O sapo (1928), da pintora modernista Tarsila do Amaral.
Leitura
O poema a seguir, "Os sapos", de Manuel Bandeira, foi declamado por Ronald de Carvalho no segundo sarau da Semana, sob vaias e gritarias. O público, durante a leitura, gritava em uníssono: "Foi, não foi!".
Os sapos
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
-"Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".
O sapo-tanoeiro
Parnasiano aguado,
Diz:- "Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
Vai por cinquenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."
Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei" - "Foi!"
"Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- "A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo".
Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas:
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Verte a sombra imensa;
Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...
(Estrela da vida inteira. 2. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1970. p. 51-2.)
cético: cheio de dúvida.
cognatos: termos que têm o radical em comum, como, por exemplo, pedra e pedreiro.
frumento: o melhor trigo.
joio: planta que nasce entre o trigo e prejudica seu desenvolvimento. perau: barranco, abismo.
transido: penetrado, repassado de frio, dor ou medo.
1. Os modernistas dos anos 1920 frequentemente tinham atitudes de ironia, deboche e critica em relação à cultura oficial.
a) Aponte no poema um exemplo de ironia ou deboche.
A própria crítica a poetas do passado, identificados como "sapos"; a provável referência ao pai de Olavo Bilac, herói na Guerra do Paraguai; o emprego de expressões como "parnasiano aguado".
b) Que movimento literário, visto como representante da cultura oficial, é satirizado? Comprove sua resposta com elementos do texto.
O Parnasianismo, que tinha uma concepção formalista de arte. A referência ao movimento se encontra na expressão "parnasiano aguado" e nos versos " -A grande arte é como/Lavor de joalheiro", que lembram o poema "A profissão de fé", de Olavo Bilac.
c) A fala do sapo-tanoeiro, delimitada pelas aspas, veicula o princípio básico do movimento literário satirizado. Qual é esse princípio?
O princípio da perfeição formal.
2. Explique a oposição feita entre poesia e artes poéticas na 7ª estrofe.
Considerando que são os sapos que estão falando, poesia corresponde à "verdadeira poesia", na concepção parnasiana, ou seja, perfeita formalmente; em oposição a ela, as "artes poéticas" vistas com desprezo, correspondem à poesia de orientação modernista.
3. Faça uma pesquisa, no dicionário ou com o professor de Biologia, sobre os quatro tipos de sapo mencionados no poema: sapo-boi, sapo-tanoeiro (ou ferreiro), sapo-cururu e sapo-pipa. Depois responda:
a) De que modo o poeta sugere o som característico dos sapos?
Empregando expressões e versos bastante ritmados, que têm uma função onomatopeica no texto, como "- 'Não foi!'/-'Foi!'/ - 'Não foi!'".
b) Na hierarquia dos sapos, pelo critério da raridade, qual dos sapos mencionados é o mais simples e comum em nosso país?
O sapo-cururu.
c) Nesse poema, os sapos são metáforas de tendências estéticas da literatura brasileira. Considerando-se a condição precária ("Sem glória, sem fé) do sapo-cururu, o que ele pode representar no cenário cultural brasileiro?
Pode representar o nascer de uma nova poesia ou arte brasileira: simples, cotidiana e à margem da "grita" acadêmica.
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