terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Interpretação textual: Violência nas escolas


                  As várias faces da violência

    PARA COMEÇO DE CONVERSA

    Pesquisa do Unicef publicada em março de 2018 revelou que, em todo o mundo, metade dos estudantes entre 13 e 15 anos de idade- cerca de 150 milhões de jovens - já foi vítima de atos de violência por parte dos colegas dentro e fora do ambiente escolar. Essa é uma das faces da violência cotidiana vivida por muitas pessoas no dia a dia. Com base nessas informações e em suas experiências, você e seus colegas vão conversar sobre as várias faces da violência.

1. O que você entende por "ato de violência"?

Resposta pessoal 

    Espera-se que os alunos passam associar a violência não só às agressões físicas, mas a tudo aquilo que fere os direitos humanos e dos cidadãos.

2. Como você vê em seu dia a dia as várias faces da violência?

Resposta pessoal 

     Espera-se que os alunos possam compartilhar como veem a violência ocorrida com eles e com os familiares de diferentes formas. Essa é uma pergunta muito sensível, pois pode trazer à tona situações de vida muito difíceis para os alunos expressarem, por isso crie um ambiente de confiança e acolhimento e os conforte, caso haja necessidade.

3. Em sua opinião, quais são as principais causas da violência?

Resposta pessoal

    Espera-se que os alunos relacionem a violência principalmente à desigualdade social, ao uso e tráfico de drogas, à falta de acesso à educação, à segurança pública e a não garantia dos direitos humanos e de cidadania, entre vários outros.

4. Quais são as consequências da violência em sua vida? E em sua comunidade?

 Resposta pessoal

     Espera-se que os alunos citem, por exemplo, o medo, a insegurança, a desconfiança, a perda da liberdade de ir e vir com tranquilidade, entre outras.

5. Agora, observe a charge:




a) Que sentimentos são transmitidos pela expressão facial a pelo gesto da mãe?

     A expressão facial e o gesto da mãe são positivos e demonstram contentamento, satisfação.

b) A menina compartilha dos mesmos sentimentos da mãe? Por quê?

    A menina parece assustada, desconfortável.

c) Para onde a menina está indo? Que elementos fazem você deduzir isso? 

    A menina está indo para a escola. É possível deduzir isso porque está vestindo uniforme e segura um caderno.

 d) Na imagem, há dois elementos que não se relacionam ao contexto escolar. Quais são eles?

     A menina está vestindo um colete à prova de balas e leva um kit de primeiros socorros no lugar da lancheira.

e) Que crítica social essa charge revela? Você concorda ou discorda da crítica feita pelo cartunista?
    Explique.

    A charge revela uma crítica à violência escolar, ao percurso entre a escola e a casa e dentro da
própria escola fazendo referência a alguns episódios de tiroteios ocorridos no interior de algumas
escolas no Brasil e no exterior.


6. Você acha que é possível acabar com a violência em nossa sociedade? Por quê? 

Resposta pessoal

7.  Se a resposta à pergunta anterior for afirmativa, explique de que forma.


Resposta pessoal



OBSERVAÇÕES:


5. Oriente os alunos a observarem todos os elementos verbais e visuais que compõem a charge e a relacioná-los. Motive- os a manifestar seu posicionamento em relação à crítica feita na charge, de modo que possam elencar as diferentes formas de violência às quais a menina possa ser submetida na escola e no percurso. Peça aos alunos que apresentem exemplos de situações de violência que já presenciaram na escola e no seu entorno.

6 e 7. Amplie a discussão para toda a turma e incentive o compartilhamento de opiniões e vivências. Espera-se que os alunos apresentem esperança para aca- bar com a violência. Ajude-os a pensar sobre a falta de oportunidade de muitas pessoas, principalmente em comunidades mais carentes. Peça que elenquem as ações que poderiam ser feitas para atender às necessidades de educação, cultura, lazer e esporte para a população jovem nas comunidades. Ajude-os a distinguir qual seria o papel da comunidade e quais políticas devem ser exigidas do Estado.


sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

Quincas Borba, de Machado de Assis (Atividade com gabarito)

   Leitura

                 Quincas Borba (fragmento)

                          Machado de Assis

    Quincas Borba, que não deixara de andar, parou alguns instantes.
    - Queres ser meu discípulo? 
    - Quero.
    -Bem, irás entendendo aos poucos a minha filosofia; no dia em que a houveres penetrado inteiramente, ah! nesse dia terás o maior prazer da vida, porque não há vinho que embrague como a verdade. Cré-me, o Humanitismo é o remate das cousas; e eu, que o formulei, sou o maior homem do mundo. Olha, vês como o meu bom Quincas Borba está olhando para mim? Não é ele, é Humanitas...
    - Mas que Humanitas é esse?
    - Humanitas é o princípio. Há nas cousas todas certa substância recôndita e idêntica, um princípio único, universal, eterno, comum, indivisível e indestrutível [...]. Pois essa substância ou verdade, esse princípio indestrutível é que é Humanitas. Assim lhe chamo, porque resume o universo, e o universo é o homem. Vais entendendo?
    -Pouco; mas, ainda assim, como é que a morte de sua avó...
    -Não há morte. O encontro de duas expansões, ou a expansão de duas formas, pode determinar a supressão de uma delas; mas, rigorosamente, não há morte, há vida, porque a supressão de uma é a condição da sobrevivência da outra, e a destruição não atinge o princípio universal e comum. Daí o caráter conservador e benéfico da guerra. Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos, que assim adquire forças para transpor a montanha e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se perfeitamente e morrem de inanição. A paz, nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos os demais efeitos das ações bélicas. Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar-se, pelo motivo real de que o homem só comemora e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.
    - Mas a opinião do exterminado? 
    - Não há exterminado. Desaparece o fenômeno; a substância é a mesma. Nunca viste ferver água? Hás de lembrar-te que as bolhas fazem-se e desfazem-se de contínuo, e tudo fica na mesma água. Os indivíduos são essas bolhas transitórias.
    - Bem; a opinião da bolha... 
    - Bolha não tem opinião. [...]

Quincas Borba. In Obra completa. Vol. I. Rio de Janeiro José Aguilar Editora, 1962, p. 646-647.


         Releitura

1. Neste trecho da obra, Quincas Borba, pouco tempo antes de morrer e já tomado pela loucura, convida Rubião para "discípulo" e lhe transmite alguns rudimentos do Humanitismo: a "doutrina filosófica" por meio da qual Machado de Assis ironiza o raciocínio evolucionista, positivista e determinista de sua época. De acordo com o Humanitismo, em nome de Humanitas, isto é, de um princípio irredutível, de uma verdade ou substância que resumiria o universo, a morte se transformaria em vida.

a. Em que argumento básico Quincas Borba se baseia para justificar essa afirmação?

b. Qual a segunda afirmação utilizada por Quincas Borba para explicar o Humanitismo?

c. Qual a função da história sobre as tribos famintas e o campo de batatas, contada por Quincas Borba?

2. Na sua opinião, o que as argumentações utilizadas por Quincas Borba deixam de considerar?

3. O que há em comum entre as afirmações e argumentações de Quincas Borba e o cientificismo da segunda metade do século XIX, presente, por exemplo, na construção de certas personagens naturalistas?

4. Relendo o trecho, e considerando o caráter irônico de que se reveste a presença do Humanitismo na obra, comente o que irônico na frase: "Ao vencedor, as batatas."


RESPOSTAS

1a. Quincas Borba baseia-se no argumento de que a destruição de uma coisa é a condição para o desenvolvimento da outra.

1b. É a afirmação de que a guerra tem um caráter benéfico e conservador.

1c. Quincas Borba conta essa história para fundamentar sua opinião sobre o caráter benéfico que atribui à guerra.

2. Resposta pessoal. Seria interessante conduzir a discussão de modo que os alunos percebam que a defesa do princípio deixa de lado as criaturas, cuja existência se reduz à necessidade de justificá-lo.

3. O elemento comum é a tendência de utilizar a vida humana de forma mecanicista para demonstrar teses redutoras.

4. Resposta pessoal. Professor, seria interessante uma discussão com a classe sobre a ironia diante da figura do vencedor, a quem "batatas" não parece constituir uma recompensa condigna.

Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis (Atividade com gabarito)

                               Capítulo primeiro/óbito do autor 

    [...]

    Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte não a pôs no introito, mas no cabo: diferença radical entre este livro e o Pentateuco.

    Dito isto, expirei às duas horas da tarde de uma sexta-feira do mês de agosto de 1869, na minha bela chácara de Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos e prósperos, era solteiro, possuía cerca de trezentos contos e fui acompanhado ao cemitério por onze amigos. Onze amigos! Verdade é que não houve cartas nem anúncios. Acresce que chovia - peneirava - uma chuvinha miúda, triste e constante, tão constante e tão triste, que levou um daqueles fiéis da última hora a intercalar esta engenhosa ideia no discurso que proferiu à beira de minha cova:  -"Vós, que o conhecestes, meus senhores, vós podeis dizer comigo que a natureza parece estar chorando a perda irreparável de um dos mais belos caracteres que têm honrado a humanidade. Este ar sombrio, estas gotas do céu, aquelas nuvens escuras que cobrem o azul como um crepe funéreo, tudo isso é a dor crua e má que lhe rói à natureza as mais íntimas entranhas; tudo isso é um sublime louvor ao nosso ilustre finado." 
    Bom e fiel amigo! Não, não me arrependo das vinte apólices que lhe deixei. [...]

Memórias póstumas de Brás Cubas. In Obra completa, vol. 1. Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1962.

   
                         Releitura


1. No primeiro parágrafo, o narrador compara suas Memórias com o Pentateuco: os cinco primeiros livros do Velho Testamento, atribuídos ao profeta Moisés, sugerindo que a diferença radical entre ambas as obras estaria apenas no tipo de sequência de que se utilizam.

a. Na sua opinião, qual é na verdade a diferença radical cia as Memórias de Brás Cubas do Pentateuco? que distancia as Memórias de Brás Cubas do Pentateuco?

b. A partir dessa comparação, o que se pode dizer da personalidade  de Brás Cubas?

2. Por que Brás Cubas sente a necessidade de justificar a exígua presença de amigos em seu enterro? E como ele faz isso?

3. O discurso fúnebre tem um forte elemento romântico, ironizado pelo escritor. De que elemento se trata?

4. Relacione a afirmação de que é irônica a utilização do Romantismo no texto com a última frase nele presente.

                                      RESPOSTAS

1a. Enquanto o Pentateuco é uma obra sagrada, fundadora de uma tradição religiosa e atribuída a um profeta de importância universal, as Memórias... constituem apenas o relato que um homem faz de sua vida, depois de morto.

1b. A grandiloquência dessa comparação denuncia a mania de grandeza do narrador- personagem.

2. Considerando que Brás Cubas se comparou ao profeta Moisés, universalmente conhecido, ele precisa justificar o pequeno comparecimento a seu enterro e faz isso explicando não ter havido anúncio de falecimento e que, ainda por cima, chovia na ocasião.

3. Trata-se da utilização da natureza para expressar sentimentos humanos.

4. Na última frase deste fragmento, Brás Cubas refere-se ao dinheiro que deixara ao amigo, colocando em dúvida a sua bondade, a sua fidelidade e também a veracidade do elogio fúnebre que este lhe compõe.


O Ateneu, de Raul Pompeia (Atividade com gabarito)

1. Leia e releia o seguinte texto, escrito por Raul Pompeia:

    [...]

    "Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai, à porta do Ateneu. Coragem para a luta."

    Bastante experimentei depois a verdade deste aviso, que me despia, num gesto, das ilusões de criança educada exoticamente na estufa de carinho que é o regímen do amor doméstico; diferente do que se encontra fora, tão diferente, que parece o poema dos cuidados maternos um artifício sentimental, com a vantagem única de fazer mais sensível a criatura à impressão rude do primeiro ensinamento, têmpera brusca da vitalidade na influência de um novo clima rigoroso. Lembramo-nos, entretanto, com saudade hipócrita, dos felizes tempos; como se a mesma incerteza de hoje, sob outro aspecto, não nos houvesse perseguido outrora, e não viesse de longe a enfiada das decepções que nos ultrajam. [...]

     Eu tinha onze anos.

    [...]

              Raul Pompéia. O Ateneu. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1976, pág. 21.


a. Que foco narrativo caracteriza o romance? Compare-o com o foco narrativo de O cortiço, apresentado na postagem anterior.

    O romance apresenta um narrador-personagem, ou seja, alguém que conta e é personagem ao mesmo tempo, utilizando a 1ª pessoa verbal. Já em O cortiço, temos um narrador em 3ª pessoa, o qual não participa da história que relata. 

b. O narrador de O Ateneu é um menino ou um adulto? Por quê?

    Ele apresenta-se como um adulto que vai rememorar o passado, ou seja, vai relatar sua primeira experiência de individualização, seu primeiro contato com o mundo, representado pelo Ateneu. 

c. Um dos procedimentos literários mais característicos de O Ateneu é a mistura entre ação e digressão. Explique como se dá tal procedimento nos parágrafos de abertura da obra.

    A frase que inicia o romance reproduz, em discurso direto, uma fala do pai ao menino que o narrador foi. Em seguida, o narrador corta essa cena e faz uma amarga reflexão sobre a própria infância. 

d. Ao associar "o poema dos cuidados maternos" a um “artifício sentimental", podemos afirmar que o narrador inicia a destruição do "mito da infância feliz". Justifique essa afirmação, relacionando-a com o componente de ironia existente na passagem.

     A ironia está no fato de o narrador apresentar como "vantagem única" do "poema dos cuidados maternos" na verdade sua maior desvantagem: fragilizar o indivíduo, e assim tornar mais brusco o seu contato com o mundo. 

e. A desconfiança lançada sobre a "naturalidade” e a “positividade" do amor materno, nossa referência de vida mais primitiva, mostra que o romance articula-se por meio de uma postura niilista do narrador. Nesse sentido, a que autor da literatura brasileira ele remete? Mencione um recurso estilístico que aproxima os autores. 

    Trata-se de Machado de Assis, o mestre tanto do niilismo quanto do uso da técnica da digressão, recurso de estilo que permite a aproximação entre os autores.


                           BONS ESTUDOS!

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

O cortiço, de Aluísio Azevedo - Atividade com gabarito


    "Estalagem de São Romão. Alugam- se casinhas e tinas para lavadeiras."

    As casinhas eram alugadas por mês e as tinas por dia; tudo pago adiantado. O preço de cada tina, metendo a água, quinhentos réis; sabão à parte. As moradoras do cortiço tinham preferência e não pagavam nada para lavar. [...]

    E aquilo se foi constituindo numa grande lavanderia, agitada e barulhenta, com as suas cercas de varas, as suas hortaliças verdejantes e os seus jardinzinhos de três e quatro palmos, que apareciam como manchas alegres por entre a negrura das limosas tinas transbordantes e o revérbero das claras barracas de algodão cru, armadas sobre os lustrosos bancos de lavar. E os gotejantes jiraus, cobertos de roupa molhada, cintilavam ao sol, que nem lagos de metal branco. 
    E naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa, começou a minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, uma geração, que parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, e multiplicar-se como larvas no esterco.

                                                                       O cortiço. São Paulo, Ática, 1997.



Vocabulário

Cortiço - habitação coletiva das classes pobres.

Revérbero - luz, ou efeito de luz refletida, reflexo.

Jirau - estrado de varas sobre forquilhas cravadas no chão.

Fumegante - que fumega (lança fumaça).

Esfervilhar - remexer-se muito, revolver-se com rapidez, fervilhar.



    Considerado nosso mais bem acabado romance naturalista, O cortiço baseia-se na rivalidade entre João Romão - comerciante português que representa a ganância, a vontade de vencer na vida a qualquer custo e o comendador Miranda - burguês bem-sucedido cuja posição João Romão admira e inveja simultaneamente.

    Essa história, que tem como personagens tipos sociais, e não propriamente pessoas, revela a genialidade com que Aluísio Azevedo soube retratar as coletividades e as contradições entre exploradores e explorados, no Rio de Janeiro popular e urbano da 2ª metade do século XIX.

                    
                    Releitura

 
1. No fragmento lido, o narrador utiliza uma visão panorâmica para descrever o surgimento de um cortiço. Na sua opinião, que relação existe entre o distanciamento em que se coloca perante a cena apresentada e o estilo realista?

    O distanciamento do narrador perante a cena apresentada constitui um procedimento característico do estilo realista, já que permite o não envolvimento emocional do autor com a história, e, portanto, sua postura racional e objetiva em relação aos fatos expostos.

2. Uma característica naturalista do fragmento é o paralelo entre o cortiço e o mundo animal, estabelecido por palavras e expressões que evocam este mundo, aproximando o cortiço de seus domínios.

 a. Transcreva o parágrafo que melhor ilustra essa afirmação.

    " E naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa, começou a minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, uma geração, que parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, e multiplicar-se como larvas no esterco."

b. Destaque, do parágrafo transcrito, os verbos que indicam tratar- se de uma proliferação promíscua, bestial de pessoas.

    Os verbos são minhocar, esfervilhar, crescer, brotar, multiplicar-se.

c. Agora destaque, do mesmo parágrafo, conjuntos de substantivos e adjetivos que constituem e caracterizam o ambiente do cortiço.

     "terra encharcada e fumegante"; "umidade quente e lodosa".

3. A fusão entre os seres e o ambiente a que pertencem, vendo os primeiros como produtos do segundo, é outro traço naturalista fortemente presente no trecho. Que comparação presente no fragmento pode ser utilizada para justificar tanto a animalização do homem quanto a sua redução às condições ambientais?

    A comparação é "[...] um mundo, uma coisa viva, uma geração, que parecia [...] multiplicar-se como larvas no esterco". 

4. Discuta com seus colegas: predominam no trecho lido características realistas ou naturalistas?

    No trecho lido predominam características naturalistas. 


5. Leia um fragmento de O cortiço, de Aluísio Azevedo, e responda às questões a ele relacionadas.

    [...]
    Pombinha, impressionada pela transformação da voz dele, levantou o rosto e viu que as lágrimas lhe desfilavam duas a duas, três a três, pela cara, indo afogar-se-lhe na moita cerdosa das barbas. E, coisa estranha, ela, que escrevera tantas cartas naquelas mesmas condições; que tantas vezes presenciara o choro rude de outros muitos trabalhadores do cortiço, sobressaltava-se agora com os desalentados soluços do ferreiro.

    Porque, só depois que o sol lhe abençoou o ventre; depois que nas suas entranhas ela sentiu o primeiro grito de sangue de mulher, teve olhos para essas violentas misérias dolorosas, a que os poetas davam o bonito nome de amor. A sua intelectualidade, tal como seu corpo, desabrochara inesperadamente, atingindo de súbito, em pleno desenvolvimento, uma lucidez que a deliciava e surpreendia. Não a comovera tanto a revolução física. Como que naquele instante o mundo inteiro se despia à sua vista, de improviso esclarecida, patenteando-lhe todos os segredos das suas paixões. Agora, encarando as lágrimas do Bruno, ela compreendeu e avaliou a fraqueza dos homens, a fragilidade desses animais fortes, de músculos valentes, de patas esmagadoras, mas que se deixavam encabrestar e conduzir humildes pela soberana e delicada mão da fêmea. [...]

                                      Aluísio Azevedo. O cortiço. São Paulo, Ática, 1997, pág. 128.

a. Que transformação vivenciada por Pombinha lhe permite interpretar com "outros olhos" o choro do ferreiro Bruno pela mulher que o abandona? 

    A transformação é que Pombinha "sentiu o primeiro grito de sangue de mulher", ou seja, deixou de ser menina e pôde, então, compreender melhor o sofrimento amoroso.

b. Em que sentido essa transformação indica a presença do Realismo naturalista no texto? 

    A transformação de Pombinha indica a presença do Realismo naturalista no texto por seu caráter determinista: ao despertar como fêmea, ela passa a enxergar os homens e suas fraquezas como "fragilidades de animais fortes", encabrestados pela mão da fêmea. 

c. Comente a característica estética do Naturalismo presente no seguinte fragmento: "[...] a fraqueza dos homens, a fragilidade desses animais fortes, de músculos valentes, de patas esmagadoras [...]".

Trata-se do zoomorfismo. Ele expressa literariamente a crença dos representantes do Naturalismo na semelhança entre o comportamento do homem e o de qualquer outro animal.


                                                           BONS ESTUDOS!

Senhora, de José de Alencar - Atividade com gabarito

Leia os primeiros parágrafos do romance Senhora, de José de Alencar, em que o narrador apresenta a personagem central, Aurélia Camargo.

Texto 1

Senhora

    Há anos raiou no céu fluminense uma nova estrela.

    Desde o momento de sua ascensão ninguém lhe disputou o cetro; foi proclamada a rainha dos salões.     Tornou-se a deusa dos bailes; a musa dos poetas e o ídolo dos noivos em disponibilidade.

    Era rica e formosa.

    Duas opulências, que se realçavam como a flor em vaso de alabastro; dois esplendores que se refletem, como o raio de sol no prisma do diamante.

    Quem não se recorda de Aurélia Camargo, que atravessou o firmamento da corte como brilhante meteoro, e apagou-se de repente no meio do deslumbramento que produzira seu fulgor? 


    José de Alencar. Senhora. Edição crítica de José Carlos Garbuglio. Rio de Janeiro, Livros Técnicos e Científicos, 1979.

1. Releia os três primeiros parágrafos do texto e faça o que se pede: 

a. Transcreva a primeira metáfora utilizada pelo narrador na apresentação de Aurélia Camargo. Copie a frase, passando-a para a ordem sintática direta.

    Há anos raiou uma nova estrela no céu fluminense.

 b. Esta primeira metáfora se desdobra, nos parágrafos seguintes, em novas metáforas. Transcreva esses desdobramentos.

    Momento de sua ascensão; ninguém lhe disputou o cetro; rainha dos salões; deusa dos bailes; musa dos poetas; ídolo dos noivos em disponibilidade.

c. Observando os desdobramentos, interprete o significado metafórico da expressão "céu fluminense".

    "Céu fluminense" desdobra-se em salões, bailes, poetas, noivos em disponibilidade. Portanto, é metáfora da alta sociedade (céu) do Rio de Janeiro (fluminense).

d. Encontre, no sexto parágrafo, uma metáfora que confirme a interpretação feita na questão anterior.

      "atravessou o firmamento da corte".

2. O tema central de Senhora é o casamento por dinheiro. Aurélia Camargo, uma moça pobre, recebe inesperadamente uma grande herança. Passa então a frequentar a alta sociedade e é cortejada por inúmeros pretendentes. A todos ela despreza. Casa-se, entretanto, com Fernando Seixas, um antigo namorado que a trocara por uma noiva que lhe daria um bom dote. Esse casamento realiza-se como uma autêntica transação comercial.

a. Aurélia torna-se a mulher mais admirada da corte. Qual é a primeira expressão utilizada pelo narrador para sugerir, discretamente, o real interesse dos pretendentes à mão de Aurélia? Explique. 

    É a expressão "noivos em disponibilidade", ou seja, noivos disponíveis, como mercadorias, à melhor oferta de compra.

b. Quais as duas grandes qualidades de Aurélia que a transformam em estrela, rainha, deusa, musa e ídolo?

    A riqueza e a formosura.

c. A literatura romântica geralmente idealiza o amor como um sentimento puro e desinteressado. O narrador de Senhora vê alguma contradição na valorização das duas grandes qualidades de Aurélia por seus pretendentes? Explique sua resposta usando as comparações feitas pelo narrador.

     Não. Ele considera essas qualidades compatíveis entre si. Considera mesmo que a formosura realça-se e reflete-se na riqueza, do mesmo modo que a flor realça-se no vaso de alabastro ou como o raio de sol reflete-se no prisma do diamante.

O primo Basílio, de Eça de Queirós (Atividade com gabarito)



Fragmento 1

    "Havia doze dias que Jorge tinha partido e, apesar do calor e da poeira, Luísa vestia-se para ir à casa de Leopoldina. Se Jorge soubesse não havia de gostar, não! Mas estava tão farta de estar só! Aborrecia-se tanto! De manhã ainda tinha os arranjos, a costura, a toilette, algum romance... Mas de tarde!

    À hora em que Jorge costumava voltar do ministério, a solidão parecia alargar-se em torno dela. Fazia-lhe tanta falta o seu toque de campainha, os seus passos no corredor!...

    Ao crepúsculo, ao ver cair o dia, entristecia-se sem razão, caía numa vaga sentimentalidade: [...] O que pensava em tolices então!" (cap. III)

Fragmento 2

    "Servia , havia vinte anos. Como ela dizia, mudava de amos, mas não mudava de sorte. Vinte anos a dormir em cacifos, a levantar- se de madrugada, a comer os restos, a vestir trapos velhos, a sofrer os repelões das crianças e as más palavras das senhoras, a fazer despejos, a ir para o hospital quando vinha a doença, a esfalfar-se quando voltava a saúde!... Era demais! Tinha agora dias em que só de ver o balde das águas sujas e o ferro de engomar se lhe embrulhava o estômago. Nunca se acostumara a servir. [...]

    As antipatias que a cercavam faziam-na assanhada, como um círculo de espingardas enraivece um lobo. Fez-se má; beliscava crianças até lhes enodoar a pele; e se lhe ralhavam, a sua cólera rompia em rajadas. Começou a ser despedida. Num só ano esteve em três casas. Saía com escândalo, aos gritos, atirando as portas, deixando as amas todas pálidas, todas nervosas. [...] A necessidade de se constranger trouxe-lhe o hábito de odiar; odiou sobretudo as patroas, com um ódio irracional e pueril." (cap. III)

                                                               O primo Basílio. São Paulo, Ática, 1993.


    Eça de Queirós é o mais importante romancista do Realismo português. Com as caracterizações de duas personagens femininas de O primo Basílio - Luísa, a mulher adúltera; e Juliana, sua empregada -, vamos começar a estudar o Realismo-Naturalismo, no contexto de seu surgimento e das principais características estilísticas do movimento. 
    Releia com atenção os fragmentos para responder às questões propostas.

Releitura

1. Considere o seguinte fragmento de uma das famosas Conferências do Cassino Lisbonense, em que Eça de Queirós teoriza sobre o novo estilo, comparando-o com o Romantismo:

[...] o Realismo é uma reação contra o Romantismo: o Romantismo era a apoteose do sentimento; - o Realismo é a anatomia do cará ter. É a crítica do homem. É a arte que nos pinta a nossos próprios olhos-para condenar o que houver de mau na nossa sociedade.

                            António José Saraiva e Óscar Lopes. História da literatura portuguesa.

a. O narrador caracteriza Luísa como uma personagem romântica. Que traços da personagem, presentes no fragmento 1, nos permi- tem associá-la com o Romantismo?

b. Luísa é caracterizada por meio de uma ótica realista, na medida em que o narrador critica-lhe o romantismo, em vez de aderir a ele. Que frase do fragmento 1 comprova essa afirmação?

2. Além da postura racional e objetiva, necessária para a "anatomia do caráter" pretendida pelos escritores realistas, esse estilo, em sua vertente naturalista, vê o comportamento humano como conse- quência de certos fatores que o determinam.

a. No caso de Luísa, que no romance é casada com Jorge e tem uma vida ociosa, de classe média abastada, a que fatores presentes no texto podemos atribuir os seus traços românticos?

b. E no caso de Juliana, a segunda personagem caracterizada no fragmento 2? Qual é o fator determinante de sua revolta e seu ódio?

3. Para realizar sua "anatomia do caráter", o Realismo-Naturalismo utiliza a comparação entre o comportamento humano e o dos animais, inclusive para realçar "o que houver de mau na nossa socie- dade" burguesa, cujas contradições critica implacavelmente.
 a. Transcreva o trecho do fragmento 2 que exemplifica essa característica. 

b. Mencione a contradição da sociedade burguesa a que o exemplo se refere. 

                
                        Respostas

1a. A solidão, o tédio, a propensão ao sentimentalismo.

b. A frase é: "O que pensava em tolices então!".

2a. Os fatores são a ausência do marido e a falta de ocupação.

b. O fator que determina a revolta e o ódio de Juliana é a sua condição de serva.

3a. "As antipatias que a cercavam faziam-na assanhada, como um círculo de espingardas enraivece um lobo".

b. Trata-se da desigualdade social e econômica, que divide a sociedade entre ricos e pobres, patrões e empregados.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

Questões do Enem: Modernismo no Brasil - 2ª geração ( Romance de 30 )

Textos comuns às questões 1 e 2, a seguir.

Texto I

     Agora Fabiano conseguia arranjar as ideias. O que o segurava era a família. Vivia preso como um novilho amarrado ao mourão, ferro quente. Se não fosse isso, um soldado amarelo não lhe pisava o pé não.

     (...) Tinha aqueles cambões pendurados ao pescoço. Deveria continuar a arrastá-los? Sinha Vitória dormia mal na cama de varas. Os meninos eram uns brutos, como o pai. Quando crescessem, guardariam as reses de um patrão invisível, seriam pisados, maltratados, machucados por um soldado amarelo.

RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. São Paulo: Martins, 23. ed., 1969, p. 75.

Texto II

    Para Graciliano, o roceiro pobre é um outro, enigmático, impermeável. Não há solução fácil para uma tentativa de incorporação dessa figura no campo da ficção.

    É lidando com o impasse, ao invés de fáceis soluções, que Graciliano vai criar Vidas Secas, elaborando uma linguagem, uma estrutura romanesca, uma constituição de narrador em que narrador e criaturas se tocam, mas não se identificam. Em grande medida, o debate acontece porque, para a intelectualidade brasileira naquele momento, o pobre, a despeito de aparecer idealizado em certos aspectos, ainda é visto como um ser humano de segunda categoria, simples demais, incapaz de ter pensamentos demasiadamente complexos. O que Vidas Secas faz é, com pretenso não envolvimento da voz que controla a narrativa, dar conta de uma riqueza humana de que essas pessoas seriam plenamente capazes.

Luís Bueno. Guimarães, Clarice e antes. In: Teresa. São Paulo: USP, n. 2, 2001, p. 254.

1.  A partir do trecho de Vidas Secas (texto I) e das informações do texto II, relativas às concepções artísticas do romance social de 1930, avalie as seguintes afirmativas.

I. O pobre, antes tratado de forma exótica e folclórica pelo regionalismo pitoresco, transforma-se em protagonista privilegiado do romance social de 30.

II. A incorporação do pobre e de outros marginalizados indica a tendência da ficção brasileira da década de 30 de tentar superar a grande distância entre o intelectual e as camadas populares.

III. Graciliano Ramos e os demais autores da década de 30 conseguiram, com suas obras, modificar a posição social do sertanejo na realidade nacional.

É correto apenas o que se afirma em

a) I.

b) II.

c) III.

d) I e II.

e) II e III.

2. No texto II, verifica-se que o autor utiliza

a) linguagem predominantemente formal, para problematizar, na composição de Vidas Secas, a relação entre o escritor e o personagem popular.

b) linguagem inovadora, visto que, sem abandonar a linguagem formal, dirige-se diretamente ao leitor.

c) linguagem coloquial, para narrar coerentemente uma história que apresenta o roceiro pobre de for- ma pitoresca.

d) linguagem formal com recursos retóricos próprios do texto literário em prosa, para analisar determi- nado momento da literatura brasileira.

e) linguagem regionalista, para transmitir informações sobre literatura, valendo-se de coloquialismo, para facilitar o entendimento do texto.

3.     A velha Totonha de quando em vez batia no engenho. E era um acontecimento para a meninada... Que talento ela possuía para contar as suas histórias, com um jeito admirável de falar em nome de todos os personagens, sem nenhum dente na boca, e com uma voz que dava todos os tons às palavras!

    Havia sempre rei e rainha, nos seus contos, e forca e adivinhações. E muito da vida, com as suas maldades e as suas grandezas, a gente encontrava naqueles heróis e naqueles intrigantes, que eram sempre castigados com mortes horríveis! O que fazia a velha Totonha mais curiosa era a cor local que ela punha nos seus descritivos. Quando ela queria pintar um reino era como se estivesse falando dum engenho fabuloso. Os rios e florestas por onde andavam os seus per- sonagens se pareciam muito com a Paraíba e a Mata do Rolo. O seu Barba-Azul era um senhor de engenho de Pernambuco.

       José Lins do Rego. Menino de Engenho. Rio de Janeiro:
                   José Olympio, 1980, p. 49-51 (com adaptações).

Na construção da personagem "velha Totonha", é possível identificar traços que revelam marcas do processo de colonização e de civilização do país. Considerando o texto, infere-se que a velha Totonha

a) tira o seu sustento da produção da literatura, apesar de suas condições de vida e de trabalho, que denotam que ela enfrenta situação econômica muito adversa.

b) compõe, em suas histórias, narrativas épicas e realistas da história do país colonizado, livres da influência de temas e modelos não representativos da realidade nacional.

c) retrata, na constituição do espaço dos contos, a civilização urbana europeia em concomitância com a representação literária de engenhos, rios e florestas do Brasil.

d) aproxima-se, ao incluir elementos fabulosos nos contos, do próprio romancista, o qual pretende retratar a realidade brasileira de forma tão grandiosa quanto a europeia.

e) imprime marcas da realidade local a suas narrativas, que têm como modelo e origem as fontes da literatura e da cultura europeia universalizada.

4. Como se assistisse à demonstração de um espetáculo mágico, ia revendo aquele ambiente tão característico de família, com seus pesados móveis de vinhático ou de jacarandá, de qualidade antiga, e que denunciavam um passado ilustre, gerações de Meneses talvez mais singelos e mais calmos; agora, uma espécie de desordem, de relaxamento, abastardava aquelas qualidades primaciais. Mesmo assim era fácil perceber o que haviam sido, esses nobres da roça, com seus cristais que brilhavam mansamente na sombra, suas pratas semiempoeiradas que atestavam o esplendor esvanecido, seus marfins e suas opalinas - ah, respirava-se ali conforto, não havia dúvida, mas era apenas uma sobrevivência de coisas idas. Dir-se-ia, ante esse mundo que se ia desagregando, que um mal oculto o roía, como um tumor latente em suas entranhas.

CARDOSO, L. Crônica da casa assassinada. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002 (adaptado).

O mundo narrado nesse trecho do romance de Lúcio Cardoso, acerca da vida dos Meneses, família da aristocracia rural de Minas Gerais, apresenta não apenas a história da decadência dessa família, é, ainda, a representação literária de uma fase de desagregação política, social e econômica do país. O recurso expressivo que formula literariamente essa desagregação histórica é o de descrever a casa dos Meneses como

a) ambiente de pobreza e privação, que carece de conforto mínimo para a sobrevivência da família. 

b) mundo mágico, capaz de recuperar o encantamento perdido durante o período de decadência da aristocracia rural mineira.

c) cena familiar, na qual o calor humano dos habitantes da casa ocupa o primeiro plano, compensando a frieza e austeridade dos objetos antigos.

d) símbolo de um passado ilustre que, apesar de superado, ainda à sua total dissolução ao cuidado e asseio que a família dispensa à conservação da casa.

e) espaço arruinado, onde os objetos perderam seu esplendor e sobre os quais a vida repousa como lembrança de um passado que está em vias de desaparecer completamente.

5.

          Texto I

    Logo depois transferiram para o trapiche o depósito dos objetos que o trabalho do dia lhes proporcionava. Estranhas coisas entraram então para o trapiche. Não mais estranhas, porém,  que aqueles meninos,  moleques de todas as cores e  de idades as mais variadas, desde os nove aos dezesseis anos, que à noite se estendiam pelo assoalho e por debaixo da ponte e dormiam, indiferentes ao vento que circundava o casarão uivando, indiferentes à chuva que muitas vezes os lavava, mas com os olhos puxados para as luzes dos navios, com os ouvidos presos às canções que vinham das embarcações...

AMADO, J. Capitães de Areia. São Paulo: Companhia das Letras, 2008 (fragmento).

       Texto II

    À margem esquerda do rio Belém, nos fundos do mercado de peixe, ergue-se o velho ingazeiro - ali os bêbados são felizes. Curitiba os considera animais sagrados, provê as suas necessidades de cachaça e pirão. No trivial contentavam-se com as sobras do mercado.

TREVISAN, D. 35 noites de paixão: contos escolhidos. Rio de Janeiro: BestBolso, 2009 (fragmento).

Sob diferentes perspectivas, os fragmentos citados são exemplos de uma abordagem literária recorren- te na literatura brasileira do século XX. Em ambos os textos,

a) a linguagem afetiva aproxima os narradores dos personagens marginalizados.

b) a ironia marca o distanciamento dos narradores em relação aos personagens.

c) o detalhamento do cotidiano dos personagens revela a sua origem social.

d) o espaço onde vivem os personagens é uma das marcas de sua exclusão.

e) a crítica à indiferença da sociedade pelos marginalizados é direta.


segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

Poesia é música na Idade Média: Questões de vestibular

1. (UEPA)

A literatura do amor cortês, pode-se acres- centar, contribuiu para transformar de algum modo a realidade extraliterária, atua como componente do que Elias (1994)* chamou de processo civilizador. Ao mesmo tempo, a realidade extraliterária penetra processualmente nessa literatura que, em parte, nasceu como forma de sonho e de evasão.

(Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, EDUFSC, v. 41, n. 1 e 2, p. 83-110, abril e outubro de 2007, p. 91-92) (*) Cf. ELIAS, N. O Processo Civilizador. Rio de Janeiro: Zahar, 1994, v. 1.

Interprete o comentário acima e, com base nele e em seus conhecimentos acerca do lirismo medieval galego-português, marque a alternativa correta:

a) as cantigas de amor recriaram o mesmo ambiente palaciano das cortes galegas.

b) "a literatura do amor cortês" refletiu a verdade sobre a vida privada medieval.

c) a servidão amorosa e a idealização da mulher foi o grande tema da poesia produzida por vilões.

d) o amor cortês foi uma prática literária que aos poucos modelou o perfil do homem civilizado.

e) nas cantigas medievais mulheres e homens submetem-se às maneiras refinadas da cortesia.


2. (Mack-SP) Assinale a afirmativa correta com relação ao Trovadorismo.

a) Um dos temas mais explorados por esse estilo de época é a exaltação do amor sensual entre nobres e mulheres camponesas.

b) Desenvolveu-se especialmente no século XV e refletiu a transição da cultura teocêntrica para a cultura antropocêntrica.

c) Devido ao grande prestígio que teve durante toda a Idade Média, foi recuperado pelos poetas da Re- nascença, época em que alcançou níveis estéticos insuperáveis.

d) Valorizou recursos formais que tiveram não apenas a função de produzir efeito musical, como também a função de facilitar a memorização, já que as composições eram transmitidas oralmente.

e) Tanto no plano temático como no plano expressivo, esse estilo de época absorveu a influência dos padrões estéticos greco-romanos.

3. (Mack-SP)

Ai dona fea! foste-vos queixar 
porque vos nunca louv'em meu trobar
mais ora quero fazer um cantar 
em que vos loarei toda via 
e vedes como vos quero loar: 
dona fea, velha e sandia!

Assinale a informação correta a respeito do trecho de João Garcia de Guilhade:

a) É cantiga satírica.

b) Foi o primeiro documento escrito em língua portuguesa (1189).

c) Trata-se de cantiga de amigo.

d) Foi escrita durante o Humanismo (1418-1527).

e) Faz parte do Auto da Feira.

4. (ESPM-SP) O amor cortês foi um gênero praticado desde os trovadores medievais europeus. Nele a devoção masculina por uma figura feminina inacessível foi uma atitude constante. A opção cujos versos confirmam o exposto é: 

a)

Eras na vida a pomba predileta
[...] Eras o idílio de um amor sublime.
Eras a glória, - a inspiração, - a pátria, 
O porvir de teu pai!

                            (Fagundes Varela)

b)

Carnais, sejam carnais tantos desejos, 
Carnais sejam carnais tantos anseios, 
Palpitações e frêmitos e enleios 
Das harpas da emoção tantos arpejos...

                        (Cruz e Sousa)

c)

Quando em meu peito rebentar-se a fibra, 
Que o espírito enlaça à dor vivente, 
Não derramem por mim nenhuma lágrima 
Em pálpebra demente.

                               (Álvares de Azevedo)

d)

Em teu louvor, Senhora, estes meus versos 
E a minha Alma aos teus pés para cantar-te,
E os meus olhos mortais, em dor imersos, 
Para seguir-lhe o vulto em toda a parte.

                                (Alphonsus de Guimaraens)

e)

Que pode uma criatura senão, 
entre criaturas, amar?
 amar e esquecer 
amar e malamar,
amar, desamar, amar?

                                  (Manuel Bandeira)

5. (IFSP)

                     Cantiga de amor 

                                           Afonso Fernandes

Senhora minha, desde que vos vi, 
lutei para ocultar esta paixão 
que me tomou inteiro o coração; 
mas não o posso mais e decidi 
que saibam todos o meu grande amor, 
a tristeza que tenho, a imensa dor 
que sofro desde o dia em que vos vi. 
Já que assim é, eu venho-vos rogar 
que queirais pelo menos consentir 
que passe a minha vida a vos servir [...]

(www.caestamosnos.org/efemerides/118. Adaptado)

Observando-se a última estrofe, é possível afirmar que o apaixonado:

a) se sente inseguro quanto aos próprios sentimentos.

b) se sente confiante em conquistar a mulher amada.

c) se declara surpreso com o amor que lhe dedica a mulher amada. 

d) possui o claro objetivo de servir sua amada.

e) conclui que a mulher amada não é tão poderosa quanto parecia a princípio.

6. (IFSP) Leia atentamente o texto abaixo. 

Com'ousará parecer ante mi 
o meu amigo, ai amiga, por Deus, 
e com'ousará catar estes meus 
olhos se o Deus trouxer per aqui, 
pois tam muit'há que nom veo veer 
mi e meus olhos e meu parecer?

(Com'ousará parecer ante mi, de Dom Dinis. Fonte: <http://pt.wikisource.org/wiki/Com'ousará_parecer_ante_mi>. Acesso em: 05.12.2012.)

Per: por.

Tam: tão.

Nom: não.

Veer: ver.

Mi: mim, me.

Parecer: semblante.

Sobre o fragmento anterior, pode-se afirmar que pertence a uma cantiga de:

a) amor, pois o eu lírico masculino declara a uma amiga o sentimento de amor que tem por ela.

b) amigo, pois o eu lírico feminino expressa a uma amiga a falta de seu amigo por quem sente amor.

c) amor, pois o eu lírico é feminino e acha que seu amor não deve voltar para os seus braços.

d) amigo, pois o eu lírico masculino entende que só Deus pode trazer de volta sua amiga a quem não vê há muito tempo.

e) amor, pois o eu lírico feminino não consegue enxergar o amor que sente por seu amigo.

7. (ESPCEX-SP) É correto afirmar sobre o Trovadorismo que:

a) os poemas são produzidos para ser encenados. 

b) as cantigas de escárnio e maldizer têm temáticas amorosas.

c) nas cantigas de amigo, o eu lírico é sempre feminino.

d) as cantigas de amigo têm estrutura poética complicada.

e) as cantigas de amor são de origem nitidamente popular.


8. (Vunesp)

Cantiga

Bailemos nós já todas três, ai amigas, 
So aquestas avelaneiras frolidas, 
E quem for velida, como nós, velidas,
Se amigo amar,
So aquestas avelaneiras frolidas
Verrá bailar.

Bailemos nós já todas três, ai irmanas, 
So aqueste ramo destas avelanas,
E quem for louçana, como nós, louçanas,

Se amigo amar,
So aqueste ramo destas avelanas 
Verrá bailar.

Por Deus, ai amigas, mentr'al non fazemos,
So aqueste ramo frolido bailemos,
E quem bem parecer, como nós parecemos

Se amigo amar,
So aqueste ramo so lo que bailemos
Verrá bailar.

Airas Nunes, de Santiago. In: SPINA, Segismundo. Presença da Literatura Portuguesa - 1. Era Medieval. 2. ed. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1966.

Frolidas: floridas.

Velida: formosa.

Aquestas: estas.

Verrá: virá.

Irmanas: irmãs.

Aqueste: este.

Louçana: formosa.

Avelanas: avelaneiras.

Mentr'al: enquanto outras coisas.

Bem parecer: tiver belo aspecto.


                            Confessor Medieval

(1960)

Irias à bailia com teu amigo, 
Se ele não te dera saia de sirgo? (sirgo = seda)

Se te dera apenas um anel de vidro 
Irias com ele por sombra e perigo?

Irias à bailia sem teu amigo, 
Se ele não pudesse ir bailar contigo?

Irias com ele se te houvessem dito 
Que o amigo que amavas é teu inimigo?

Sem a flor no peito, sem saia de sirgo, 
Irias sem ele, e sem anel de vidro?

Irias à bailia, já sem teu amigo, 
E sem nenhum suspiro?

Cecília Meireles. Poesias completas de Cecília Meireles - v. 8. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974.

Tanto na cantiga como no poema de Cecília Meireles verificam-se diferentes personagens: um eu poemático, que assume a palavra, e um interlocutor ou interlocutores a quem se dirige. Com base nesta informação, releia os dois poemas e, a seguir:

a) indique o interlocutor ou interlocutores do eu poemático em cada um dos textos.

O primeiro texto apresenta um vocativo, ai amigas, indicando que o eu lírico (feminino) fala com suas amigas a respeito de seus amados (amigos). No segundo texto, apesar da ausência de vocativo, pode-se identificar o interlocutor como alguém do sexo feminino pelas perguntas: o eu lírico questiona diretamente se iria à bailia (baile, dança) com o amigo. As perguntas são sempre sobre elementos ligados ao mundo feminino (saia de sirgo, anel).

b) identifique, em cada poema, com base na flexão dos verbos, a pessoa gramatical utilizada pelo eu poemático para dirigir-se ao interlocutor ou interlocutores.

No primeiro texto, trata-se da primeira pessoa do plural (nós): bailemos.
No segundo texto, é a segunda pessoa do singular (tu): irias.

9. (Mack-SP)

Ondas do mar de Vigo, 
se vistes meu amigo!
E ai Deus, se verrá cedo!

Ondas do mar levado, 
se vistes meu amado!
E ai Deus, se verrá cedo!

                            Martim Codax

Verrá: virá.

Levado: agitado.

Assinale a afirmativa correta sobre o texto.

a) Nessa cantiga de amigo, o eu lírico masculino manifesta a Deus seu sofrimento amoroso.

b) Nessa cantiga de amor, o eu lírico feminino dirige -se a Deus para lamentar a morte do ser amado.

c) Nessa cantiga de amigo, o eu lírico masculino manifesta às ondas do mar sua angústia pela perda do amigo em trágico naufrágio..

d) Nessa cantiga de amor, o eu lírico masculino dirige-se às ondas do mar para expressar sua solidão.

e) Nessa cantiga de amigo, o eu lírico feminino dirige-se às ondas do mar para expressar sua ansiedade com relação à volta do amado.


                                                                     BONS ESTUDOS!

Questões do Enem - Pré-Modernismo

1.

          Lépida e leve

Língua do meu Amor velosa e doce, 
que me convences de que sou frase, 
que me contornas, que me vestes quase,
como se o corpo meu de ti vindo me fosse. 
Língua que me cativas, que me enleias 
os surtos de ave estranha,
em linhas longas de invisíveis teias, 
de que és, há tanto, habilidosa aranha...
[...]
Amo-te as sugestões gloriosas e funestas, 
amo-te como todas as mulheres
te amam, ó língua-lama, ó língua resplendor,
pela carne de som que à ideia emprestas
e pelas frases mudas que proferes 
nos silêncios de Amor!...

MACHADO, G. In: MORICONI, I. (org.). Os cem melhores poemas brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001 (fragmento)

A poesia de Gilka Machado identifica-se com as concepções artísticas simbolistas. Entretanto, o texto selecionado incorpora referências temáticas e formais modernistas, já que, nele, a poeta

a) procura desconstruir a visão metafórica do amor e abandona o cuidado formal.
b) concebe a mulher como um ser sem linguagem e questiona o poder da palavra.
c) questiona o trabalho intelectual da mulher e antecipa a construção do verso livre. 
d) propõe um modelo novo de erotização na lírica amorosa e propõe a simplificação verbal.
e) explora a construção da essência feminina, a partir da polissemia de "língua", e inova o léxico.

2.
       Desde dezoito anos que o tal patriotismo lhe absorvia e por ele fizera a tolice de estudar inutilidades. Que lhe importavam os rios? Eram grandes? Pois que fossem... Em que lhe contribuiria para a saber o nome dos heróis do Brasil? Em nada... O importante é que ele tivesse sido feliz. Foi? Não. Lembrou-se das suas coisas de tupi, de folk-lore, das suas tentativas agrícolas... Restava disso tudo em sua alma uma satisfação? Nenhuma! Nenhuma!
      O tupi encontrou a incredulidade geral, o riso, a mofa, o escárnio; e levou-o à loucura. Uma decepção. E a agricultura? Nada. As terras não eram ferazes e ela não era fácil como diziam os livros. Outra decepção. E, quando seu patriotismo se fizera combatente, o que achara? Decepções. Onde estava a doçura de nossa gente? Pois ele não a viu combater como feras? Pois não a via matar prisioneiros, inúmeros? Outra decepção. A sua vida era uma decepção, uma série, melhor, um encadeamento de decepções.
      A pátria que quisera ter era um mito; um fantasma criado por ele no silêncio de seu gabinete.

BARRETO, L. Triste fim de Policarpo Quaresma. Disponível em:
                        www.dominiopublico.gov.br. Acesso em: 8 nov. 2011.

O romance Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, foi publicado em 1911. No fragmento destacado, a reação do personagem aos desdobramentos de suas iniciativas patrióticas evidencia que

a) a dedicação de Policarpo Quaresma ao conhecimento da natureza brasileira levou-o a estudar inutilidades, mas possibilitou-lhe uma visão mais ampla do país.

b) a curiosidade em relação aos heróis da pátria levou-o ao ideal de prosperidade e democracia que o personagem encontra no contexto republicano.

c) a construção de uma pátria a partir de elementos míticos, como a cordialidade do povo, a riqueza do solo e a pureza linguística, conduz à frustração ideológica.

d) a propensão do brasileiro ao riso, ao escárnio, justifica a reação de decepção e desistência de Policarpo Quaresma, que prefere resguardar-se em seu gabinete.

e) a certeza da fertilidade da terra e da produção agrícola incondicional faz parte de um projeto ideológico salvacionista, tal como foi difundido na época do autor.