e essas não cabem em nossas humanas vozes. De novo, ela lonjeia seus olhos pela janela. Lá fora continua chovendo. O céu devolve o mar que nele se havia alojado em lentas migrações de azul. Mas parece que, desta feita, o céu entende invadir a inteira terra, juntar os rios, ombro a ombro. E volto a interrogar: não serão demasiadas águas, tombando em maligna bondade? A voz de Tristereza se repete em monotonia de chuva. E ela vai murmurrindo: o senhor, desculpe a minha boca, mas parece um bicho à procura da floresta. E acrescenta:

    - A chuva está limpar a areia. Os falecidos vão ficar satisfeitos. Agora, era bom respeito o senhor usar este fato. Para condizer com a festa de Moçambique...

    Tristereza ainda me olha, em dúvida. Depois, resignada, pendura o casaco. A roupa parece suspirar. Minha teimosia ficou suspensa num cabide. Espreito a rua, riscos molhados de tristeza vão descendo pelos vidros. Por que motivo eu tanto procuro a evasão? E por que razão a velha tia se aceita interior, toda ela vestida de casa? Talvez por pertencer mais ao mundo, Tristereza não sinta, como eu, a atração de sair. Ela acredita que acabou o tempo de sofrer, nossa terra se está lavando do passado. Eu tenho dúvidas, preciso olhar a rua. A janela: não é onde a casa sonha ser mundo?

    A velha acabou o serviço, se despede enquanto vai fechando as portas, com lentos vagares. Entrou uma tristeza na sua alma e eu sou o culpado. Reparo como as plantas despontam lá fora. O verde fala a língua de todas as cores. A Tia já dobrou as despedidas e está a sair quando eu a chamo:

    - Tristereza, tira o meu casaco.

    Ela se ilumina de espanto. Enquanto despe o cabide, a chuva vai parando. Apenas uns restantes pingos vão tombando sobre o meu casaco. Tristereza me pede: não sacuda, essa aguinha dá sorte. E de braço dado, saímos os dois pisando charcos, em descuido de meninos que sabem do mundo a alegria de um infinito brinquedo.

COUTO, Mia. Estórias abensonhadas. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.


GLOSSÁRIO

Charco: terreno alagadiço, cheio de poças de água.

Descortinado: sem cortinas, sem trajes. 

Emudecer: calar, aquietar-se.

Estio: período de seca.

Evasão: desculpa, fuga.

Fato: veste, indumentária, casaco.

Ganga: tecido barato, geralmente azul ou amarelo.

POR DENTRO DO TEXTO

1. Descreva as personagens do conto e o assunto principal sobre o qual conversam.

    O narrador personagem, provavelmente jovem, bastante pensativo e reflexivo, e tia Tristereza, que é idosa e mostra-se sábia e conhecedora das crenças de seu país. As  personagens conversam sobre a chuva que caía depois de três meses de estiagem em Moçambique.

2. Em que lugar ocorre o diálogo entre essas personagens?

     Elas estão dentro de uma casa.

3. Elas têm a mesma opinião sobre o assunto principal que está sendo tratado?

 Os dois não têm a mesma opinião: ela acredita que a chuva é um recado dos espíritos, que está chovendo por causa das rezas e cerimônias oferecidas aos antepassados e que vai cair pelo tempo certo. Ele acha que está chovendo demais e tem receio de que haja cheias como consequência do grande volume de chuva.

4. Transcreva apenas a alternativa que melhor exprime a opinião da personagem Tristereza sobre a
chuva.

a) A chuva era um castigo dos deuses, assim como o período de estio que o povo havia enfrentado.

b) A chuva serviria para limpar o povo de qualquer pecado e excesso que houvesse cometido durante o período de guerra. 

c) A chuva estava lavando a terra do triste passado de guerra. 


5. Releia o trecho a seguir, extraído do conto lido:

A gente se indaguava: será que ainda podemos recomeçar, será que a alegria ainda tem cabimento?

a) A alegria que as personagens experimentam se refere somente à chuva que cai após o período de seca?
    
 Não. Elas estão alegres também porque a guerra está no fim.


b) Transcreva um trecho do terceiro parágrafo que comprove sua resposta ao item anterior. 

    "Em todo o Moçambique a guerra está parar"

6. Releia este outro trecho: 

    A Paz tem outros governos que não passam pela vontade dos políticos.

• Que relação esse trecho estabelece com a chegada da chuva em Moçambique?

 De acordo com o trecho, a paz não depende da vontade dos políticos, mas é influenciada por outras razões. No conto, a paz é atribuída à chegada da chuva, ou seja, à ocorrência de um fenômeno da natureza.

7. Um aspecto marcante da prosa de Mia Couto é a personificação de elementos que possuem características de seres vivos. Releia o trecho a seguir:

    Tristereza ainda me olha, em dúvida. Depois, resignada, pendura o casaco. A roupa parece suspirar. Minha teimosia ficou suspensa num cabide. Espreito a rua, riscos molhados de tristeza vão descendo pelos vidros.

Copie desse trecho três elementos que foram personificados e indique que ações praticam.

A roupa suspira; a teimosia fica suspensa em um cabide; e gotas de chuva (aqui chamadas de riscos molhados)  sentem tristeza e descem pelos vidros.

8. Veja a capa e leia o prefácio da obra Estórias abensonhadas, de Mia Couto, de onde foi extraído o conto "Chuva: a abensonhada".


     Estas estórias foram escritas depois da guerra. Por incontáveis anos as armas tinham vertido luto no chão de Moçambique. Estes textos me surgiram entre as margens da mágoa e da esperança. Depois da guerra, pensava eu, restavam apenas cinzas, destroços sem íntimo. Tudo pesando, definitivo e sem reparo.

    Hoje sei que não é verdade. Onde restou o homem sobreviveu semente, sonho a engravidar o tempo. Esse sonho se ocultou no mais inacessível de nós, lá onde a violência não podia golpear, lá onde a barbárie não tinha acesso. Em todo este tempo, a terra guardou, inteiras, as suas vozes. Quando se lhes impôs o silêncio elas mudaram de mundo. No escuro permaneceram lunares.

    Estas estórias falam desse território onde nós vamos refazendo e vamos molhando de esperança o rosto da chuva, água abensonhada. Desse território onde todo homem é igual, assim: fingindo que está, sonhando que vai, inventando que volta.

COUTO, Mia. Estórias abensonhadas. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. (Prefácio).

RESPONDA:

a) O autor do texto nos revela sensações que vivenciou no período em que escreveu as histórias que compõem sua obra.

• Que sensações são essas? 

Mágoa e esperança.

• Que fato foi determinante para que ele se sentisse assim nesse período?

 A Guerra Civil  Moçambicana.    

 b) Como ele se vê nos dias de hoje em relação aos sentimentos que tinha quando escreveu Estórias
abensonhadas? 

Resposta possível: Uma pessoa forte e cheia de esperança, assim como as pessoas desse território africano, o que pode ser comprovado na frase "[...] vamos refazendo e vamos  molhando de esperança o rosto da chuva, água abensonhada. Desse território onde todo homem é igual [...]". 

c) Qual pode ter sido a intenção do autor ao produzir o prefácio? 

 Resposta possível: Situar o leitor em relação à obra, mostrando o contexto em que foi escrita, o modo  como se sentia durante o processo e a transformação na sua maneira de ver a vida.


d) Esse tipo de texto inicial motiva o leitor a ler a obra? Justifique.

     Resposta pessoal. Espera-se que os alunos respondam que sim, pois normalmente o prefácio desperta curiosidade sobre o texto e estabelece certa aproximação com o autor.

CONHECENDO O AUTOR

                                   Mia Couto

    Nasceu em Beira, Moçambique, em 5 de julho de 1955. É biólogo e jornalista de formação e autor de mais de trinta livros, entre prosa e poesia. Em muitas de suas obras, Mia Couto tenta recriar a língua portuguesa com uma influência moçambicana, utilizando o léxico de várias regiões do país e produzindo um novo modelo de narrativa africana. Seu romance Terra sonâmbula é considerado um dos dez melhores livros africanos do século XX. Recebeu uma série de prêmios literários, entre eles o Prêmio Camões de 2013, o mais prestigioso da língua portuguesa, e o Neustadt Prize de 2014. É membro correspondente da Academia Brasileira de Letras.



sábado, 18 de março de 2023

O crime do padre Amaro, de Eça de Queirós (Atividade com gabarito)

    Leia atentamente a opinião de Machado de Assis, o principal representante do Realismo brasileiro, sobre O crime do padre Amaro, de Eça de Queirós (texto 1). Em seguida, leia um trecho desse romance (texto 2) e responda às questões propostas.

    [...] O crime do padre Amaro revelou desde logo as tendências literárias do Sr. Eça de Queirós e a escola a que abertamente se filiava. O Sr. Eça de Queirós é um fiel e aspérrimo discípulo do realismo propagado pelo autor do L'Assommoir. Se fora simples copista, o dever da crítica era deixá-lo, sem defesa, nas mãos do entusiasmo cego, que acabaria por matá-lo; mas é homem de talento, transpôs ainda há pouco as portas da oficina literária; e eu, que lhe não nego a minha admiração, tomo a peito dizer-lhe francamente o que penso [...].

    Ora bem, compreende-se a ruidosa aceitação d'O crime do padre Amaro. [...] Víamos aparecer na nossa língua um realista sem rebuço, sem atenuações, sem melindres, resoluto a vibrar o camartelo no mármore da outra escola, que aos olhos do Sr. Eça de Queirós parecia uma simples ruína, uma tradição acabada. Não se conhecia no nosso idioma aquela reprodução fotográfica e servil das coisas mínimas e ignóbeis. Pela primeira vez, aparecia um livro [...] em que o escuso e o torpe eram tratados com um carinho minucioso e relacionados com uma exação de inventário. [...] Porque a nova poética é isto, e só chegará à perfeição no dia em que nos disser o número exato dos fios de que se compõe um lenço de cambraia ou um esfregão de cozinha. [...]

ASSIS, Machado de. Obra completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1962. v. 3. p. 903-904.



L'Assommoir: A taverna, romance naturalista de Émile Zola;

camartelo: instrumento semelhante ao martelo qualquer instrumento ou objeto usado para quebrar, demolir, bater repetidamente, escuso: suspeito, ilícito;

torpe: que contraria ou fere os bons costumes, a decência, a moral;

exação: exigência.

TEXTO 2

               O crime do padre Amaro (fragmento)

    [...] Ela concordou logo - como em tudo que saía dos seus lábios. Desde a primeira manhã, na casa do tio Esguelhas, ela abandonara-se-lhe absolutamente, toda inteira, corpo, alma, vontade e sentimento: não havia na sua pele um cabelinho, não corria no seu cérebro uma ideia, a mais pequenina, que não pertencesse ao senhor pároco. Aquela possessão de todo o seu ser não a invadira gradualmente; fora completa, no momento em que os seus fortes braços se tinham fechado sobre ela. Parecia que os beijos dele lhe tinham sorvido, esgotado a alma: agora era como uma dependência inerte da sua pessoa. E não lho ocultava: gozava em se humilhar, oferecer-se sempre, sentir-se toda dele, toda escrava; queria que ele pensasse por ela e vivesse por ela; descarregara-se-lhe nele, com satisfação, daquele fardo da responsabilidade que sempre lhe pesara na vida; os seus juízos agora vinham-lhe formados do cérebro do pároco, tão naturalmente como se saísse do coração dele o sangue que lhe corria nas veias. [...] Vivia com os olhos nele, numa obediência de animal: tinha só a curvar-se quando ele falava, e quando vinha o momento de desapertar o vestido.

    Amaro gozava prodigiosamente esta dominação; ela desforrava-o de todo um passado de dependências a casa do tio, o seminário, a sala branca do senhor Conde de Ribamar... A sua existência de padre era uma curvatura humilde que lhe fatigava a alma; vivia da obediência ao senhor bispo, à câmara eclesiástica, aos cânones, à Regra que nem lhe permitia ter uma vontade própria nas suas relações com o sacristão. E agora, enfim, tinha ali aos seus pés aquele corpo, aquela alma, aquele ser vivo sobre quem reinava com despotismo. Se passava os seus dias, por profissão, louvando, adorando e incensando Deus -  era ele também agora o Deus de uma criatura que o temia e lhe dava uma devoção pontual. Para ela ao menos, era belo, superior aos condes e aos duques, tão digno da mitra como os mais sábios. [...]

QUEIRÓS, Eça de. In: Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986. p. 443-444.



1. No texto 1, Machado de Assis comenta o romance O crime do padre Amaro, criticando severamente a filiação de Eça de Queirós ao Naturalismo de Émile Zola, autor do romance L'Assommoir.

a) Explique o que este trecho do texto 1 indica sobre a posição de Machado de Assis a respeito da adesão de Eça de Queirós ao Naturalismo.

    Se fora simples copista, o dever da crítica era deixá-lo, sem defesa, nas mãos do entusiasmo cego, que acabaria por matá-lo; mas é homem de talento, transpôs ainda há pouco as portas da oficina literária; e eu, que lhe não nego a minha admiração, tomo a peito dizer-lhe francamente o que penso [...]. 

1. a) 0 fragmento indica que, embora considere Eça de Queirós um grande escritor, Machado de Assis discorda de sua filiação ao Naturalismo, como mostra a passagem "entusiasmo cego, que acabaria por matá-lo".

b) A que característica do Naturalismo a frase a seguir se refere?

    Pela primeira vez, aparecia um livro [...] em que o escuso e o torpe eram tratados com um carinho minucioso e relacionados com uma exação de inventário.

1. b) A frase refere-se à exploração demasiada da submissão dos personagens dos romances naturalistas aos instintos, isto é, à sua animalização.

2. Releia este trecho do texto 1.

    Víamos aparecer na nossa língua um realista sem rebuço, sem atenuações, sem melindres, resoluto a vibrar o camartelo no mármore da outra escola, que aos olhos do Sr. Eça de Queirós parecia uma simples ruína, uma tradição acabada.

 a) A que estilo literário Machado de Assis se refere, por meio da expressão "outra escola"?

    Machado de Assis se refere ao Romantismo. 

 b) Identifique o trecho da passagem que revela o tom irônico de Machado de Assis ao tratar:

 1. a crueza com que o Naturalismo pretende "dissecar o real". 

 b1) "[...] um realista sem rebuço, sem atenuações, sem melindres".

 2.  a violência com que Eça de Queirós pretende demolir a tradição romântica. 

 b2) "[...] resoluto a vibrar o camartelo no mármore da outra escola, que aos olhos do Sr. Eça de Queirós parecia uma simples ruína, uma tradição acabada".

c) Transcreva outro trecho do texto de Machado de Assis em que o autor ironiza o Naturalismo.

 "Porque a nova poética é isto, e só chegará à perfeição no dia em que nos disser o número exato dos fios de que se compõe um lenço de cambraia ou um esfregão de cozinha."

3. Releia o fragmento de O crime do padre Amaro (texto 2) e transcreva a primeira passagem que revela ao leitor a motivação sensual do domínio que Amaro exerce sobre a personagem Amélia

     "Aquela possessão de todo o seu ser não a invadira gradualmente; fora completa, no momento em que os seus fortes braços se tinham fechado sobre ela. Parecia que os beijos dele lhe tinham sorvido, esgotado a alma: [...]". 

4. Por que a descrição de Amélia exemplifica o caráter minucioso com que, segundo Machado de Assis, Eça de Queirós faz a "reprodução fotográfica e servil das coisas mínimas e ignóbeis"? Exemplifique. 

    A descrição de Amélia exemplifica esse caráter por ser realizada de maneira determinista, mostrando reiteradamente a tendência naturalista de redução da mulher à condição de fêmea, escravizada pelos instintos, como se percebe em "Vivia com os olhos nele, numa obediência de animal: tinha só a curvar-se quando ele falava, e quando vinha o momento de despertar o vestido".


5. Na sua opinião, a descrição de Amaro confirma ou contradiz a opinião que Machado de Assis expressa na questão anterior? Utilize uma passagem do texto 2 para exemplificar sua resposta. 

A descrição de Amaro confirma a opinião de Machado de Assis, pois mostra que um personagem gosta de dominar o outro, desforrando-se, dessa forma, de seu passado de dependências. Exemplo: "E agora, enfim, tinha ali aos seus pés aquele corpo, aquela alma, aquele ser vivo sobre quem reinava com despotismo".


                       BONS ESTUDOS!



quinta-feira, 16 de março de 2023

O Uraguai - A morte de Lindoia - Atividade com gabarito

    Morto Cacambo, o Pe. Balda quer casar Lindoia com o mestiço Baldetta, cujo nome sugere ser seu filho. A cerimônia já foi preparada, todos os chefes aguardam à entrada do templo, mas a noiva não comparece. Caitutu, informado pela feiticeira Tanajura sobre o paradeiro de Lindoia, vai buscá-la. Encontra-a num bosque, deitada sobre a relva, com uma serpente sobre o corpo.


       
       A morte de Lindoia 

                                      Basílio da Gama

Porém o destro Caitutu, que treme 
Do perigo da irmã, sem mais demora 
Dobrou as pontas do arco, e quis três vezes 
Soltar o tiro, e vacilou três vezes 
Entre a ira e o temor. Enfim sacode 
O arco e faz voar a aguda seta, 
Que toca o peito de Lindoia, e fere 
A serpente na testa, e a boca e os dentes 
Deixou cravados no vizinho tronco.
[...]
Leva nos braços a infeliz Lindoia 
O desgraçado irmão, que ao despertá-la 
Conhece, com que dor! no frio rosto 
Os sinais do veneno, e vê ferido 
Pelo dente sutil o brando peito.


Os olhos, em que Amor reinava, um dia, 
Cheios de morte; e muda aquela língua 
Que ao surdo vento e aos ecos tantas vezes 
Contou a larga história de seus males. 
Nos olhos Caitutu não sofre o pranto, 
E rompe em profundíssimos suspiros, 
Lendo na testa da fronteira gruta 
De sua mão já trêmula gravado 
O alheio crime e a voluntária morte. 
E por todas as partes repetido 
O suspirado nome de Cacambo. 
Inda conserva o pálido semblante 
Um não sei quê de magoado e triste, 
Que os corações mais duros enternece. 
Tanto era bela no seu rosto a morte!

O Uraguai. Rio de Janeiro, Agir, 1976.


                              Releitura

1. Este fragmento é o mais conhecido e um dos mais belos do poema. Revelam-se nele algumas das grandes qualidades estilísticas de Basílio da Gama, como a vivacidade das descrições e a intensificação dos conflitos interiores das personagens pela representação minuciosa de suas ações.

a. Qual é o dilema de Caitutu ao ver sua irmã prostrada, com uma serpente sobre o corpo?

b. Com que recurso estilístico o autor representa a comoção e a hesitação de Caitutu?

2. Mário Camarinha da Silva assim comenta a descrição de Lindoia: 

    [...] desde sua patética apresentação cativando o afeto do poeta, a esposa de Cacambo não cessa de crescer na imaginação do leitor. Vulto de mulher apenas entrevisto é personagem de assombrosa vivência. [...] Com os poucos traços que dela nos dá comentados à maneira de contraponto pela adjetivação e outros processos de tom elegíaco, Basílio da Gama, no auge de sua virtuosidade técnica incontestada, nos sugere - mais que descreve - o triste destino da infausta indiana: dentro de nós, leitores, os sentimentos ficam assim em liberdade para completar à nossa maneira a mulher que foi Lindoia [...]

                   In Basílio da Gama. O Uraguai. "Introdução". Rio de Janeiro, Agir, 1976.

a. Faça um levantamento dos adjetivos e expressões referentes a Lindoia que contribuem para o tom elegíaco (tristonho, lamentoso) do episódio.

b. Transcreva os versos que sugerem que o sofrimento de Lindoia pela morte de Cacambo foi silencioso e solitário. Comente.

3. Os quatro últimos versos desse fragmento são os mais conhecidos de O Uraguai. Escreva um comentário sobre eles, considerando a relação que o poeta estabelece entre a morte e a beleza.

                            
                            RESPOSTAS

1 a. Caitutu teme ferir Lindoia com sua seta, mas tem que atirar para salvá-la da serpente.

b. Com a repetição: "quis três vezes", "vacilou três vezes".

2 a. Infeliz; [olhos] cheios de morte; [língua] muda; [semblante] pálido; um não sei quê de magoado e triste; tanto era bela no seu rosto a morte.

2 b. "... e muda aquela língua / Que ao surdo vento e aos ecos tantas vezes / Contou a larga história de seus males." Morta, Lindoia não pode mais lamentar sua triste história; mas, quando vivia, seu sofrimento era também silencioso e solitário, pois seus únicos confidentes eram o "surdo vento" e os ecos.

3 Resposta pessoal.

A Jesus Cristo Nosso Senhor - Gregório de Matos (Atividade com gabarito)

    A Jesus Cristo Nosso Senhor

                                  Gregório de Matos Guerra

Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado, 
Da vossa piedade me despido;
Porque quanto mais tenho delinquido, 
Vos tenho a perdoar mais empenhado.

Se basta a vos irar tanto um pecado, 
A abrandar-vos sobeja um só gemido, 
Que a mesma culpa, que vos há ofendido, 
Vos tem para o perdão lisonjeado.

Se uma ovelha perdida e já cobrada, 
Glória tal e prazer tão repentino 
Vos deu, como afirmais na Sacra História:

Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada, 
Cobrai-a; e não queirais, Pastor Divino, 
Perder na vossa ovelha a vossa glória.


             Vocabulário

Despido (despeço) - forma regular de despedir-se apartar-se, afastar-se; renunciar.

Delinquir-cometer delito; pecar.

Empenhar - forçar, obrigar, compelir.

Sobejar- ser por demais, ser mais que suficiente. 

Cobrada - recobrada, recuperada.

                                         Releitura

Esse soneto de contrição é um dos mais conhecidos poemas de Gregório e segue o modelo conceptista de Quevedo. Nas questões abaixo procuraremos acompanhar os meandros do raciocínio engenhoso de um pecador que advoga sua causa, procurando convencer a Deus de que merece o seu perdão.

1. Que justificativa utiliza o pecador para não desistir da piedade divina, embora tenha pecado tanto?

2. Traduza em outras palavras o argumento apresentado nos versos 5 e 6.

3. Que explicação paradoxal o sujeito lírico dá nos versos 7 e 8?

4. O pecador exibe, nos tercetos, suas qualidades de advogado, procurando provar os argumentos paradoxais utilizados nos quartetos. Para isso, ele cita, em seu favor, as palavras do próprio Cristo, a quem procura convencer.

a. Qual é a afirmação de Cristo utilizada por ele?

b. Qual é o argumento final do pecador? 


                             RESPOSTAS

1. O pecador diz que não desiste da piedade divina porque quanto mais ele peca mais Deus fica obrigado a perdoá-lo.

2. Um pecado é bastante para provocar a ira divina, mas, em compensação, a mínima demonstração de arrependimento, como um simples gemido, é mais que suficiente para acalmá-la.

3. Ele diz que a ofensa a Deus já é, por si mesma, um agrado para conseguir o perdão.

4 a. É a afirmação de que uma ovelha perdida (o pecador) dá grande glória ao pastor (a Deus) quando é recuperada.

4b. Deus deve perdoá-lo, se não quiser ter prejuízo em sua glória.

terça-feira, 14 de março de 2023

Interpretação textual - Ensino Fundamental (Com gabarito)

1. Leia o texto e marque a opção CORRETA:




O humor deste texto está

(A) na bagunça feita no cômodo.

(B) na pergunta da mulher.

(C) na postura da mulher ao questionar o menino.

(D) no fato de o menino considerar a avó sua advogada.


2. Leia o texto e marque a opção CORRETA:

                          Joãozinho e os pronomes

    Na escola:

    - Joãozinho!

    - Sim, professora!

    - Por favor, diga-me dois pronomes.

    - Quem, eu?

    - Muito bem, garoto!


O humor deste texto está

(A) na forma como o Joãozinho atende a professora.

(B) na maneira como a professora faz o pedido ao Joãozinho.

(C) no fato de Joãozinho responder corretamente sem intenção.

(D) no jeito como a professora faz um elogio ao Joãozinho.



3. Interprete o texto com o auxílio do material gráfico.





A publicidade enfatiza

(A) a legalidade do trabalho infantil.

(B) as várias formas de trabalho infantil.

(C) o combate ao trabalho infantil.

(D) o dia das crianças.

4.  Interprete o texto com o auxílio do material gráfico.




As letras cortadas no anúncio serviram para 

(A) mudar o sentido da frase.

(B) despertar a curiosidade do leitor.

(C) chamar voluntários.

(D) mostrar oportunidade de trabalho. 


5.  Interprete o texto com o auxílio do material gráfico.



    No 2º quadrinho o pai diz:

    ____ Credo, Mutum, meu filho! Como pode ser tão distraído e não ver o que está bem à frente do seu nariz?

    No 3º quadrinho o pai ainda fala:

    ____ Não sei a quem puxou, viu?


A expressão do menino no último quadrinho indica que ele está

(A) assustado, porque o pai ia cair no precipício. 

(B) chateado, porque o pai chamou sua atenção.

(C) preocupado com o que o pai lhe disse. 

(D) sentindo dor por causa da batida forte.


6. Interprete o texto com o auxílio do material gráfico.




Segundo o texto, um dos hábitos alimentares prejudiciais à saúde é

(A) mastigar bem os alimentos que ingere. 

(B) observar a comida enquanto se alimenta.

(C) comer em um período de tempo reduzido.

(D) evitar molhos condimentados na alimentação.


7. Identifique a finalidade do texto a seguir.

ci-da-de-sf.1 Grande aglomeração de pessoas em um área geográfica circunscrita, com inúmeras edificações, que desenvolve atividades sociais, econômicas, industriais, comerciais, culturais, ad- ministrativas etc.; urbe. 2 O conjunto de habitantes dessa área geográfica. 3 O centro comercial. 4 O local mais antigo ou mais central de um complexo urbano. 5 Sede municipal, onde se concentram as atividades administrativas.

Disponível em: <https://michaelis.uol.com.br/moderno -portugues>. Acesso em: 12 nov. 2020.

A finalidade do texto é

(A) definir um termo.

(B) documentar um fato.

(C) conscientizar a população.

(D) informar um acontecimento.


8. Observe a imagem.

Analisando-se a parte escrita e a imagem, conclui-se que o objetivo principal do texto é

(A) informar sobre as condições de tráfego.

(B) incentivar atitudes educadas no trânsito. 

(C) monitorar o comportamento dos motoristas.

(D) promover doação de órgãos de acidentados.



9. Leia o texto e marque a opção CORRETA.

                    Brincadeira retrô

        Me lembro bem de quando era pequena e do quanto minha imaginação era fértil. Eu fui daquelas crianças que davam arrepios nos pais por conta das brincadeiras mirabolantes: a cama de casal que virava navio pirata, o sofá da sala que virava palco de teatro com direito a cortina de lençol e tudo mais... Toda vez que começava a me animar minha avó dizia: "Lá vem essa menina inventando moda". Hoje vejo que esse era o jeito de brincar das crianças de antigamente. Não havia toda essa parafernália eletrônica, que toca música, anda, fala e não deixa nenhum espaço para a imaginação. Precisávamos inventar as nossas brincadeiras. Criança moderna não sabe brincar sozinha, tem sempre a babá, o computador, o DVD... Hoje tento incentivar meu filho a brincar assim também. Não é que eu vá jogar todos os brinquedos dele fora, mas com certeza ele vai aprender a se divertir com muito menos. Dá mais trabalho, faz mais bagunça, mas é infinitamente mais divertido. 

POMÁRICO, Veri. Revista Gol, Editora Trip: s/l. s/d.

A autora deste texto defende que:

(A) as brincadeiras das crianças de antigamente eram divertidas.

(B) as brincadeiras de antigamente eram mais criativas que as atuais.

(C) as maneiras de as crianças de hoje brincar devem ser aceitas.

(D) as crianças devem brincar com parafernálias eletrônicas.


10.  Leia o texto a seguir e marque a opção CORRETA.

                  Cachorros

        Os zoólogos acreditam que o cachorro se originou de uma espécie de lobo que vivia na Ásia. Depois os cães se juntaram aos seres humanos e se espalharam por quase todo o mundo. Essa amizade começou há uns 12 mil anos, no tempo em que as pessoas precisavam caçar para se alimentar. Os cachorros perceberam que, se não atacassem os humanos, podiam ficar perto deles e comer a comida que sobrava. Já os homens descobriram que os cachorros podiam ajudar a caçar, a cuidar de rebanhos e a tomar conta da casa, além de serem ótimos companheiros. Um colaborava com o outro e a parceria deu certo.

Disponível em: <www.recreionline.com.br>. Acesso em: 1º nov. 2020.

O tema do texto é

(A) relação entre homens e cães.

(B) profissão de zoológico

(C) amizade entre os animais.

(D) alimentação dos cães.


segunda-feira, 13 de março de 2023

Questões de vestibular (O Humanismo e o teatro vicentino)



O Humanismo e o teatro vicentino

1. (Unicamp-SP) Os excertos abaixo foram extraídos do Auto da barca do inferno, de Gil Vicente.

[...] FIDALGO: Que leixo na outra vida 
quem reze sempre por mi.

DIABO: [...] E tu viveste a teu prazer, 
cuidando cá guarecer 
por que rezem lá por til...[...] 

ANJO: Que querês?

FIDALGO: Que me digais, 
pois parti tão sem aviso, 
se a barca do paraíso 
é esta em que navegais.

ANJO: Esta é; que me demandais? 

FIDALGO: Que me leixês embarcar.
sô fidalgo de solar,
é bem que me recolhais.

ANJO: Não se embarca tirania 
neste batel divinal.

FIDALGO: Não sei por que haveis por mal 
Que entr'a minha senhoria.

ANJO: Pera vossa fantesia 
mui estreita é esta barca.

FIDALGO: Pera senhor de tal marca 
nom há aqui mais cortesia? [...] 

ANJO: Não vindes vós de maneira
pera ir neste navio.
Essoutro vai mais vazio: 
a cadeira entrará
e o rabo caberá 
e todo vosso senhorio.
Vos irês mais espaçoso
com fumosa senhoria,
cuidando na tirania
do pobre povo queixoso;
e porque, de generoso,
desprezastes os pequenos,
achar-vos-eis tanto menos
quanto mais fontes fumoso. [...]

SAPATEIRO... E pera onde é a viagem?

DIABO: Pera o lago dos danados. 

SAPATEIRO: Os que morrem confessados,
onde têm sua passagem? 

DIABO: Nom cures de mais linguagem!
Esta é a tua barca, esta! 

[...] E tu morreste excomungado:
não o quiseste dizer. 
Esperavas de viver,
calaste dous mil enganos...
tu roubaste bem trint'anos 
o povo com teu mester. [...]

SAPATEIRO: Pois digo-te que não quero! 

DIABO: Que te pês, hás-de ir, si, si!

SAPATEIRO: Quantas missas eu ouvi
não me hão elas de prestar? 

DIABO: Ouvir missa, então roubar,
é caminho per'aqui.

(Gil Vicente, Auto da barca do Inferno, em Cleonice Berardinelli (org.), Antologia do teatro de Gil Vicente. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Brasília: INL. 1984, p 57-58 e 68-69.) 

a) Por que razão específica o fidalgo é condenado a seguir na barca do inferno? E o sapateiro?

O fidalgo era um sujeito arrogante e presunçoso, que havia sustentado sua riqueza com a exploração do povo; além disso, considerava levar consigo todas as suas posses para o céu, daí o comentário do anjo que na outra barca a cadeira entrará / e o rabo caberá / e todo vosso senhorio. Já o sapateiro roubava de seus fregueses, como fica explícito na fala do diabo (tu roubaste bem trint'anos/o povo com teu mester).

b) Além das faltas específicas desses personagens, há uma outra, comum a ambos e bastante praticada à época, que Gil Vicente condena. Identifique essa falta e indique de que modo ela aparece em cada um dos personagens.

Os dois personagens condenados praticam a religião de maneira vã; o fidalgo conta com pessoas rezando em seu lugar e o sapateiro, além de ter escondido que morreu excomungado, alega ter ouvido missas e confessado.


2. (Unicamp-SP) Na seguinte cena do Auto da Barca do Inferno, o Corregedor e o Procurador dirigem-se à Barca da Glória, depois de se recusarem a entrar na Barca do Inferno.

Corregedor: Ó arrais dos gloriosos,
passai-nos neste batel!

Anjo: Ó pragas pera papel, 
pera as almas odiosos! 
Como vindes preciosos, 
sendo filhos da ciência!

Corregedor: Ó! habeatis clemência
e passai-nos como vossos!

Joane (Parvo): Hou, homens dos breviairos, 
rapinastis coelhorum 
et perniz perdiguitorum
e mijais nos campanairos!

Corregedor: Ó! Não nos sejais contrairos, 
Pois nom temos outra ponte!

Joane (Parvo): Beleguinis ubi sunt?
Ego latinus macairos.


Pera: para.

Habeatis: tende.

Homens dos breviairos: homens de leis.

Rapinastis coelhorum / Et perniz perdiguitorum: Recebem coelhos e pernas de perdiz como suborno.

Beleguinis ubi sunt?: Onde estão os oficiais de justiça? 

Ego latinus macairos: Eu falo latim macarrônico.

(Gil Vicente, Auto da Barca do Inferno. São Paulo: Ateliê Editorial, 1996, p. 107-109.)


a) De que pecado o Parvo acusa o homem de leis (Corregedor)? Este é o único pecado de que ele é acusado na peça?

O parvo o acusa de receber suborno (o coelho e a perdiz representam os "presentes" que ele recebia) e de desrespeitar a Igreja ("mijar" nos campanários). Ele também é acusado de enriquecer às custas dessa prática.


b) Com que propósito o latim é empregado pelo Corregedor? E pelo Parvo?

O Corregedor procura usar o latim como uma demonstração de conhecimento, de forma arrogante Além disso, o latim é uma forma que ele tinha de ludibriar aqueles que o procuravam: dominando essa língua, ele poderia dizer coisas sem que os outros o entendessem e assim convencê-los, estratégia que ele acha válida para enganar o anjo e o diabo. O Parvo ironiza esse tipo de comportamento ao usar o latim, já
que é um homem sem instrução, e, portanto, não deveria conhecer a língua (como de fato admite ao dizer que fala "latim macarrônico").

3. (PUC-SP) Gil Vicente, criador do teatro português, realizou uma obra eminentemente popular. Seu Auto da Barca do Inferno, encenado em 1517, apresenta, entre outras características, a de pertencer ao teatro religioso alegórico. Tal classificação justifica-se por:





a) ser um teatro de louvor e litúrgico em que o sagrado é plenamente respeitado.

b) não se identificar com a postura anticlerical, já que considera a igreja uma instituição modelar e virtuosa.

c) apresentar estrutura baseada no maniqueísmo cristão, que divide o mundo entre o Bem e o Mal, e na correlação entre a recompensa e o castigo.

d) apresentar temas profanos e sagrados e revelar-se radicalmente contra o catolicismo e a instituição religiosa.

e) aceitar a hipocrisia do clero e, criticamente, justificá-la em nome da fé cristã.

A divisão entre o bem e o mal e o castigo e a recompensa ocorre na presença das duas barcas, cada uma representando apenas um lado. Não há louvor e liturgia, pois não se trata de teatro em homenagem a símbolos religiosos, e o clero (e não a religião ou a fé) é duramente criticado por sua postura hipócrita.

4. (UFES) Um dos pontos comuns na crítica sobre o Auto da barca do inferno, do dramaturgo português Gil Vicente, é a atualidade da representação dos problemas sociais e morais de sua época, 1517. Por meio de personagens de diversas ordens sociais, como o Fidalgo, o Frade ou a Alcoviteira, o autor tipifica e alegoriza, sobretudo, os vícios.

A partir da cena a seguir entre o Diabo e o Corregedor ("magistrado que tem jurisdição sobre todos os outros juízes de uma comarca, e que tem a função de fiscalizar a distribuição da justiça, o exercício da advocacia e o andamento dos serviços forenses" -  Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa), elabore uma carta dirigida a Gil Vicente, em que seja observada a permanência, na realidade brasileira contemporânea, de problemas que ele apontou satiricamente.

DIABO                  [...] Entrai, entrai, corregedor! 

CORREGEDOR    Hou! Videtis qui petatis! 
                               Super jure majestatis 
                               tem vosso mando vigor? 

DIABO                  Quando éreis ouvidor
                               non ne accepistis rapina? 
                               Pois ireis pela bolina 
                               como havemos de dispor...
                               Oh! Que isca esse papel 
                               para um fogo que eu sei!

CORREGEDOR    Domine, memento mei! 
                               Non est tempus, Bacharel!
                               Imbarquemini in batel
                               quia judicastis malicia.

(VICENTE, Gil. Auto da barca do inferna. In O velho da horta.  Auto da barca do inferno, Farra de Inês Pereira. Ed. Segismundo Spina. 32. ed.São Paulo: Atelier, 1998, p. 155-156.)

Videtis qui petatis: vede o que reclamais.

 Super jure majestatis: acima do direito de majestade.

Non ne accepistis rapina: acaso não recebestes roubo.

 Bolina: cabo de sustentação da vela do barco.

Domine, memento mei: Senhor, lembra-te de mim.

Quia judicastis malicia: porque sentenciastes.com malícia.

Seguindo a estrutura de uma carta, o texto deve apresentar: local e data da escrita; vocativo indicando o interlocutor; desenvolvimento do conteúdo; assinatura. Quanto ao conteúdo, podem ser analisadas notícias em que se vejam exemplos da mesma prática (juízes que beneficiam alguém em troca de dinheiro ou favores). Interessante também é a constatação de que uma prática como essa na sociedade brasileira contemporânea tem origem antiga, e que, portanto, valores que deveriam ser defendidos acabam sendo esquecidos. Outro ponto que pode ser abordado é se a responsabilidade por esses crimes pertence ao sistema judiciário (que pouco mudou desde então e oferece essa possibilidade a quem quer ser desonesto) ou aos indivíduos obcecados pelo poder.


5. (UFRGS-RS) A cena do embarque do frade Babriel é uma das mais importantes do Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente. Numere as seguintes ações de Babriel de acordo com a ordem em que elas ocorrem na referida cena.

(   ) O frade utiliza-se do hábito na tentativa de alcançar a salvação.

(   ) O frade, ao se encontrar com o Diabo, está acompanhado de Florença.

(   ) O frade dirige-se à Barca da Glória.

(   ) O frade é recebido pelo parvo Joane.

(   ) O frade, acompanhado da mulher, acolhe a sentença.

A sequência correta de preenchimento dos parênteses, de cima para baixo, é:

a) 2-1-4-3-5.

b) 3-4-2-5-1. 

c) 2-1-3-4-5.

d) 5-3-2-1-4.

e) 5-2-3-4-1.

 Todos os personagens da peça se dirigem antes ao Diabo e, ao descobrirem que ele os levará, vão procurar o Anjo, tentando convencer esse de que merecem ir para o céu (com exceção dos cavaleiros, que vão direto à barca do Paraíso, pois morreram lutando nas Cruzadas, em nome da fé cristã). O Parvo fica ao lado do anjo, recepcionando todos que chegam.


6. (UFRGS-RS) Considere as seguintes afirmações, relacionadas ao episódio do embarque do fidalgo, da obra Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente.

I. A acusação de tirania e presunção dirigida ao fidalgo configura uma crítica não ao indivíduo, mas à classe a que ele pertence.

II. Gil Vicente critica as desigualdades sociais ao apontar o desprezo do fidalgo aos pequenos, aos desfavorecidos.

III. No momento em que o fidalgo pensa ser salvo por haver deixado, em terra, alguém orando por ele, evidencia-se a crítica vicentina à fé religiosa.

Quais estão corretas?

a) Apenas I.

b) Apenas I e II.

c) Apenas I e III.

d) Apenas II e III.

e) I, II e III.

 A afirmativa III erra em considerar que a crítica era à fé religiosa, tanto que os cavaleiros cristãos,  que morreram lutando pela fé, vão direto para a barca do Paraíso. Na verdade, a crítica era à postura hipócrita daqueles que dizem ter fé, mas não praticam boas ações.


7. (PUC-SP) Gil Vicente escreveu o Auto da Barca do Inferno em 1517, no momento em que eclodia na Alemanha a Reforma Protestante, com a crítica veemente de Lutero ao mau clero dominante na igreja. Nesta obra, há a figura do frade, severamente censurado como um sacerdote negligente. Indique a alternativa cujo conteúdo não se presta a caracterizar, na referida peça, os erros cometidos pelo religioso.

a) Não cumprir os votos de celibato, mantendo a concubina Florença.

b) Entregar-se a práticas mundanas, como a dança.

c) Praticar esgrima e usar armamentos de guerra, proibidos aos clérigos.

d) Transformar a religião em manifestação formal, ao automatizar os ritos litúrgicos.

e) Praticar a avareza como cúmplice do fidalgo, e a exploração da prostituição em parceria com a alcoviteira.

O frade se apresenta com uma moça, dizendo explicitamente que ela é sua companheira e com material de esgrima, fazendo até uma demonstração de suas habilidades. Ele chega ao diabo dançando, numa felicidade quase ingênua pela certeza de que iria para o céu apenas por vestir o hábito. Ele não tem nenhuma relação com os motivos que levaram o fidalgo ou a alcoviteira a serem condenados (na peça, eles nem sequer interagem).


8. (PUC-SP) O teatro de Gil Vicente caracteriza-se por ser fundamentalmente popular. E essa característica manifesta-se, particularmente, em sua linguagem poética, como ocorre no trecho a seguir, de O Auto da Barca do Inferno. 

Ó Cavaleiros de Deus,
A vós estou esperando, 
Que morrestes pelejando 
Por Cristo, Senhor dos Céus! 
Sois livres de todo o mal, 
Mártires da Madre Igreja, 
Que quem morre em tal peleja 
Merece paz eternal.

No texto, fala final do Anjo, temos no conjunto dos versos: 

a) variação de ritmo e quebra de rimas.

b) ausência de ritmo e igualdade de rimas.

c) alternância de redondilha maior e menor e simetria de rimas.

d) redondilha menor e rimas opostas e emparelhadas.

e) igualdade de métrica e de esquemas das palavras que rimam.

Há igualdade métrica nos versos, todos são redondilhas maiores (sete silabas poéticas). O esquema de rimas também segue um padrão ABBA CDDC Esse aspecto formal é próprio de textos populares, inclusive era bastante praticado na lírica trovadoresca, pois facilita o entendimento e a memorização.

9. (UFPA) O monólogo dramático O pranto de Maria Parda, de Gil Vicente, é um desses textos emblemáticos da produção de um dos mais respeitáveis autores portugueses. A peça dispõe de um conteúdo pelo qual perpassam variados sentidos, ligados a problemas sociais, a preconceito, à paródia, ao grotesco, enfim, nela se encontra uma espécie de mosaico de informações de toda ordem. A riqueza de questões suscitadas no monólogo ainda hoje pode ser considerada, como é da natureza do texto vicentino, de atualidade indiscutível.

Com base no comentário acima, é correto afirmar, relativamente à linguagem e ao conteúdo da peça de Gil Vicente, que:

a) a linguagem da peça é rica de lamentos, pragas, pedidos, promessas e muitas exclamações apelativas.

b) os taberneiros de Lisboa constituem uma espécie de coro, na peça, com a função de comentar os la- mentos expressos nas falas de Maria Parda.

c) Há, na peça, uma enfática oposição ao uso de vinho, manifesta no discurso de sacerdotes, escu- deiros e barqueiros.

d) Gil Vicente cria um personagem com as características referidas aqui: doente, envelhecida, “sem gota de sangue nas veias", de corpo "tão seco".

e) Maria Parda - mestiça, atrevida e sexualmente livre - é um personagem que representa a base da pirâmide social lisboeta da época.


Como todo texto de Gil Vicente, a peça tem fundo moralizante. O fato de Maria Parda procurar desesperadamente por alguém que lhe dê vinho e, na impossibilidade de obtê- lo, resolver se matar é crítica ao hábito.

10. (PUC-SP) A farsa "O Velho da Horta" revela surpreendente domínio da arte teatral. Segundo seus estudiosos, Gil Vicente utiliza-se de processos dramáticos que se tornarão típicos em suas criações cômicas. Não condiz com as características de seu teatro 

a) o rigoroso respeito à categoria tempo, delineado na justa sucessão do transcorrer cronológico das ações.

b) a não preparação de cenas e entrada de personagens, o que provoca a precipitação de certos quadros e situações.

c) o realismo na caracterização social, psicológica e linguística de seus personagens.

d) o perfeito domínio do diálogo e grande poder de exploração do cômico.

e) o pouco aparato cênico, limitado ao necessário para sugerir o ambiente em que decorre a peça.

11. (Unicamp-SP) Leia os diálogos abaixo da peça O Velho da Horta de Gil Vicente:

(Mocinha) - Estás doente, ou que haveis?

(Velho) - Ai! não sei, desconsolado,

              Que nasci desventurado.

(Mocinha) - Não choreis;

                  mais mal fadada vai aquela.

(Velho) - Quem?

(Mocinha) - Branca Gil.

(Velho) - Como?

(Mocinha) - Com cent'açoutes no lombo,

                   e uma corocha por capela*.

                   E ter mão;

                   leva tão bom coração,**

                   como se fosse em folia.

                   Ó que grandes que lhos dão!***


*Corocha: cobertura para a cabeça própria das alcoviteiras 

*por capela: por grinalda.

**Caminha tão corajosa.

*** Ó que grandes açoites que lhe dão!

(Gil Vicente, O Velho da Horta, em Cleonice Berardinelli (org.), Antologia do Teatro de Gil Vicente. Rio de Janeiro: Nova Fronteira/Brasília, INL, 1984, p. 274).

a) A qual desventura refere-se o Velho neste diálogo com a Mocinha?

Ao fato de o velho amar uma moça sem ser correspondido, pedindo à alcoviteira que o ajudasse, mas esta também não tem sucesso.

b) A que se deve o castigo imposto a Branca Gil?

Branca Gil, a alcoviteira, decide ajudar o velho em troca de dinheiro. A punição dela se deve ao fato de que seu único objetivo era extorquir o velho com falsas promessas.

c) Diante do castigo, Branca Gil adota uma atitude paradoxal. Por quê?

A contradição presente no comportamento dela é a de ser açoitada em público e ainda "ter bom coração" e andar por aí de cabeça erguida. Isso acontece porque ela já está acostumada aos castigos, de tanto tempo que pratica essas ações.

12. (PUC-SP) A respeito da obra "Farsa do Velho da Horta", escrita em 1512 por Gil Vicente, pode afirmar-se que:

a) peca por não apresentar perfeito domínio do diálogo entre as personagens, resvalando, muitas vezes, por monólogos desnecessários.

b) sofre da ausência de exploração do cômico, já que, tematicamente, permanece na esfera do amor senil.

c) utiliza pouco aparato cênico para sugerir o ambiente em que decorre a peça, já que a pobreza cenotécnica é uma de suas características.

d) falha por falta de unidade de ação provocada por longas digressões, como a ladainha mágica da al- coviteira.

e) obedece rigorosamente ao tratamento do tempo e respeita as normas que dele a tradição consagrou.

Não se pode falar de minimalismo, mas as peças de Gil Vicente usavam somente o aparato cênico necessário para sugerir aos espectadores o cenário real. As grandes qualidades comumente apontadas nas obras de Gil Vicente são os diálogos, o equilíbrio de comicidade e a unidade das peças, que sempre apresentam um fundo moral.

13. (Unifesp) Esta questão baseia-se em fragmentos de um autor português.

                           Auto da Lusitânia

                        (Gil Vicente - 1465?-1536?)

Estão em cena os personagens Todo o Mundo (um rico mercador) e Ninguém (um homem vestido como pobre). Além deles, participam da cena dois diabos, Berzebu e Dinato, que escutam os diálogos dos primeiros, comentando-os, e anotando-os.

Ninguém para Todo o Mundo: E agora que

                                                   [buscas lá?

Todo o Mundo: Busco honra muito grande.

Ninguém: E eu virtude, que Deus mande

                 que tope co ela já.

Berzebu para Dinato: Outra adição nos acude:

                                    Escreve aí, a fundo, que

                                    busca honra Todo o Mundo, e Ninguém busca

                                                                                                [virtude.

Ninguém para Todo o Mundo: Buscas outro mor

                                                       [bem qu'esse?

Todo o Mundo: Busco mais quem me louvasse 
                          tudo quanto eu fizesse.

Ninguém: E eu quem me repreendesse 
                 em cada cousa que errasse.

Berzebu para Dinato: Escreve mais.

Dinato: Que tens sabido?

Berzebu: Que quer em extremo grado 
                Todo o Mundo ser louvado,

                e Ninguém ser repreendido.

Ninguém para Todo o Mundo: Buscas mais,

                                                  [amigo meu?

Todo o Mundo: Busco a vida e quem ma dê.

Ninguém: A vida não sei que é, 
                 a morte conheço eu.

Berzebu para Dinato: Escreve lá outra sorte.

Dinato: Que sorte?

Berzebu: Muito garrida:

               Todo o Mundo busca a vida, 
               e Ninguém conhece a morte.

                                     (Antologia do Teatro de Gil Vicente)

A ironia, ou uma expressão irônica, consiste em, intencionalmente, dizer o contrário do que as palavras significam, no sentido literal, denotativo. Lendo-se o fragmento de Gil Vicente, percebe-se que o autor ironiza a sociedade:

a) no nome dado a Berzebu que, no Novo Testamento, significa o "príncipe dos demônios".

b) no comportamento humilde do personagem Todo o Mundo.

c) na dissimulação contida nos nomes dos personagens e suas caracterizações: Todo o Mundo (= um rico mercador) e Ninguém (= um homem vestido como pobre).

d) no pedido que Berzebu faz a Dinato: "Escreve lá outra sorte."

e) no comportamento obstinado do personagem Ninguém.

14. (UEL-PR) Em Farsa de Inês Pereira (1523), Gil Vicente apresenta uma donzela casadoura que se lamenta das canseiras do trabalho doméstico e imagina casar-se com um homem discreto e elegante. O trecho a seguir é a fala de Latão, um dos judeus que foi em busca do marido ideal para Inês, dirigindo-se a ela:

Foi a coisa de maneira,
tal friúra e tal canseira, 
que trago as tripas maçadas; 
assim me fadem boas fadas 
que me soltou caganeira...
para vossa mercê ver
o que nos encomendou.

Friúra: frieza, estado de quem está frio.

Maçadas: surradas.

Fadem: predizem.

(VICENTE, Gil. Farsa de Inês Pereira. 22. ed. São Paulo: Brasiliense, 1989. p. 95.)

Sobre o trecho, é correto afirmar:

a) Privilegia a visão racionalista da realidade por Gil Vicente, empregada pelo autor para atender as necessidades do homem do Classicismo.

b) É escrito com perfeição formal e clareza de raciocínio, pelas quais Gil Vicente é considerado um mestre renascentista.

c) Retrata uma cena grotesca em que se notam traços da cultura popular, o que não invalida a inclusão de Gil Vicente entre os autores do Humanismo.

d) Sua linguagem é característica de um marcado pelo Renascimento, o que se evidencia pela referência de Gil Vicente a figuras mitológicas clássicas, como as "boas fadas".

e) Revela em Gil Vicente uma visão positiva do homem de fé que se liberta da doença pelo recurso à divindade.


                   BONS
                             ESTUDOS!