quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

O primo Basílio, de Eça de Queirós (Atividade com gabarito)



Fragmento 1

    "Havia doze dias que Jorge tinha partido e, apesar do calor e da poeira, Luísa vestia-se para ir à casa de Leopoldina. Se Jorge soubesse não havia de gostar, não! Mas estava tão farta de estar só! Aborrecia-se tanto! De manhã ainda tinha os arranjos, a costura, a toilette, algum romance... Mas de tarde!

    À hora em que Jorge costumava voltar do ministério, a solidão parecia alargar-se em torno dela. Fazia-lhe tanta falta o seu toque de campainha, os seus passos no corredor!...

    Ao crepúsculo, ao ver cair o dia, entristecia-se sem razão, caía numa vaga sentimentalidade: [...] O que pensava em tolices então!" (cap. III)

Fragmento 2

    "Servia , havia vinte anos. Como ela dizia, mudava de amos, mas não mudava de sorte. Vinte anos a dormir em cacifos, a levantar- se de madrugada, a comer os restos, a vestir trapos velhos, a sofrer os repelões das crianças e as más palavras das senhoras, a fazer despejos, a ir para o hospital quando vinha a doença, a esfalfar-se quando voltava a saúde!... Era demais! Tinha agora dias em que só de ver o balde das águas sujas e o ferro de engomar se lhe embrulhava o estômago. Nunca se acostumara a servir. [...]

    As antipatias que a cercavam faziam-na assanhada, como um círculo de espingardas enraivece um lobo. Fez-se má; beliscava crianças até lhes enodoar a pele; e se lhe ralhavam, a sua cólera rompia em rajadas. Começou a ser despedida. Num só ano esteve em três casas. Saía com escândalo, aos gritos, atirando as portas, deixando as amas todas pálidas, todas nervosas. [...] A necessidade de se constranger trouxe-lhe o hábito de odiar; odiou sobretudo as patroas, com um ódio irracional e pueril." (cap. III)

                                                               O primo Basílio. São Paulo, Ática, 1993.


    Eça de Queirós é o mais importante romancista do Realismo português. Com as caracterizações de duas personagens femininas de O primo Basílio - Luísa, a mulher adúltera; e Juliana, sua empregada -, vamos começar a estudar o Realismo-Naturalismo, no contexto de seu surgimento e das principais características estilísticas do movimento. 
    Releia com atenção os fragmentos para responder às questões propostas.

Releitura

1. Considere o seguinte fragmento de uma das famosas Conferências do Cassino Lisbonense, em que Eça de Queirós teoriza sobre o novo estilo, comparando-o com o Romantismo:

[...] o Realismo é uma reação contra o Romantismo: o Romantismo era a apoteose do sentimento; - o Realismo é a anatomia do cará ter. É a crítica do homem. É a arte que nos pinta a nossos próprios olhos-para condenar o que houver de mau na nossa sociedade.

                            António José Saraiva e Óscar Lopes. História da literatura portuguesa.

a. O narrador caracteriza Luísa como uma personagem romântica. Que traços da personagem, presentes no fragmento 1, nos permi- tem associá-la com o Romantismo?

b. Luísa é caracterizada por meio de uma ótica realista, na medida em que o narrador critica-lhe o romantismo, em vez de aderir a ele. Que frase do fragmento 1 comprova essa afirmação?

2. Além da postura racional e objetiva, necessária para a "anatomia do caráter" pretendida pelos escritores realistas, esse estilo, em sua vertente naturalista, vê o comportamento humano como conse- quência de certos fatores que o determinam.

a. No caso de Luísa, que no romance é casada com Jorge e tem uma vida ociosa, de classe média abastada, a que fatores presentes no texto podemos atribuir os seus traços românticos?

b. E no caso de Juliana, a segunda personagem caracterizada no fragmento 2? Qual é o fator determinante de sua revolta e seu ódio?

3. Para realizar sua "anatomia do caráter", o Realismo-Naturalismo utiliza a comparação entre o comportamento humano e o dos animais, inclusive para realçar "o que houver de mau na nossa socie- dade" burguesa, cujas contradições critica implacavelmente.
 a. Transcreva o trecho do fragmento 2 que exemplifica essa característica. 

b. Mencione a contradição da sociedade burguesa a que o exemplo se refere. 

                
                        Respostas

1a. A solidão, o tédio, a propensão ao sentimentalismo.

b. A frase é: "O que pensava em tolices então!".

2a. Os fatores são a ausência do marido e a falta de ocupação.

b. O fator que determina a revolta e o ódio de Juliana é a sua condição de serva.

3a. "As antipatias que a cercavam faziam-na assanhada, como um círculo de espingardas enraivece um lobo".

b. Trata-se da desigualdade social e econômica, que divide a sociedade entre ricos e pobres, patrões e empregados.

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