terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Os sapos, de Manuel Bandeira - Exercícios com gabarito



                             
                                         
                                       O sapo (1928), da pintora modernista Tarsila do Amaral.


Leitura

O poema a seguir, "Os sapos", de Manuel Bandeira, foi declamado por Ronald de Carvalho no segundo sarau da Semana, sob vaias e gritarias. O público, durante a leitura, gritava em uníssono: "Foi, não foi!".

          Os sapos

Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
-"Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

O sapo-tanoeiro
Parnasiano aguado, 
Diz:- "Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo
Em comer os hiatos! 
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinquenta anos 
Que lhes dei a norma: 
Reduzi sem danos 
A fôrmas a forma.

Clame a saparia
Em críticas céticas: 
Não há mais poesia, 
Mas há artes poéticas..."

Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei" - "Foi!" 
"Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
 - "A grande arte é como 
Lavor de joalheiro.

Ou bem de estatuário. 
Tudo quanto é belo, 
Tudo quanto é vário, 
Canta no martelo".

Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas: 
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".

Longe dessa grita,
Lá onde mais densa 
A noite infinita
Verte a sombra imensa;

Lá, fugido ao mundo, 
Sem glória, sem fé, 
No perau profundo
E solitário, é

Que soluças tu, 
Transido de frio,
Sapo-cururu 
Da beira do rio...

(Estrela da vida inteira. 2. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1970. p. 51-2.)

cético: cheio de dúvida.
cognatos: termos que têm o radical em comum, como, por exemplo, pedra e pedreiro.
frumento: o melhor trigo.
joio: planta que nasce entre o trigo e prejudica seu desenvolvimento. perau: barranco, abismo.
transido: penetrado, repassado de frio, dor ou medo.

1. Os modernistas dos anos 1920 frequentemente tinham atitudes de ironia, deboche e critica em relação à cultura oficial. 
 a) Aponte no poema um exemplo de ironia ou deboche. 
A própria crítica a poetas do passado, identificados como "sapos"; a provável referência ao pai de Olavo Bilac, herói na Guerra do Paraguai; o emprego de expressões como "parnasiano aguado".

b) Que movimento literário, visto como representante da cultura oficial, é satirizado? Comprove sua resposta com elementos do texto. 
O Parnasianismo, que tinha uma concepção  formalista de arte.  A referência ao movimento se encontra na expressão "parnasiano aguado" e nos versos " -A grande arte é como/Lavor de joalheiro", que lembram o poema "A profissão de fé", de Olavo Bilac.

c) A fala do sapo-tanoeiro, delimitada pelas aspas, veicula o princípio básico do movimento literário satirizado. Qual é esse princípio? 
O princípio da perfeição formal.

2. Explique a oposição feita entre poesia e artes poéticas na 7ª estrofe.
Considerando que são os sapos que estão falando, poesia corresponde à "verdadeira poesia", na concepção parnasiana, ou seja, perfeita formalmente; em oposição a ela, as "artes poéticas" vistas com desprezo, correspondem à poesia de orientação modernista. 

3. Faça uma pesquisa, no dicionário ou com o professor de Biologia, sobre os quatro tipos de sapo mencionados no poema: sapo-boi, sapo-tanoeiro (ou ferreiro), sapo-cururu e sapo-pipa. Depois responda: 
a) De que modo o poeta sugere o som característico dos sapos?
Empregando expressões e versos bastante ritmados, que têm uma função onomatopeica no texto, como "- 'Não foi!'/-'Foi!'/ - 'Não foi!'".

b) Na hierarquia dos sapos, pelo critério da raridade, qual dos sapos mencionados é o mais simples e comum em nosso país? 
O sapo-cururu.

c) Nesse poema, os sapos são metáforas de tendências estéticas da literatura brasileira. Considerando-se a condição precária ("Sem glória, sem fé) do sapo-cururu, o que ele pode representar no cenário cultural brasileiro? 
Pode representar o nascer de uma nova poesia ou arte brasileira: simples, cotidiana e à margem da "grita" acadêmica.

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