domingo, 8 de janeiro de 2023

Questões de vestibular: Linguagem literária

1. (UEPG-PR)

                        Prova de amor

    "Meu bem, deixa crescer a barba para me agradar", pediu ele.

    E ela, num supremo esforço de amor, começou a fiar dentro de si e a laboriosamente expelir aqueles novos pelos, que na pele fechada feriam caminho.

    Mas quando, afinal, doce barba cobriu-lhe o rosto, e com orgulho expectante entregou sua estranheza àquele homem: "Você não é mais a mesma", disse ele.

    E se foi.

Adaptado de: COLASANTI, Marina. Contos de amor rasgados. Rio de Janeiro, Rocco, 1986. p.165.

Com relação ao texto, assinale o que for correto.

(01.) Por meio da linguagem literária, a autora cria uma situação fictícia para analisar as relações humanas.

(02.) O texto é um exemplo de texto literário em prosa.

04. Com o desfecho, mostra-se a decepção do homem com a falta de amor da mulher por ele.

08. Pela característica idealizada das personagens do texto, pode-se afirmar que a autora Marina Colasanti foi uma das principais autoras do Romantismo brasileiro.

Soma: 03 (01 +02)

2. (UERJ)

                  Por que ler?

    Certas coisas não basta anunciar, como uma verdade que deve ser aceita por si só. Precisamos dizer o porquê. Se queremos fazer os brasileiros lerem mais de um livro por ano, essa trágica média nacional, precisamos de fato conquistar o seu interesse.
    Listo os três benefícios fundamentais que a leitura pode trazer.
    O primeiro: ler nos faz mais felizes. É um caminho para o autoconhecimento, e o exercício constante de autoconhecimento é um caminho para a felicidade. A vida, também no plano individual, é mais intensa na busca. Os personagens de um livro de ficção, os fatos de um livro-reportagem, as ideias de um livro científico, interagem com os nossos sentimentos, ora refletindo-os, ora agredindo-os, e portanto servindo de parâmetro para sabermos quem somos, seja por identidade ou oposição.
    O segundo benefício: ler nos torna amantes melhores. Treina nossa sensibilidade para o contato com o outro. Amores românticos, amores carnais, amores perigosos, amores casuais, amores culpados, todos estão nos livros. A sensibili- dade do leitor encontra seu caminho. E quanto mais o nosso imaginário estiver arejado pelas infinitas opções que as histórias escritas nos oferecem, sejam elas factuais ou ficcionais, com mais delícia aproveitamos os bons momentos do  amor, e com mais calma enfrentamos os maus.
    Por fim: ler nos torna cidadãos melhores. Os livros propiciam ao leitor um ponto de vista privilegiado, de onde observa conflitos de interesses. No processo, sua consciência é estimulada a se posicionar com equilíbrio. Tendem a ganhar forma, então, princípios de "honestidade", "honra", "justiça" e "generosidade". Guiado por estes valores, o leitor pode enfim ultrapassar as fronteiras sociais, e ver a humanidade presente em todos os tipos, em todas as classes. 
    Teríamos menos escândalos de corrupção, se léssemos mais; construiríamos uma sociedade menos injusta, se educássemos melhor os nossos espíritos; eu acredito nisso.

                         Rodrigo Lacerda 
Adaptado de rodrigolacerda.com.br

O texto do escritor Rodrigo Lacerda sugere que, por meio da literatura, o leitor pode acompanhar perspectivas diferentes da própria. O trecho que explicita o contato do leitor com perspectivas distintas é:
a) A vida, também no plano individual, é mais intensa na busca. (L. 12-13)
(b) Os livros propiciam ao leitor um ponto de vista privilegiado, de onde observa conflitos de interesses. (L. 32-33)
c) Tendem a ganhar forma, então, princípios de "honestidade", "honra", "justiça" e "generosidade". (L. 35-37)
d) construiríamos uma sociedade menos injusta, se educássemos melhor os nossos espíritos; (L. 42-44)

3. (UEG-GO) Leia o excerto abaixo.

    CASA VELHA DA PONTE... Velho documen- tário de passados tempos, vertente viva de estórias e de lendas. Gerações de rolinhas fogo-pagô descantam teus anos jubilosos, desfilando nas altas cumeeiras.

       CORALINA, Cora. Estórias da casa velha da ponte. São Paulo: Global. p. 8-9.

No contexto da prosa poética praticada por Cora Coralina, a utilização da palavra "estórias" com "e" e não com "h" indica que a poetisa:

a) acredita que o passado só pode ser redescoberto e reescrito por meio da expressão poética. 
b) defende, retomando Aristóteles, que a prática poética é mais completa do que a narrativa histórica.
c) estabelece que pretende unificar os conceitos de estória, história, lenda e documento por meio de sua poesia.
(d) pretende enfocar o passado conforme suas memórias, sem a pretensão de estabelecer uma verdade absoluta.

4. (Cefet-MG) A questão a seguir refere-se ao livro Nova antologia poética, de Vinicius de Moraes.

                 Soneto de separação

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente 
Fez-se de triste o que se fez amante 
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante 
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

Oceano Atlântico, a bordo do Highland Patriot, a caminho da Inglaterra, setembro de 1938. 

Sobre os recursos de linguagem empregados na construção do poema, afirma-se:

I. As semelhanças sonoras entre palavras como "espalmadas" e "espanto", "branco" e "bruma" exemplificam o uso de aliterações no texto.

II. A repetição, ao longo do poema, da expressão "de repente", acentua a ideia do espanto trazido pela separação.

III. O uso de algumas antíteses no texto demonstra o contraste entre os momentos antes e depois da separação. 

IV. No primeiro verso da segunda estrofe, a palavra "vento" metaforiza a tranquilidade anterior à separação. 

Estão corretas apenas as afirmativas:

a) I e II.
b) I e IV.
c) III e IV.
d) I, II e III.
e) II, III e IV.

5. (UEMG)

                   Palavras de amor

                              Contardo Calligaris

    Os sentimentos funcionam como picadas de mosquito, que coçamos e recoçamos até que se tornem feridas infectadas e, às vezes, septicemias generalizadas (quem sabe fatais). Salvo um exercício difícil de autocontrole, qualquer picada pode adquirir uma relevância desmedida: a gente tende a se coçar muito além da conta porque descobre que se coçar não é um alívio, mas um prazer autônomo em si.
    Por isso mesmo, em geral, não confio nos sentimentos - nem nos meus, nem nos dos outros. Não é que eu supunha que os humanos mintam quando amam, odeiam ou se desesperam no luto. Nada disso.
    Apenas verifico que os sentimentos, em geral, são condições autoinduzidas: transtornos ou desvios produzidos pelos próprios indivíduos, que, se não procuram sarnas para se coçar (como diz o ditado), no mínimo adoram coçar as sarnas que eles têm. Detalhe: coçando, aumenta o prurido, assim como aumentam a vontade e o prazer de se coçar.
    Tomemos o exemplo do amor. Eu encontro, conheço ou vislumbro de longe alguém que preenche algumas condições básicas para que eu goste dela. Sussurrando entre quatro paredes ou gritando em praça pública, anotando no meu diário ou escrevendo para grandes editoras, passo a encher o ar ou as páginas com as descrições da beleza inigualável de minha amada e com as declarações hiperbólicas de meu sentimento.
    Claro, minha prosa ou poesia poderão, quem sabe, conquistar meu objeto de amor, mas esse é um efeito colateral. O efeito mais importante (e esperado) de minhas palavras de amor não é tanto o de seduzir o objeto de meus sonhos, mas o de eu me apaixonar cada vez mais. Pois a intensidade do meu amor será diretamente proporcional à insistência e virulência de minhas declarações.
    Em linguística, chamamos performativas aquelas expressões que, ao serem proferidas, constituem o fato do qual elas falam. Exemplo clássico: um chefe de Estado dizendo "Declaro a guerra" - essa frase é a própria declaração de guerra. 
    Dizer que sou apaixonado, que odeio ou que me desespero no luto talvez não sejam propriamente performativos. Mas se trata, no mínimo, de semiperformativos, ou seja, talvez os sentimentos existam antes de serem declarados, mas eles só crescem e tomam conta da gente na hora de serem ditos, descritos e contados - na hora de sua declaração, pública ou privada.
    Há três razões pelas quais o amor é absolutamente indissociável da literatura amorosa. A primeira é que a gente aprende a amar e a declarar o amor pela literatura. A segunda é que o amor se tornou relevante em nossa vida à força de ser descrito e idealizado pela literatura. A terceira é que o amor, como sentimento, é um efeito das palavras que o expressam: a literatura nos instiga a amar tanto quanto nossas próprias declarações amorosas.
    Acabo de terminar a prazerosa leitura de "Como os Franceses Inventaram o Amor" (editora Prumo). Nele, Marilyn Yalom percorre a literatura francesa e revela que ela é um repertório completo do amor.
    A coisa começa com o triângulo amoroso, que não é um acidente ou um imprevisto do amor; ao contrário, o amor começa, mil anos atrás, com o triângulo amoroso. Tristão escolta Isolda, a futura esposa de seu tio, e se apaixona por ela.
    Lancelote venera seu rei Artur, mas se apaixona pela rainha. E, em geral, os poetas do amor cortês amam damas casadas (e frequentemente fiéis a seus senhores, aliás).
    A França é, para Yalom, a pátria do amor. Não só pela riqueza de sua literatura, mas justamente porque, na cultura francesa, do amor cortés do século 12 até as conversas das preciosas nos salões parisienses do século 17 (que Molière ridicularizava, mas também admirava), amar é, antes de mais nada, uma arte de dizer, de ser efeito das próprias palavras que usamos ao declarar e descrever nosso sentimento.
    Alguns acham que falta amor em sua vida. Como Emma Bovary ou Anna Kariênina (extraordinária a tradução de Rubens Figueiredo, pela Cosac Naify), temem que, sem amor, sua vida nunca chegue a ter a dignidade de um romance. A eles, recomendo paciência: os tempos mudam, e talvez se afirme hoje, aos poucos, uma retórica nova, menos sentimental, capaz de dar valor literário a uma vida sem amores e paixões.
    Outros se queixam dos estragos que o excesso de amor faz em sua vida. Aqui a cura é simples: eles não vão acreditar, mas basta se calar um pouco, assim como é suficiente não se coçar para que as picadas de mosquito parem de incomodar.

(www.folha.uol.com.br/colunas. Acesso: 9/8/2013.)

A passagem a seguir foi retirada da obra A mão e a luva, de Machado de Assis.

    Estêvão, que não tirava os olhos dela, men- talmente pedia ao céu a fortuna de a ter mais próxima, e ansiava por vê-la chegar à rua que lhe ficava diante. Contudo, era difícil que lhe parecesse mais formosa do que era, vista assim de perfil, a escapar por entre as árvores. O jovem bacharel, para não perder o sestro dos primeiros tempos, avocava todas as suas reminiscências literárias; a desconhecida foi sucessivamente comparada a um serafim de Klopstock, a uma fada de Shakespeare, a tudo quanto na memória dele havia mais aéreo, transparente, ideal.

A situação narrada nessa passagem corrobora as ideias defendidas no texto Palavras de amor, na medida em que:

a) evidencia que as palavras de amor distanciam o amante do objeto de seus sonhos.
b) contém uma retórica nova, capaz de dar valor literário a uma vida sem amores.
c) contesta a ideia de que obras literárias fazem alusão a histórias de amor não correspondido.
d) exemplifica que o amor se vincula a descrições e idealizações presentes na literatura.

6. (UERJ)

     Porque a realidade é inverossímil

    Escusando-me por repetir truísmo tão martelado, mas movido pelo conhecimento de que os truísmos são parte inseparável da boa retórica narrativa, até porque a maior parte das pessoas não sabe ler e é no fundo muito ignorante, rol no qual incluo arbitrariamente você, repito o que tantos já dizem e vivem repetindo, como quem usa chupetas: a realidade é, sim, muitíssimo mais inacreditável do que qualquer ficção, pois esta requer uma certa arrumação falaciosa, a que a maioria dá o nome de verossimilhança. Mas ocorre precisamente o oposto. Lê-se ficção para fortalecer a noção estúpida de que há sentido, lógica, causa e efeito lineares e outros adereços que integrariam a vida. Lê-se ficção, ou mesmo livros de historiadores ou jornalistas, por insegurança, porque o absurdo da vida é insuportável para a vastidão dos desvalidos que povoa a Terra.

João Ubaldo Ribeiro. Diário do Farol. Rio de Janeiro:
                  Nova Fronteira, 2002.

escusando-me - desculpando-me.
truísmo - verdade trivial, lugar comum.  falaciosa - enganosa, ilusória.

O título do texto soa contraditório, se a verossimilhança for tomada como uma semelhança com o mundo real, com aquilo que se conhece e se compreende.
Essa contradição se desfaz porque, na interpretação do autor, a ficção organiza elementos da vida, enquanto a realidade é considerada como:
a) linear.
b) absurda.
c) estúpida.
d) falaciosa.

7. (UERJ)

          Superman: 75 anos

    Não era um pássaro nem um avião. O verdadeiro Superman era um pacato conta- dor passando férias num resort¹ ao norte de Nova York.
    Joe Shuster, um dos criadores do persona- gem, junto com Jerry Siegel, descansava na colônia de férias quando encontrou Stanley Weiss, jovem de rosto quadrado e porte atlético, que ele julgou ser a encarnação do herói. Lá mesmo, pediu para desenhar o moço que serviria de modelo para os quadrinhos dali em diante. Só neste ano, esses desenhos estão vindo à tona nos E.U.A., como parte das atividades comemorativas dos 75 anos do personagem.
    Embora tenha mantido a aparência de rapagão musculoso, Superman não foi o mesmo ao longo dos anos. Nos gibis, oscilou entre mais e menos sarado. Na TV, já foi mais rechonchudo, até reencarnar como o púbere Tom Welling, da série de TV "Smallville".
    "Desde pequeno eu sabia que Superman não existia. Mas também sabia que meu pai era o verdadeiro Superman", brincou David Weiss, filho do modelo do herói, em entrevista à Folha de São Paulo. Weiss cresceu comparando o rosto do pai ao desenho pendurado na sala de casa. Mas logo Joe Shuster, que foi seu principal de- senhista, acabaria cedendo espaço para novos cartunistas, que adaptaram a figura aos fatos correntes.
    "Essa mudança é o segredo do Superman. Cada época precisa de um herói só seu, e ele sempre pareceu ser o cara certo", diz Larry Tye, considerado o maior estudioso do personagem. "Nos anos 1930, ele tiraria a América da Grande Depressão. Nos anos 1940, era duro com os nazistas. Nos anos 1950, lutou contra a onda vermelha do comunismo." E foi mudando de cara de acordo com a função.
    Invenção dos judeus Jerry Siegel e Joe Shuster, Superman também é visto como um paralelo da história de Moisés, a criança exilada que cresce numa terra estrangeira e depois se apresenta como um salvador. A aparência é um misto do também personagem bíblico Sansão, do deus grego Hércules e de acrobatas de circo. Mas há quem atribua, até hoje, a dualidade do personagem, que se alterna entre o nerd³ indefeso, tímido e de vista fraca (como Joe Shuster) e um super-herói possante, à origem judaica dos seus criadores. 
    "É o estereótipo judeu do homem fraco, tímido e intelectual que depois se revela um grande herói", diz Harry Brod, autor do e-book Superman Is Jewish? (Superman é judeu?), lançado nos E.U.A. em novembro passado. "Ele é a versão moderna de Moisés: um bebê de Krypton enviado à Terra, que desenvolve superpoderes para salvar o seu povo."
    Segundo Brod, a analogia é tão nítida que os nazistas chegaram a discutir a suposta re- lação em revistas de circulação interna do re- gime. Mas, para ele, Hollywood e o tempo su- avizaram o paralelo, transformando Superman numa releitura de Jesus Cristo. "Sua figura foi se tornando mais cristã com o tempo", diz Brod. "Não importa a religião. A ideia de um fracote que se torna um herói não deixa de ser uma fantasia universal."

Silas Martí. Adaptado de folha.uol.com.br, 03/03/2013.

resort - hotel com área de recreação.
púbere - adolescente.
nerd - pessoa muito estudiosa.

"Não era um pássaro nem um avião." (1. 1)

A primeira frase do texto remete às perguntas feitas por personagens que observavam intrigados o voo do Super-homem em suas muitas histórias: É um pássaro? É um avião? Não! É o Super-homem!
Essa primeira frase configura um recurso da linguagem conhecido como:
a) ironia.
b) designação.
c) verossimilhança. 
d) intertextualidade.

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